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Desafios de mães solo ficam ainda mais intensos na quarentena

Uma em cada 5 mulheres cuida sozinha dos filhos em SP. No isolamento, maior proximidade gera encanto e as preocupações aumentam

São Paulo|Clarice Sá, do R7

Made Picchi, de 44 anos, é mãe de Sofia, de 9
Made Picchi, de 44 anos, é mãe de Sofia, de 9 Made Picchi, de 44 anos, é mãe de Sofia, de 9

O Dia das Mães será de ainda mais proximidade para quem está em casa com os filhos nesta quarentena, especialmente para aquelas que exercem a maternidade sem o apoio de mais ninguém, as mães solo. É o caso de uma em cada cinco mulheres da capital paulista, de acordo com levantamento da Rede Nossa São Paulo. Entre elas está a publicitária Flávia Ferreira, de 38 anos, que não pode responder ao primeiro contato da reportagem porque Otto, de 2 anos 11 meses, tinha acabado de pegar um pacote de farofa e espalhado pela casa.

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Demandas repentinas e inusitadas como essa fazem parte da rotina das mulheres que tentam, sozinhas, conciliar os cuidados com a casa, a limpeza das compras, as obrigações do trabalho, a educação e, no caso das crianças pequenas, o monitoramento permanente. As mães solo vivenciam uma sobrecarga mental e física imensa, diz a psicóloga Maíra Scombatti, da Lumos Cultural, que atende famílias de crianças recém-nascidas, e da Casa Curumim, espaço especializado em amamentação. “A sensação de não dar conta é constante”, diz Maíra.

Adriana, viúva há um ano, ao lado das filhas Vitoria e Lara, que não conheceu o pai
Adriana, viúva há um ano, ao lado das filhas Vitoria e Lara, que não conheceu o pai Adriana, viúva há um ano, ao lado das filhas Vitoria e Lara, que não conheceu o pai

No caso de Adriana Moura de Melo, de 30 anos, a preocupação é ainda mais básica. Sem renda após a morte do marido e do pai, há um ano, tem medo de não ter o que dar de comer a Vitoria, de 10 anos, e Larah, de 11 meses. “Elas são minhas forças agora no momento que estou passando”, desabafa. 

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Pouco mais da metade (50,5%) das mães solo que moram na cidade de São Paulo vivem com até dois salários mínimos, de acordo com dados de 2010 do IBGE. “Essas mães provavelmente precisam de toda uma rede pra conseguir cuidar de um filho sozinhas e, num momento de pandemia, quando você não consegue acessar essa rede, a dificuldade é muito maior”, afirma Carolina Guimarães, coordenadora da Rede Nossa São Paulo.

Adriana mora com as duas filhas e três irmãos de 19, 18 e 14 anos, em um barraco no Jabaquara, zona sul da capital, e não conseguiu o auxílio emergencial do governo. Conta com a solidariedade de desconhecidos.

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Há cerca de 15 dias publicou nas redes sociais um pedido de ajuda e foi procurada por um grupo de pessoas interessadas em fazer doações. Se juntou a duas amigas e organizou a distribuição de cestas básicas e kits de higiene para 300 famílias da região. Máscaras de proteção também foram entregues. Os interessados em manter a rede de colaboração podem entrar em contato com Adriana por meio de seu perfil no Facebook. Para alimentar os três gatos e mais seis filhotes que acabaram de nascer, é uma amiga quem dá a ajuda.

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Quando perguntada sobre como vai ser o Dia das Mães, a resposta vem com a dor trazida pela lembrança do marido. “O pior de todos. Faz um ano também que perdi meu esposo. Não está está sendo legal, não. Tem que ser forte, todo dia é uma luta diária que eu enfrento”, conta. 

Adriana, com a camisa do Corinthians, recebe doações
Adriana, com a camisa do Corinthians, recebe doações Adriana, com a camisa do Corinthians, recebe doações

Para a diretora do Instituto Casa Mãe, Thaiz Leão, é desumano deixar tanta responsabilidade a cargo de uma mulher. “Uma pessoa só não dá conta de cuidar de uma criança, de um adolescente, nem de uma pessoa com deficiência, nem de segurar uma casa inteira”, diz. Thaiz está à frente do movimento #SeguraaCurvaDasMães, que durante a pandemia está mapeando mães em situação de vulnerabilidade e arrecadando dinheiro para doação de cestas básicas e kits de higiene e, além disso, pretende garantir um apoio emergencial de R$ 150 para cada inscrita.

A lista já reúne 732 mães em 20 estados e 500 projetos por todo Brasil. A arrecadação chegou a R$ 85 mil e já beneficiou 378 mães e suas famílias. A colaboração pode ser feita aqui. “A gente tem que ter um olhar social e uma determinação social contra a ausência de cuidado e a ineficiência de políticas públicas pelas mães que estão sozinhas segurando toda uma casa, uma família e outros vulneráveis”, afirma.

Nova rotina

Quem também luta diariamente para se manter firme é a doméstica Maria José Pereira, a Mazé, de 55 anos, mãe de Luis Felipe, de 25 anos, e de Arthur, de 17, que mora com ela. “Você acorda de manhã, olha pros quatro cantos da parede e fala assim: 'meu Deus, pra onde eu vou? O que é que eu vou fazer?'”, conta. “A nossa mente, o nosso corpo, estava tão acostumado com a nossa rotina de acordar cedo e ir trabalhar e agora não acontece mais isso. Faz uma confusão do nosso corpo com a nossa mente que se não tiver um foco, algo pra fazer, você enlouquece”. 

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A neuropsicóloga Maíra Alvarez, criada por mãe solo conta que "essa quarentena tem mexido muito com o psicológico das pessoas por conta do pânico de não saber como vai ser, das novidades sobre a doença, o número de mortos que não para de aumentar. Isso vai deixando as pessoas ansiosas, preocupadas, com receio do futuro”.

Máscaras

Mazé encontrou na produção de máscaras de proteção um passatempo. A primeira produção foi para os filhos. Em seguida, os amigos começaram a pedir e, aos poucos, vai vendendo as peças. Cobra apenas R$ 5, pois apesar de não ir para o trabalho, continua recebendo o salário.

Mazé e Arthur, com e sem as máscaras que a ajudam a manter a calma
Mazé e Arthur, com e sem as máscaras que a ajudam a manter a calma Mazé e Arthur, com e sem as máscaras que a ajudam a manter a calma

Também não há grandes planos para este domingo na casa dela. “Não vai ter Dia das Mães não, vou fazer nada, não”, diz Mazé. A rotina tem sido permeada por discussões com o filho, que eventualmente sai para encontrar os amigos da vizinhança, normalmente às sextas-feiras. “Eu brigo, brigo, brigo, mas não adianta.” 

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Ela prefere não sair. Quando o fez, as vizinhas quiseram abraçar. Porém lembrou às amigas que o ideal é manter distanciamento. Mazé é hipertensa, o que gera preocupação. O filho conseguiu se manter em quarentena por um mês. Agora, apesar das escapadas, a mãe conta que ele toma muito cuidado na volta. Deixa toda a roupa na entrada, passa álcool gel nas mãos e corre para o banho. É ele também quem faz compras e resolve o que precisa ser feito fora de casa. “Meu filho é tão bonitinho! Quando eu faço minhas orações eu falo 'oh, senhor, coloca juízo nessa cabecinha'”, diz Mazé.

Equilíbrio

Para se manter em equilíbrio durante a quarentena, a doméstica Gisele Ferreira Bispo, de 26 anos, decidiu se mudar com o filho Rafael, de 3 anos. Os dois moravam na casa de um tio de Gisele com outras cinco pessoas. Antes da quarentena, passavam lá apenas os finais de semana. Mas no período de isolamento, a falta de espaço e de privacidade pesou. 

Gisele e o tagarela Rafael
Gisele e o tagarela Rafael Gisele e o tagarela Rafael

Neste domingo, passam o Dia das Mães terminando de organizar o novo cantinho, no bairro do Morro Doce, na zona norte de São Paulo. “Vai ser emocionante estar com ele no Dias das Mães, só eu e ele. E ouvir ele me chamar de mãe e dizer que me ama”, diz Gisele.

Ela conta que a quarentena exige mais paciência para lidar com o filho tagarela ao longo de todo o dia. “Ele é muito agitado, fala muito, conversa muito, é bastante elétrico. Aí toda hora tem que prestar atenção. Dentro de 5 segundos, ele me chama bem umas dez vezes. É 24 horas dizendo mãe, dizendo te amo”, conta.

Gisele recebe apoio da patroa, a criadora audiovisual Made Picchi, de 44 anos, que é mãe solo de Sofia, de 9, e mora em uma casa da família no Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital. Made ajudou Gisele com a mudança. Antes da quarentena, Gisele e Rafael moravam de segunda a sexta com Made e a filha.

Sobrecarga

Sem a ajudante em casa e sem trabalho na quarentena, Made conta que todas as atenções de Sofia se voltaram a ela e se sente sobrecarregada. “Cuido dela em tempo integral, com as lições, comida, cuidados”, diz. Cuidar das atividades da escola, diz Made, demanda organização e disciplina, o que nem sempre é fácil.

As mães têm se sobrecarregado muito com a questão da educação dos filhos, conta a neuropsicóloga Maíra Alvarez , que se prepara para um bate-papo sobre conflitos familiares nas redes sociais próxima quarta-feira (13). O excesso de tarefas gera ansiedade e autocobrança. “Acaba aumentando a preocupação e a cobrança em dar conta de tudo e vem aquela sensação de ‘não sou uma boa mãe, não sou o suficiente, não estou conseguindo passar as coisas pro meu filho’”, conta.

A dica da profissional às mães é ter paciência, procurar conversar com alguém, mesmo de longe, e pedir ajuda aos filhos nas tarefas domésticas - a partir dos 2 anos já é possível ajudar. Em caso de angústias e ansiedade, o recomendado é procurar ajuda profissional.

Descobertas

“Apesar de muito cansativo, descobrimos coisas novas e lindas entre nós”, conta Made. Sofia se descobriu na cozinha, fazendo bolos e biscoito. Também gosta de fazer vídeos, assim como a mãe. Made está envolvida em causas solidárias e ganhou da filha um cartão com uma ilustração da jovem ativista paquistanesa Malala, conhecida internacionalmente por sua atuação a favor da educação feminina. Segundo Sofia, Made é também uma menina que não para de lutar. “Morri de chorar”, revela.

"Morri de chorar", diz Made sobre recado em que a filha a compara com a ativista Malala
"Morri de chorar", diz Made sobre recado em que a filha a compara com a ativista Malala "Morri de chorar", diz Made sobre recado em que a filha a compara com a ativista Malala

Este será a primeira vez que Made vai celebrar a data longe da mãe, que mora no interior. Inspirada nela, criou o projeto Mães da Quebrada, que ocupará sua manhã deste domingo com a distribuição de mais de cem kits de doações em dez comunidades para mulheres gestantes. Depois, passará o dia com Sofia e com a filha mais velha, Victoria, de 19 anos, de outro pai, de quem recebe apoio. “Esse Dia das Mães representará muito, [será] talvez o maior”, reflete Made.

Companheirismo

Livre para conversar com a reportagem após o episódio da farofa, Flávia conta que a maternidade solo é “bem dura” e que, durante a quarentena, “parece que as tarefas se multiplicaram por mil”. A lista de afazeres parece não acabar nunca.

Reconhecer que não é possível cuidar de tudo e que não há nada de errado nisso ajuda a manter o equilíbrio, orienta a psicóloga Maíra Scombatti. “É importante ela reconhecer do que ela está dando conta, porque ela está dando conta de muita coisa, de um excesso de coisas.”

Flávia e Otto, que espalhou farofa pela casa
Flávia e Otto, que espalhou farofa pela casa Flávia e Otto, que espalhou farofa pela casa

Flávia diz que as primeiras semanas foram bem difíceis. “Todas as rotinas de antes não cabiam mais. Foi preciso um bom tanto de flexibilizações de ambas as partes até que as novas rotinas se equilibrassem. E mesmo assim, às vezes elas não funcionam.”

As demandas emocionais também aumentaram. Flávia e Otto precisaram se mudar pouco antes da quarentena. É a sexta casa em que moram desde que ele nasceu e, no novo ambiente, durante o isolamento, o filho fica "mais grudado ainda do que nunca" na mãe. 

Ela espera que o amor e generosidade que recebe de Otto hoje ele possa passar também para os filhos no futuro. "Espero que ele seja uma figura presente, um pai presente, amoroso, que seja para os filhos dele o que ele é como filho hoje, uma criança amorosa, muito solidária. Espero que ele consiga reproduzir a relação que a gente tem, cheia de amor, companherismo, presença. Apesar de todas as culpas maternas, que são inevitáveis, tenho bastante orgulho da figurinha que estou criando". 

Flávia conta que se sente muito mais próxima do filho no período de isolamento social e diz que é “maravilhoso” poder acompanhar de perto pequenas evoluções no desenvolvimento. Para o Dia das Mães, planejou fazer algumas atividades, como desenhar, e quer preparar com Otto um prato que fuja do arroz e feijão do dia a dia. “Mas ainda não deu tempo de pensar no cardápio”, contou, durante uma breve pausa, na quarta-feira (6). A indefinição persistia no sábado (10). O motivo? "Otto caiu e machucou o dente. Ele está bem, mas sabe como é, né? Lascou o coração da mãe junto". 

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