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Ex-comandante pede nome de quem teria matado no Carandiru e diz que é acusado de “crime nazista” 

“Peguem as armas, examinem e deem os nomes”, desabafa Salvador Madia em interrogatório

São Paulo|Thiago de Araújo, do R7

No episódio, que entrou para a história como massacre do Carandiru, 111 detentos morreram
No episódio, que entrou para a história como massacre do Carandiru, 111 detentos morreram ITAMAR MIRANDA

O ex-comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Salvador Modesto Madia foi interrogado por seis horas nesta quinta-feira (1º), no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Ele negou as 73 mortes da qual ele e outros 25 policiais militares são acusados, durante o massacre do Carandiru, em outubro de 1992, na Casa de Detenção. Durante o interrogatório, ele pediu nomes das vítimas.

— Estou aqui e assumo os meus atos desde que entrei na polícia, há 31 anos. A minha arma está lá. Peguem as armas, façam exames e deem os nomes de quem eu matei.

Madia afirmou ainda que está sendo acusado de um crime “como os que os nazistas fizeram durante o Holocausto”. Além de negar a autoria dele e dos seus homens da Rota, o tenente-coronel disse não ter ficado tranquilo com o que veio a ser conhecido como massacre do Carandiru.

— A dinâmica do que passamos lá, não vamos lembrar, mas aí saí aquela foto no jornal com um mar de mortos.


Pensa que voltei feliz para casa, que cheguei e tomei um copo de sangue? Dizem que nós [da Rota] perseguimos pobres e negros, mas olhe para eles [oficiais], que são obrigados a se aposentar com salário de R$ 2.700 e têm uma série de dificuldades.

O interrogado, o último a ser ouvido antes dos debates entre acusação e defesa, ainda fez questão de elogiar a atitude do coronel Ubiratan Guimarães durante a invasão (“ele recebeu a ordem e assumiu”) e destacou que jamais aceitaria desvio de conduta dele e de seus comandados. Ainda sugeriu estar sendo uma espécie de “bode expiatório”, uma vez que, segundo ele, “vi 80 caras no primeiro andar e só 13 foram julgados”.


— Ouvi fala que usaram fuzil, algo que não portávamos, mas quem portava no primeiro julgamento [em abril deste ano, no qual 23 de 26 PMs foram condenados] foi inocentado. Sempre demos a cara a tapa e sei que não fizemos isso [matar 73 presos]. Recebemos uma ordem e tentamos cumpri-la da melhor forma possível.

Contradições


Salvador Modesto Madia não negou as muitas contradições entre o seu depoimento no plenário do fórum, na tarde desta quinta-feira, e depoimentos realizados semanas e meses após o massacre do Carandiru, em situações diferentes. Em geral, a cada declaração contraditória exposta pela promotoria, o tenente-coronel saia quase sempre com a mesma resposta.

— Se está escrito e eu assinei, sim, eu confirmo.

Um dos momentos de maior tensão foi quando o promotor Eduardo Olavo Canto questionou Madia sobre quem deu a ordem para que ele se retirasse do Carandiru, ele disse em plenário que havia sido o coronel Edson Faroro, um dos oficiais mais graduados na ação policial. De acordo com Canto, foi a primeira vez em 21 anos que Madia apresentou essa informação.

— Fico impressionado com a memória seletiva do tenente-coronel Madia, passados 21 anos. Ele nunca havia mencionado que a ordem foi dada pelo coronel Faroro.

Em depoimento semanas depois do massacre, Madia havia dito que “um soldado mandado pelo coronel Antonio Chiari lhe trouxe a informação de que deveria sair”.

Os conflitos de versões não param aí. Eles vão desde a efetiva participação de Madia no terceiro pavimento (2º andar), onde 73 detentos morreram, segundo os promotores, até mesmo o número de mortos que ele garante ter visto. Se no plenário ele disse ter ido e voltado pelo mesmo corredor, em outro, pouco tempo após o massacre, ele disse ter dado a volta no pavimento todo.

Já em um depoimento à Justiça Militar, nos anos 90, o tenente-coronel afirmou ter visto “de 20 a 30 corpos nas portas das celas”, números diferentes dos apontados durante o julgamento de hoje, no qual ele falou em 15 mortos.

Madia ainda afirmou ter visto “todos os detentos vestidos”, enquanto em outros dois depoimentos destacou que os presos “estavam nus”. Concluiu afirmando “não se lembrar” das duas armas entregues pelo tenente-coronel Valter Alves de Mendonça a ele, durante a rebelião, supostamente pertencentes aos rebelados. Madia diz serem “duas pistolas”, enquanto Mendonça falou em “uma pistola e um revólver”.

— Vamos ficar fazendo essas comparações. Não me lembro dos detalhes, mas se está aí [escrito], eu confirmo tudo. Não vou retirar uma palavra sequer.

Madia nega fama de “violento”

Entre novembro de 2011 e setembro de 2012, Salvador Madia comandou a Rota, corporação da PM que já havia

integrado em duas oportunidades. Os promotores sugeriram que ele perdeu o cargo pela razão do número e mortes envolvendo policiais ter subido 20% durante a sua gestão, levando a crer que o tenente-coronel possuísse fama de “violento”. Ele negou.

— Não sei se foram 20%. Deixei (o comando da Rota) por determinação do comando.

Ele ainda falou sobre o pedido recente de ter as suas punições apagadas do seu prontuário. A solicitação pode ser feita após dez anos sem penalidades. As anteriores, expostas no plenário, falavam sobre trotes, por duas vezes, nos anos 80, e outra por insubordinação a uma ordem de apoio, em 1995. Madia reconheceu todas e disse que o pedido se deve a ele estar em vias de se aposentar da PM.

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