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Massacre do Carandiru: defesa reconhece mortes, mas pede individualização da acusação

Defensora afirma que perícia não tinha estrutura para definir autorias dos policiais

São Paulo|Thiago de Araújo, do R7

Cento e onze presos foram mortos durante o episódio, ocorrido em outubro de 1992
Cento e onze presos foram mortos durante o episódio, ocorrido em outubro de 1992

Falta de provas, de laudos confiáveis e uma retórica em favor da atividade de policial militar. A argumentação da advogada Ieda Ribeiro, que defende os 25 réus no segundo julgamento do massacre do Carandiru, transitou durante 2h20 entre esses três temas chave, na tarde desta sexta-feira (2), no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo.

A defensora exigiu a individualização da acusação. Em linhas gerais, para ela, não é possível responsabilizar os policiais do 1º Batalhão do Choque, a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), que estavam no terceiro pavimento (2º andar), por 52 mortes [mais cedo, os promotores retiraram 21 mortes, pedindo a absolvição dos réus por elas].

— Tivemos 102 mortes atribuídas aos policiais na rebelião, em um universo de 2.000 presos. Isso efetivamente aconteceu. Mas quem atirou em quem? Está se generalizando o número de mortos e de réus. Esse caso está cercado de generalizações.

A diminuição do número de detentos mortos pelos PMs da Rota, a pedido do promotor Fernando Pereira, foi alvo de críticas contundentes da advogada de defesa. Tal pedido, segundo ela, reforça que o Ministério Público “não tem certeza” de quantos presos morreram em cada pavimento do pavilhão nove, tampouco quem foram os responsáveis pelas mortes.


“Eles estão estigmatizados”

Mais cedo, Ieda Ribeiro falou para um plenário mais povoado, em grande parte, por familiares dos réus e ex-policiais, alguns de muletas e cadeiras de rodas. Dirigindo-se à plateia que entrou exclusivamente para acompanhar a explanação da defesa, a advogada disse que o julgamento trata, sim, da instituição Polícia Militar, e não apenas dos réus da Rota. Ela aproveitou para prestar algumas “desculpas”.


— Eu me penitencio e me desculpo cada vez que os senhores (réus) não recebem um obrigado. Não farei a defesa deles, eu serei apenas a voz deles aqui, estarei representando eles. A defesa não vai ocorrer porque eles estão estigmatizados. Os comandos (da PM) não os respeitaram desde 1992.

Sobrou até para a imprensa que cobre o massacre do Carandiru, já que, por inúmeras razões, “não se interessou em apurar as mortes dos nove detentos mortos por outros presos”. E não foi só.


— Uma parcela da imprensa irresponsável divulga fotos e nomes completos dos policiais, expondo-os ao perigo das ruas.

Aos jurados, a defensora dos PMs perguntou “se eles agiriam diferente, em uma condição com aquela”, embasando o questionamento com algumas justificativas, como o sucateamento da Polícia Militar e os ferimentos sofridos pelos oficiais durante a rebelião. Nesse ponto, ela questionou a razão de vários policiais feridos, nuitos deles do 2º Batalhão do Choque, não terem sido denunciados ou, como o caso do comandante dessa unidade, Edson Faroro, terem sido apenados apenas com uma acusação de lesão corporal.

— Policiais feridos não foram denunciados. Sendo assim, quem os feriu? Os outros PMs?

Advogada sugeriu:

— Se não tem certeza, pede absolvição

Citando o resultado do primeiro dos quatro julgamentos do caso, ocorrido em abril deste ano, Ieda Ribeiro comentou como “prática” dos promotores pedirem a absolvição de réus quando não possuem certeza. De acordo com ela, foi assim no primeiro (dos 26 réus naquela ocasião, três foram absolvidos a pedido da promotoria), novamente a acusação pediu absolvições durante o julgamento, o que prova que ela “não tem certeza”, segundo destacou.

— Hoje, de 73 caíram para 52. Quando não tenho certeza, peço a absolvição, é assim com a promotoria. Em quem esses homens atiraram? Se nem os promotores sabem, que dirá eles (réus).

A defensora diminuiu a importância dos laudos apresentados pela acusação, já que, de acordo com ela, “a perícia naquela época não era lá essas coisas” e “não melhorou muito” desde então. A advogada ainda colocou em dúvida a idoneidade do perito Osvaldo Negrini Neto, que estaria sendo processado.

Além de exibir fotos de cadáveres aos jurados [com direito a uma trilha sonora de filme de terror no plenário], ela opinou ainda sobre quem seria mais perigoso durante a rebelião no Carandiru: 360 PMs que entraram no pavilhão nove ou mais de 2.000 presos.

— Se essa Casa de Detenção explodisse (na rebelião), seria preciso chamar 10 mil homens para dar conta, e não 360. Vejam, naquela época todos tinham que andar armados.

Relembre o caso

Em 2 de outubro de 1992, uma discussão entre dois presos deflagrou uma rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, zona norte da capital. A Tropa de Choque da Polícia Militar, comandada pelo então coronel Ubiratan Guimarães, foi chamada para conter a revolta. Era o início de um dos episódios mais sangrentos do sistema prisional do País.

A intervenção policial, que resultou na morte de 111 detentos, segundo balanço oficial, ficou marcada na história como “massacre do Carandiru”.

Ao todo, 286 policiais militares entraram no complexo penitenciário para conter a rebelião, destes, 84 foram acusados de homicídio.

Em abril de 2013, 26 policiais militares foram levados ao banco dos réus pela morte de 15 detentos no segundo pavimento do pavilhão nove no massacre do Carandiru. Após sete dias de julgamento, a maioria foi condenada por homicídio qualificado — com uso de recurso que dificultou a defesa da vítima. Naquela ocasião, seis homens e uma mulher formaram o Conselho de Sentença.

Dos 26 policiais, 23 foram condenados a 156 anos de prisão, inicialmente, em regime fechado. Os réus receberam a pena mínima de 12 anos por cada uma das mortes dos 13 detentos. Os condenados poderão recorrer em liberdade. Outros três PMs foram absolvidos pelo júri, que acatou o pedido feito pela acusação.

Antes deles, Ubiratan Guimarães chegou a ser condenado a 632 anos de prisão, porém, um recurso absolveu o réu e ele não chegou a passar um dia na cadeia. Em setembro de 2006, Guimarães foi encontrado morto com um tiro na barriga em seu apartamento nos Jardins. A ex-namorada dele, a advogada Carla Cepollina, foi a julgamento em novembro do ano passado pelo crime e foi absolvida.

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