"Sinto que nós, mulheres, não temos direito de usar o que queremos", desabafa vítima
Reprodução/Rede Record“Você foi filmada”. A frase, dita por um segurança do Metrô de São Paulo, surpreendeu a auxiliar administrativa Renata, 25 anos. Só depois de ser alertada pelo funcionário, ela descobriu que havia acabado de ser vítima de um abusador. O caso aconteceu nesta quarta-feira (19), na estação da Sé.
Ao descer do trem, a jovem acessou a escada rolante. Foi ali que um administrador de empresas, usando a câmera de um celular, fez imagens das partes íntimas dela, que usava um vestido pouco acima do joelho.
— Eu tinha acabado de sair do metrô Sé, estava do lado preferencial e, subindo a escada rolante, vi só o vulto de alguém atrás de mim. Subi normalmente, e quando já estava saindo, fui abordada por um segurança do Metrô. Na verdade, eram dois e três à paisana.
Informada sobre o que havia acontecido, Renata ficou indignada ao ver sua imagem no telefone do suspeito.
— Eles abordaram essa pessoa [suspeito] e, no celular dela, tinha uma gravação por baixo do meu vestido. Aí, vi a minha gravação e de outra mulher também.
Revoltada, a auxiliar administrativa precisou ser contida pelos seguranças para não agredir o autor da filmagem.
— Queria ir lá e agredir o homem. Não foi possível, porque a guarda não deixou.
Depois do episódio, ela afirma que deixará de usar vestido no metrô.
— Sinto que nós, mulheres, não temos direito de usar o que queremos. Acredito que na cabeça deles [abusadores], tudo é insinuação. Eles acham que podem tudo. Resolvi abrir a boca. Vou fazer o que puder. Vou ficar mais atenta. Não vou usar mais vestido no metrô. Estarei sempre de calça. É um absurdo.
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Renata não acha que a denúncia que fez irá inibir a ação dos molestadores.
— Eles são caras de pau. Não vai inibir. Mas talvez outras mulheres se sintam encorajadas a tomar uma atitude. Pretendo entrar com um processo na Justiça para ele aprender que não é só um simples boletim de ocorrência.
“Eu me senti humilhada”
A vendedora Janaina, 33 anos, também foi vítima de abuso sexual dentro do metrô nesta quarta-feira. Assim como o caso de Renata, o episódio aconteceu na estação da Sé. A vendedora teve as partes íntimas tocadas por um desconhecido, segundo conta.
— Eu estava do lado contrário da porta de desembarque. Na hora de descer, é um tumulto grande. O pessoal empurra mesmo. Neste momento, senti que alguém enfiou a mão na minha coxa, levou para frente, puxou a mão e apalpou. Eu olhei para trás, porque queria ter certeza. E vi um sorriso sarcástico. Pouco depois, aconteceu de novo. Foram duas vezes seguidas.
Ela diz que aguardou descer do trem para gritar por socorro.
— Esperei descer do metrô e comecei a gritar. Falei que ele era um tarado. Gritei para todo mundo ouvir. Ele subiu a escada rolante, dizendo que eu era louca. Ele subiu disparado, tentando fugir e sair da situação. Tentei visualizar algum agente do Metrô. Quando enxerguei, gritei e apontei para ele. Pedi socorro.
O homem, um engenheiro, foi abordado pelos seguranças e Janaina não recuou. Convicta de que foi vítima de abuso, levou a denúncia adiante. A mulher, que há oito anos passou por situação semelhante em um trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), desta vez, decidiu não ficar calada — na época, deu um soco no molestador e foi ajudada por outros passageiros, mas não acionou a polícia.
— Disse [aos seguranças] que queria denunciar, porque tinha certeza de que ele faria isso novamente [...] Vejo tanta coisa ruim que está acontecendo e as pessoas têm medo de denunciar. Se eu fizer, eles vão pensar antes de fazer novamente.
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A vendedora revela que, após a ocorrência desta quarta-feira, o sentimento que fica é o de humilhação.
— Eu me senti humilhada. Eles acham que a gente é sexo frágil ou está pedindo. Imagina. Não dou moral para ninguém. Estava ali para trabalhar. Falei: “Não vou deixar barato” [...] Não pretendo processar, mas só o fato de eu estar na delegacia e ele passar por essa vergonha, acho que vai pensar antes de fazer isso de novo.
Janaína faz um apelo às vítimas de abuso sexual nos transportes públicos.
— Infelizmente, todos os dias, há casos que acontecem. Peço para as mulheres que não tenham medo de denunciar. Eu pensei em mim. Tenho certeza de que se eu fosse trabalhar e não fizesse nada, ficaria com uma angústia dentro de mim. Peço para que todas as mulheres que se sentirem lesadas denunciem, sim.
*Os nomes foram modificados para preservar a identidade das vítimas.