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Pai vai a aeroporto toda semana esperar voo da filha morta há seis anos em acidente

Empresário comprou apartamento em SP para lutar por memorial, que considera abandonado

São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7

Beto e Therezinha durante limpeza do espelho d'água
Beto e Therezinha durante limpeza do espelho d'água Beto e Therezinha durante limpeza do espelho d'água

Toda terça-feira, o empresário Roberto Silva, de 57 anos, segue uma rotina. Ele vai ao aeroporto de Congonhas, na zona sul da capital paulista, para aguardar o Voo JJ3054 — renomeado JJ3046 —, que faz a rota Porto Alegre (RS)-São Paulo (SP). Observa o desembarque e procura, entre os passageiros, alguém que não vai chegar.

Beto, como é chamado pelos familiares, é pai da comissária Madalena, uma das 199 vítimas do acidente com o Airbus A320 da TAM, ocorrido em julho de 2007. Mais de seis anos após a tragédia, uma das maiores da aviação brasileira, ele ainda tenta assimilar o que aconteceu.

— Toda terça-feira, vou ao aeroporto esperar o voo JJ3054, que hoje é 3046. Lá, fico vendo o pessoal que vem do Sul, vejo a tripulação. E fico imaginando: “Lá vem a Madalena com a malinha dela”. E fico pensando que, se não fosse tudo isso que ocorreu, hoje a gente não estaria clamando apenas por um pouquinho de água para o memorial.

O empresário se refere ao Memorial 17 de julho, construído no lugar do acidente, em frente ao aeroporto de Congonhas. Pouco mais de 15 meses após a inauguração pela prefeitura, o memorial da TAM apresenta problemas estruturais e na manutenção, segundo relata. Um deles seria o corte da água no local desde o início do ano. Isso dificultaria, por exemplo, a limpeza do espelho d’água, onde foram inscritos os nomes das vítimas.

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Beto, que junto com a mulher, Therezinha, de 52 anos, ajuda a cuidar do local pelo menos duas vezes por semana, diz que faz um mês que o nível da água está cerca de 30 cm abaixo do normal.

— Um belo dia, a gente chegou e a água havia sido cortada. Fomos à subprefeitura [de Santo Amaro] e pedimos uma reunião e foi colocado que toda praça em São Paulo tem que sobreviver com a chuva. Só que lá não é uma praça, é um memorial. Foi feito um projeto contando com água e com eletricidade [...] Se não for colocado água, nós não podemos aspirar, colocar as bombas, correndo o risco de não passar água e queimar.

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Ele tenta colocar em palavras o significado do memorial para ele e para os familiares de quem morreu no acidente.

— Compramos flores para não deixar o lugar em estado de abandono, porque para nós ali é um solo sagrado. Foi ali que a minha filha, que as nossas pessoas queridas, 199 pessoas respiraram pela última vez.

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Luta

Empresário do ramo de calçados, Roberto Silva se reveza entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, onde passou a morar também para se dedicar à luta pela construção do memorial.

— Depois do acidente, a nossa vida se transformou completamente. A nossa presença em São Paulo só se deu depois de 17/7/2007 [data da tragédia]. Até então, jamais pensamos em morar em São Paulo. Começamos a luta para a construção do memorial e, para isso, tínhamos que estar aqui.

O ato de cuidar do “solo sagrado”, feito “por livre e espontânea vontade” e “por amor”, começou antes mesmo do início da construção.

— Enquanto não se deu a construção, eu e a Therezinha cuidávamos daquele lugar. Havia uns tapumes feios e era um lugar cinzento, mas, mesmo assim, nós íamos lá, limpávamos o lixo que o pessoal jogava para dentro, cortávamos o mato, limpávamos a árvore e levávamos, em garrafas PET, água para molhar a árvore da vida [a amoreira foi a única que resistiu ao acidente]. Cuidamos dela durante todos esses anos.

Quando os trabalhos no local começaram, Beto e a mulher passaram a levar cachorro-quente para os operários, toda terça-feira, mesmo dia da semana em que aconteceu o acidente aéreo. Era uma maneira de mostrar que aquela não era uma obra qualquer.

— Fazíamos em média 70 cachorros-quentes e dávamos para os funcionários. Levávamos também duas térmicas de café. Eu tenho 100% de certeza de que eles nunca vão se esquecer dessa obra. Íamos toda terça-feira e eles não sabiam o porquê.

A comissária Madalena, que não trabalhava no dia do acidente, estava entre as 199 vítimas da tragédia
A comissária Madalena, que não trabalhava no dia do acidente, estava entre as 199 vítimas da tragédia A comissária Madalena, que não trabalhava no dia do acidente, estava entre as 199 vítimas da tragédia

Memória viva

Do apartamento de Beto e Therezinha, no 22º andar, dá para ver o aeroporto de Congonhas e o memorial. No painel de fotos pregado na sala, nas 32 camisetas com o rosto da filha estampado, a lembrança de Madalena, a Mana, como é carinhosamente chamada, permanece viva. Os olhos do empresário ficam marejados ao falar da filha.

— Madalena era uma loirinha, de 1,80 m de altura, sorridente, sempre alegre e disposta. Teve oito provas para ser comissária e entrar na TAM. Em todas, ela passou direto. Foi a mais nova contratada, com 19 anos. Ela teve pouco tempo. Só dez meses.

Segundo ele, quando procurava um imóvel para morar em São Paulo, toda vez que se afastava do aeroporto, por alguma razão, acabava retornando.

— Acredito que um anjinho chamado Madalena fez a gente bater perna durante um bom tempo até encontrar esse local. Muitos familiares não querem decolar nem pousar em Congonhas, mas nós fizemos questão. Era a vida dela. O barulho das aeronaves para nós é música. Nossa tristeza é não ter a Madalena, mas não tem como voltar atrás.

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Emocionado, ele diz que abriria mão de qualquer bem material para ter a jovem de volta.

— Se hoje Jesus Cristo chegasse para nós e falasse: “Vou realizar um milagre. Vou devolver a Madalena, mas vocês vão ter que doar tudo que têm e ficar só com a roupa do corpo e morar embaixo da ponte", eu diria: “Ok, Jesus, aceitamos agora”. Nós seríamos os moradores de rua mais felizes do mundo. Como não há como isso acontecer, temos que levar a vida assim. A gente faz o possível para ser útil de todas as maneiras. Uma delas é cuidar do memorial. Outra é cuidar das pessoas que a Madalena amava.

Ele afirma que a família não se adaptou à capital paulista e que deve retornar definitivamente para o Rio Grande do Sul após Soélen, a filha caçula, terminar a faculdade. Antes de ir, quer ter a certeza de que o memorial será bem cuidado. Para isso, busca um padrinho para o local.

— Não vamos deixar de cuidar do memorial enquanto estivermos aqui. Não nos habituamos a São Paulo. Vamos sofrer muito se sairmos daqui antes de conseguir um cooperante [...] Estamos procurando um padrinho que venha a cuidar do memorial.

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