Polícia mata 10 vezes mais na periferia do que no centro de SP
De 803 casos registrados desde 2013, 732 ocorreram fora do centro expandido da capital
São Paulo|Alvaro Magalhães, do R7
A polícia mata dez vezes mais na periferia do que no centro expandido da capital paulista, aponta levantamento feito pelo R7 com base em todos os casos de supostos confrontos na cidade desde 7 de janeiro de 2013, quando ocorrências do tipo passaram a ser registradas como “morte em decorrência de intervenção policial”.
Dos 803 casos ocorridos até 30 de abril de 2014, 732 aconteceram em distritos policiais de regiões periféricas — ou seja, as extremidades da cidade respondem por 91,2% dos supostos confrontos. No centro expandido, foram 71 casos, ou 8,8% do total (veja abaixo o mapa completo).
Os casos registrados como “morte em decorrência de intervenção policial” são aqueles em que, em um primeiro momento, a ação da polícia é considerada legítima. A classificação pode ser ou não alterada para “homicídio”, de acordo com apurações posteriores.
Mesmo na periferia, há diferenças de incidência. Um quarto dos supostos confrontos de toda a cidade se concentra nas regiões de dez distritos: Parada de Taipas e Jaçanã, na zona norte; Campo Limpo e Capão Redondo, na zona sul; Jardim Arpoador, na zona oeste; e Vila Jacuí, São Miguel Paulista, Itaim Paulista, Sapopemba e São Mateus, na zona leste.
A região leste para além do centro expandido concentra 311 casos — o que representa 38,7% das 803 ocorrências da capital, ou 42,5% das 732 da periferia. As áreas periféricas das zonas sul e oeste tiveram, respectivamente 191 (23,8% do total ou 26,1% da periferia) e 156 casos (19,4% do total ou 21,3% da periferia). A extremidade da zona oeste teve 74 casos (9,2% do total ou 10,1% da periferia).
Mais que moradores
A concentração de supostos confrontos na periferia é superior ao número de moradores na região. De acordo com o Censo 2010, cerca de 84,5% (1,7 milhão) dos 11 milhões de habitantes da capital vivem fora do centro expandido — taxa semelhante à de homicídios em geral, que não inclui os casos de supostos confrontos: 84,0% (2.665) dos 2.665 assassinatos aconteceram nos extremos da cidade.
O número de roubos em geral — ocorrência que, segundo a própria polícia, mais dá origem a perseguições — também possui, na periferia da cidade, uma concentração menor que os casos de supostos confrontos: 258.589 dos 338.036 casos ocorreram fora do centro expandido — o que corresponde a 76,5% do total.
Dos principais índices de criminalidade, apenas latrocínios e roubo de veículos têm uma concentração na periferia da cidade que se aproxima da incidência de supostos confrontos. No caso de latrocínios, 283 (89,6%) dos 316 ocorreram fora do centro expandido. Já no caso de roubos de veículos, 102.737 (90,5%) dos 113.514 casos aconteceram na periferia.
Aviso à Promotoria
O R7 questionou a Secretaria de Estado da Segurança Pública se havia diferença de procedimentos operacionais na região central e nas extremidades da cidade. A pasta não respondeu.
A reportagem também questionou a secretaria sobre quais medidas têm sido tomadas para reduzir o número de confrontos. “Entre as ações implementadas nesse período, está a adoção da Resolução SSP 40/15 para garantir maior eficácia nas investigações de mortes envolvendo um agente de segurança”, afirmou a pasta, em nota.
“A medida determina a preservação do local de homicídio envolvendo um agente do Estado, até a chegada do delegado e da perícia, além da comunicação ao comandante do Batalhão da PM na área, à Corregedoria e ao Ministério Público”, disse o órgão. “Além disso, foi criado o Conselho Integrado de Planejamento e Gestão Estratégica, para coordenar as ações policiais e propor medidas de controle da letalidade policial.”
Segundo a pasta, “desde novembro, há uma tendência de queda na letalidade decorrente de intervenção policial”. “O resultado de abril, com 74 casos, representa redução de 21,3% na comparação com novembro do ano passado, que teve 94, e de 14% na comparação com março deste ano, que teve 86.”
“Esse resultado está sendo alcançado mesmo com o aumento de 67% nos confrontos entre os criminosos armados e a PM, que está chegando com maior agilidade aos locais de crime”, afirmou o órgão. “Cabe destacar que a opção pelo confronto não é do policial militar, mas sim dos infratores.”
Ao apontar a queda nos índices de letalidade policial, a secretaria, porém, não faz a comparação entre os dados citados e o mesmo período do ano anterior, conforme recomenda o Manual de Interpretação de Estatísticas Criminais do próprio órgão, disponível em seu site. Na comparação com o mesmo período dos anos anteriores, os casos de supostos confrontos têm crescido.
Há dois meses, o R7 mostrou que a PM bateu o recorde de mortes dos últimos 12 anos.