Tatuagem de vingança na testa de rapaz infringiu regras e expôs vítima a doenças graves

O empresário Peterson La Plata é dono de dois estúdios de tatuagens e uma marca de roupas. Há 17 anos ele atua no ramo de tatuagens e piercings, fazendo modificações corporais extremas. Ao ver as imagens que circularam pela internet do tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis, de 27 anos, conhecido como Tato Reyz,torturando um rapaz de 17 anos com uma máquina de tatuagem, o empresário ficou indignado. "Já é uma profissão que não é bem vista na sociedade e ainda vem um sujeito e faz uma parada dessas", afirmou.

Peterson repudia totalmente o ato criminoso cometido por Tato Reyz. "Todo mundo é falho, todo mundo erra, mas não é dessa forma que você vai trazer uma pessoa no descaminho para a sociedade de novo", comentou o piercer que é sócio do tatuador Rizoo Garcia no estúdio La Plata Tatto.

A repercussão também foi negativa entre os próprios tatuadores. "As pessoas que amam a arte e trabalham com isso há bantante tempo não gostaram disso. Se ele tinha algum conceito no meio, perdeu tudo. Ninguém admite isso. Até bati boca, nas redes sociais, com alguns tatuadores que estavam tirando sarro do rapaz agredido. Isso não se faz", contou.

Analisando as imagens da tortura, Perterson aponta que a intenção do tatuador era causar dor intensa na vítima e o procedimento não foi feito com os devidos cuidados de higiene. "O moleque pode pegar várias doenças. Ele tatuou numa pensão, vai saber o que tinha lá que podia estar contaminado. Ele não usou máscara, se ele tiver hepatite, por exemplo, bastava uma gotícula cair no local da tatoo para infectar o rapaz. Dependendo do material usado, ele pode pegar tétano também", comentou Peterson La Plata, que é um dos profissionais mais respeitados no ramo.

— Ele queria mesmo era machucar o moleque. E tem outra, em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro é proibido fazer tatuagem em menor de idade, mesmo com a autorização dos pais e a vítima tem 17 anos.

Para trabalhar como tatuador, não existe exigência legal de regulamentação, porém, os locais onde as tatuagens são feitas devem passar pela avaliação da Vigilância Sanitária. Segundo Peterson, outro problema grave é a facilidade com que se compra máquinas e material de tatuagem. "Tem muita gente que é leiga, que desenha e acha que é fácil tatuar. Daí vai numa loja e compra o kit de tatoo. O cara que vendeu isso para ele não tá nem aí". 

— As empresas não se preocupam, não tão ligando, só querem ganhar mais e mais dinheiro. Já vi venderem kit até para menores de idade. Eu acho isso um absurdo. É algo que fica para sempre e você está lidando com a saúde das pessoas. Já recebi aqui no meu estúdio muitas pessoas chegando para corrigir trabalhos feitos de qualquer jeito, detonados. Nem culpo os moleques, eu culpo as empresas do setor que deveriam criar algum tipo de restrição para vender os equipamentos só para pessoas qualificadas, profissionais que levam a sério a tatuagem.

Música

O agressor Tato Reyz, além de se dizer tatuador, também já publicou vídeos no youtube cantando e tocando violão. Na página do Youtube, que ele assina como Maycon Reis, estão três vídeos dele tocando músicas religiosas. No mais antigo deles, postado há oito anos, o registro aponta 821 visualizações, os outros dois, são mais recentes, de cinco anos atrás, têm 148 e 103 visualizações.

Em outras postagens, com o perfil de Tato Reyz, ele aparece cantando música sertaneja em um restaurante e uma casa noturna de São Bernardo do Campo, cidade onde mora. Para esses dois vídeos, de junho de 2015, foram 110 e 37 visualizações respectivamente.

O caso

Na última sexta-feira, dia 9, um vídeo compartilhado nas redes sociais mostrava um jovem, acusado pelos autores da gravação de roubo, sendo tatuado na testa com a frase “eu sou ladrão e vacilão”. Desaparecido desde 31 de maio, R.R. da Silva, de 17 anos, é a vítima de agressão.

O tatuador MaYcon Carvalho dos Reis, e seu vizinho, Ronildo Moreira de Araújo, foram presos em flagrante pela polícia civil no estúdio de tatuagem no centro de São Bernardo do Campo (na Grande São Paulo), indiciados pelo crime de tortura, que pode levar a pena de 2 a 8 anos de prisão, podendo aumentar a 10 anos se for caracterizada lesão corporal grave.

O vídeo (assista abaixo) mostra R.R. sendo obrigado a responder que quer a frase tatuagem na testa, enquanto o autor do vídeo comenta, rindo: "vai doer".

Em um segundo registro, a dupla faz o menino contar que tentou roubar a bicicleta de um ‘homem que trabalha no farol’ e que não tem uma perna. Aos risos, os homens fazem o jovem mostrar sua tatuagem e perguntam se ele gostou.

Segundo informações do boletim de ocorrência, R.R. tentava furtar uma bicicleta quando foi abordado por Maicon e o vizinho, que, revoltados, resolveram tatuar o jovem como forma de punição. A advogada criminalista Giovanna Semeraro critica este tipo de ação.

— Tatuar é uma agressão muito simbólica, porque para sempre você deixa a pessoa com a marca de ladrão. A prisão, por pior que seja nosso sistema, oferece uma segunda chance, a tatuagem não. Reflete uma visão muito odiosa de mundo.

Vando Rocha, de 33 anos, tio do garoto, conta que a família somente soube do ocorrido através das redes digitais. “Meu filho, primo do R.R. que me procurou e mostrou o vídeo da agressão. Assim que vi comecei a chorar, meu coração não aguentou”, conta ele.

O jovem, que é usuário de drogas e já foi internado três vezes pela família em clínicas de reabilitação, mas acabou fugindo, voltou para a casa onde mora com o tio e a avó neste sábado. Ele estava desaparecido desde a última quarta-feira. “Nós não tínhamos procurado a polícia antes porque não era raro ele sair, ficar dois, três dias fora de casa. Mas sempre voltava… até esta vez”, conta o tio, que se diz muito preocupado com a situação do sobrinho.

— De repente ele está escondido por aí, deprimido, com vergonha ou medo de voltar para casa por causa dessa tatuagem.

O tio conta que além da tatuagem, o jovem teve o cabelo cortado curto.