Assexuais: eles não fazem sexo. E não sentem a menor falta
Pessoas que não sentem atração sexual buscam respeito e visibilidade
Saúde|Deborah Bresser, Do R7
"Sexo? Prefiro bolo". O cartaz era empunhado por uma das 15 pessoas que participaram, na sexta-feira (24), da primeira manifestação pela visibilidade de pessoas assexuais, realizada no vão do Masp, em São Paulo.
A iniciativa, inédita, fez parte da Semana de Conscientização Assexual, promovida entre os dias 19 e 25 pela AVEN, Rede de Visibilidade e Educação Assexual, que é a maior comunidade assexual online, com sede nos Estados Unidos. No Brasil, o tema ainda é desconhecido da maioria, que teima em apontar os que têm essa orientação como portadores de algum transtorno.
Autora do doutorado "Minha Vida de Ameba", Elisabete Regina de Oliveira é uma das poucas pesquisadoras do tema no País. Ela avisa que para entender a assexualidade é preciso romper com todo conhecimento que impõe a ideia de que o desejo sexual é inerente ao ser humano, é biológico e faz parte do corpo.
— É preciso entender que a ideia do desejo sexual compulsório é construído socialmente, ao longo da história e dentro de cada cultura. Foi construído pela ciência, pelas instituições, pela mídia, enfim, pela sociedade. A construção está fora do indivíduo, é pré-existente a ele. Cada ser humano novo que nasce se vê obrigado a aderir a uma norma que existe fora dele e desde antes dele (a de que o desejo sexual é universal), portanto, se sente doente e diferente, pois acredita que o normal é sentir, pois foi ensinado a isso. A falta de interesse por sexo muitas vezes é apontada como desvio ou transtorno. Mas pode ser mais uma cor no arco-íris da diversidade sexual.
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Em uma sociedade amplamente sexualizada, a atividade sexual sempre foi apresentada como compulsória. Quem não sente não se enquadra. Ao investigar a possiblidade da assexualidade como uma forma de viver a sexualidade, Elisabete se deparou com uma série de pessoas que, desde a puberdade, já se sentiam diferentes. Por quatro anos, ela estudou a vida de 40 assexuais, de 15 a 59 anos. Todos eles, em algum momento, se referiam a si mesmos como ETs, pois não viam o sexo como obrigatório.
— Existem pessoas com problemas, como disfunção erétil, frigidez, fatores fisiológicos, psicológicos e até as passam por períodos no qual o sexo não é prioridade. Assexual é diferente. Ele não tem um problema de saúde, nem físico, nem psiquico. Simplesmente não sente atração sexual ao longo da vida. A maioria começa a se perceber na puberdade.
A pressão social de amigos e familiares leva muitos a fingir. Quando a maioria começava a se preocupar com sexo e relacionamentos, os assexuais não sentiam nada daquilo. É o caso de L.L., que desde a infância via as crianças com as quais convivia na escola demonstrarem interesse em formar laços românticos, enquanto ela se contentava só com as amizades.
— A partir dos 13 anos, os interesses por namoro e sexo ficavam mais evidentes no comportamento dos outros jovens, contrastando com a minha indiferença quanto à essas questões. Chegou num ponto em que as pessoas começaram a estranhar os meus desinteresses. Já me questionaram o por quê de eu nunca "ficar" com ninguém, mas eu sempre desconversava, ou dizia simplesmente a verdade: que não estava interessada. Por acharem que era timidez de minha parte, algumas colegas, inclusive, tentavam me "empurrar" alguém para eu "ficar", como se estivessem fazendo um "favor" a mim. Nunca imaginei que seria pressionada dessa forma.
L.L. se sentia desconfortável no ambiente escolar, pois todos os assuntos giravam em torno disso, e ela ficava extremamente confusa em como reagir durante as conversas; então, por não encontrar outra opção, se isolava. Como muitos outros assexuais, encontrou acolhimento na Internet. De acordo com a pesquisadora Elisabete, foi a Internet que proprocionou o surgimento de um grupo e do conceito de assexualidade. Até então, um não sabia que o outro exisitia. Só a partir das comunidades virtuais puderam se reconhecer. Saber que não era a única foi reconfortante para L.L..
— É importante haver sites informativos e comunidades virtuais sobre o tema por toda a praticidade em si à disposição: oferecer algo que possa ajudar outras pessoas que estejam passando por este mesmo processo de autodescoberta, conhecer pessoas semelhantes e poder trocar experiências, conselhos, desabafos, planejar eventos, reunir pessoas, formar relacionamentos, etc.
Ela se identifica como assexual arromântica, que é o tipo de assexual que não sente atração sexual e nem romântica. Outros podem ser assexuais românticos, que é caso, por exemplo, de David Jay, o criador da AVEN.
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Ele é um assexual um indivíduo que não sente atração sexual. Ele não pensa sobre sexo, ele não quer sexo e acha que a vida é perfeitamente completa sem ele. Mas está em um relacionamento amoroso com outra pessoa assexuada, ou ace.
À revista Urban, ele disse que ela é "asexy", um adjetivo usado para descrever uma pessoa assexuada mostrando inteligência, confiança, estilo, atratividade física e uma personalidade encantadora.
— Depois que nos conhecemos, percebemos que tínhamos encontrado uma dinâmica que nós estamos procurando em nossas vidas e nós queríamos viver isso.
Elisabete explica que, entre os assexuais românticos, há os que se interessam pelo sexo oposto, pelo mesmo sexo, pelos dois sexos ou independentemente de gênero. São os heteromânticos, homoromânticos, biromânticos ou panromântico. Em casos mais raros, há pessoas que possuem interesse sexual apenas por uma pessoa. Quando o relacionamento acaba, o sexo deixa de ser importante.
Não há dados precisos, mas estima-se que 1% da população seja assexual. Em alguns países, o desinteresse pelo sexo começa a preocupar as autoridades. No Japão, por exemplo, uma pesquisa feita pela Associação de Planejamento Familiar do Japão descobriu quase metade dos jovens japoneses não tem interesse em sexo, sendo 36% dos homens e 59% das mulheres entre 16 e 19 anos.
Com essa atitude, a população do país (que hoje é de 128 milhões de pessoas) deve cair em 1/3 até 2060, com idosos somando incríveis 40% da população. Impossível dizer se essa nova geração é formada por assexuais, mas o dado chama a atenção.
A busca por visibilidade dos assexuais se justifica para que possam enfrentar os preconceitos que advém dessa orientação. Para a pesquisadora Elisabete, quando temos uma identidade é preciso que ela seja reconhecida.
— Se não souberem do estou falando, e não me reconhecerem, vão tachar como doente, desqualificar. O reconhecimento social é fundamental.
Para L.L., a assexualidade (assim como a homossexualidade, entre outras orientações) sempre existiu, mas esse modo de ser foi ofuscado pelos padrões sexualizados e heteronormativos da sociedade.
— O preconceito começa quando essas normas são impostas pela maioria das pessoas com as quais convivemos em todos os ambientes que frequentamos. Eu sonho com o dia em que ninguém precise justificar sua (as)sexualidade a ninguém.