"Cheguei ao ponto de não querer conversar e me isolei do mundo", diz jovem com surdez
Personal trainer Bruna Bongiorno Baldochi revela como aprendeu a lidar com a deficiência
Saúde|Dinalva Fernandes, do R7
Diferentemente que muita gente pensa, a perda auditiva não atinge apenas idosos. A deficiência pode afetar qualquer pessoa em qualquer idade, mas muitos jovens têm vergonha de usar aparelhos auditivos, ainda mais pelo estigma ligado à velhice. A falta de apoio profissional e informação também prejudicam o acesso aos aparelhos que contribuam com a melhora na qualidade de vida. Esse foi o caso da personal trainer Bruna Bongiorno Baldochi, de 29 anos.
Moradora de Cianorte, cidade a 506 km de Curitiba (PR), Bruna viveu os primeiros anos de vida como qualquer outra menina, inclusive no início da adolescência. Aos poucos, os pedidos para que abaixasse o volume da televisão, porque estava alto demais, ficaram mais frequentes.
— Aos 12 anos, ninguém mais queria conversar comigo porque eu só falava ‘ãh, ãh, o quê? ’. Em sempre entendia errado o que ouvia. Então chegou a um ponto em que os meus amigos chegaram na minha mãe e disseram que havia algo errado comigo. Na época, não tinha informação. A cidade onde moro é pequena e não se falava em perda auditiva e também não havia casos de perda de deficiência auditiva na minha família. Começamos a procurar algum profissional em Maringá (PR) e aparelhos para fazer os exames, mas o aparelho mais comum não era apropriado para descobrir o que eu tinha.
A família só conseguiu encontrar um aparelho capaz de fazer o exame adequado somente em Londrina, a 178 km de Cianorte, relata Bruna.
— Fizemos os exames e descobrirmos que eu tinha perda auditiva, mas o médico da época também não nos instruiu. Os meus pais conversaram comigo e eu disse que não iria usar aparelho. Na época, a minha perda era de 30%. Hoje, 60%. Eles não sabiam o que aquilo podia acarretar na minha vida e na minha saúde.
Falta de atenção, irritabilidade e até depressão podem ser sinais de perda auditiva
A recusa em usar o aparelho continuou até Bruna entrar na faculdade aos 17 anos, quando a perda auditiva começou a incomodá-la de verdade, além das piadinhas dos colegas.
— Eu vi que o negócio era muito mais sério porque lá [na faculdade] tem muitos ruídos, do pessoal passando no corredor. Tudo era diferente, eu estranhei muito e percebi que muitas pessoas diziam que eu não escutava direito. Era tipo ‘surda!, o tempo todo ’.
Até o som da panela irritava
Mesmo sentando na frente para tentar prestar atenção nas aulas, as dificuldades em entender os assuntos continuaram, principalmente por causa dos ruídos do ambiente. Foi a partir daí que Bruna reiniciou a procura por um profissional em Curitiba. Segundo ela, na época, a perda auditiva, que era de 30% no início da adolescência, estava em 45%. Após voltar para a cidade-natal, Bruna começou a usar o aparelho auditivo, mas a adaptação foi muito difícil.
— Eu comecei a usar o aparelho, mas eu odiei porque, até então, os barulhos que eu não ouvia eu passei a ouvir. Para quem não ouve isso e do nada começa a ouvir se incomoda muito. Só quem tem perda auditiva entende e as pessoas ao meu redor não entendiam. A minha mãe fazia comida e mexia a colher na panela, e aquele som me irritava. Quando um carro passava eu tampava as orelhas porque não suportava o barulho. Ao mesmo tempo em que eu era surda, eu não gostava de ouvir barulho.
Perda auditiva pode afetar até desenvolvimento emocional da criança
A irritabilidade e a falta de adaptação ao aparelho auditivo faziam com que Bruna utilizasse o equipamento esporadicamente. Um dia sim, outro não, e em apenas algumas horas do dia, o que é prejudicial à saúde, segundo a fonoaudióloga Elaine Soares e presidente da GATANU (Grupo de Apoio a Triagem Auditiva Neonatal).
— Usar o aparelho em dias alternados é muito ruim porque o cérebro precisa de uma constância, de um padrão de audição. Não dá para ouvir um dia assim e no outro, assado.
Falta de apoio
A falta de informação em relação ao uso do aparelho foi o maior empecilho para que Bruna fizesse o tratamento de forma adequada. A situação se arrastou desta forma até os 20 anos, quando ela entendeu que o caso era grave, afirma.
— Voltei a Curitiba para fazer uns exames de rotina e descobri que estava com 60% de perda auditiva. Aí eu fiquei com medo e percebi que tinha um problema auditivo sério. O médico que me explicou que as células, se não forem estimuladas, morrem. E me explicou que o meu aparelho não atendia à necessidade da minha perda auditiva e que provavelmente não estava estimulando tudo o que precisava estimular. Na hora que ele falou isso eu desabei. Chorei muito e fiquei desesperada.
De acordo com Bruna, o médico falou que ela precisava de um bom aparelho auditivo, de uma fonoaudióloga e de instrução. Foi então que a personal trainer procurou um tratamento adequado. Com o novo aparelho e tratamento especializado, Bruna começou a se adaptar e a reprender a ouvir. Além disso, ela trocava informações com a minha fonoaudióloga, que fazia os ajustes necessários.
— Eu explicava para ela assim: “o som está de lata”. É difícil para ela entender também porque ela não tem perda auditiva. Então ela fazia pequenas alterações para eu deixar de ouvir esse som de lata. Ou “o barulho da panela está muito alto e a voz da minha mãe está estressante”. Quando recebi instrução também recebi o principal: apoio. A partir daí eu comecei a entender o quanto ouvir era bom. Até colocava o cabelo atrás da orelha para mostrar o aparelho porque tinha orgulho dele e orgulho de ouvir.
De acordo com Elaine, as pessoas com deficiência auditiva, se não tratadas adequadamente, se isolam do mundo. Bruna divide a mesma opinião da especialista.
— Uma pessoa que não usa o aparelho se isola dos outros. Na adolescência, chegou um ponto que não queria que as pessoas conversassem comigo porque eu tinha dificuldade de interpretar o que a pessoa iria falar e eu sabia que iria me deixar nervosa porque eu não ia conseguir entender e nem responder, e a pessoa iria falar alto. Hoje, o aparelho auditivo é tudo para mim.