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Doença rara que deforma e provoca nanismo é difícil de ser diagnosticada

Chamada de MPS, problema é desconhecido da população e tem diagnóstico atrasado

Saúde|Fabiana Grillo, do R7*

Regina perdeu um filho com a mesma doença que Felipe é portador
Regina perdeu um filho com a mesma doença que Felipe é portador

Aumento do tamanho da cabeça e da língua, alterações dentárias, nariz achatado e largo, pele grossa, presença abundante de pelos no rosto e no corpo e nanismo. Essas são apenas algumas das consequências de uma doença genética rara chamada MPS (mucopolissacaridose). Se você nunca ouviu falar dela, não fique surpreso. A estimativa é de que no Brasil existam apenas 650 casos identificados, mas para os especialistas ouvidos pelo R7 durante o 13º Simpósio Internacional de MPS e Doenças Relacionadas, que aconteceu recentemente na Costa do Sauípe (BA), há muitos outros sem diagnóstico.

A médica geneticista Dafne Horovitz, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, admite a dificuldade que existe de diagnosticar as mucopolissacaridoses.

— Em geral, o paciente recebe seu diagnóstico com vários anos de atraso depois de peregrinar por diferentes especialidades médicas. Uma pequena parcela da população tem sorte de se deparar com um profissional capaz de detectar o problema rapidamente.

Mesmo com doença rara, jovem cego quebra barreiras e se forma em direito


Dafne ressalta que geralmente os médicos não valorizam os relatos dos pais e sempre pensam em doenças mais simples e comuns. Como a MPS apresenta manifestações clínicas variadas, já que acomete diferentes sistemas e órgãos do organismo, “uma pista pode ser exatamente essa combinação de sintomas”.

De pai para filho


A MPS é uma doença rara genética, hereditária e progressiva caracterizada pela ausência ou deficiência de uma enzima no organismo, que gera um grande número de manifestações clínicas [citadas no início desta reportagem] e, muitas vezes, exige a realização de cirurgias para amenizar algumas das sequelas no esqueleto, olhos, ouvido, coração e medula espinhal.

Dafne explica que por ser recessiva, a doença fica “escondida” e só aparece quando o pai e a mãe têm suscetibilidade para ter um filho com o problema, "assim como acontece com o olho claro". Segundo ela, "o único que não é recessivo é o tipo II, ou Sindrome de Hunter, que acomete meninos e é herdada apenas da mãe".


— Ela aparece de repente e não é possível prevenir. Quando uma família já apresenta algum membro com MPS, a chance de recorrência é de 25%. Caso contrário, é uma loteria.

A classificação da MPS é feita de acordo com a enzima que se encontra deficiente, havendo, portanto, 11 tipos diferentes. No entanto, o médico geneticista Roberto Giugliani, professor do departamento de genética da UFRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), enfatiza que o tratamento é restrito.

— Atualmente, contamos com o tratamento para quatro tipos de MPS e há pesquisas para tratar outros três. A grande dificuldade é que nenhum deles está disponível no SUS. As famílias acabam muitas vezes entrando com ações judiciais para conseguir o medicamento, que é importado. A judicialização do tratamento é algo que deveria ser evitado, já que é ruim para as famílias e também para o governo. 

A geneticista do Rio de Janeiro reforça que o tratamento não representa a cura da doença, mas uma forma de prolongar a vida e proporcionar mais qualidade ao dia a dia dos pacientes.

— A terapia de reposição enzimática é similar a uma quimioterapia. Durante três ou quatro horas o paciente recebe a medicação via venosa uma vez por semana. Mas precisa ser mantida ao longo de toda a vida. 

Não se sabe ao certo quanto tempo de vida tem os portadores de MPS, mas o fato é que “os pacientes mais graves não chegam a dez anos”, lamenta Dafne.

— Essas pessoas demandam atenção para a vida toda com uma equipe multiprofissional que vai acompanhar as áreas mais afetadas do corpo. No entanto, vale lembrar que com tratamento adequado o tempo de vida e a qualidade tem aumentado significativamente.

Entretanto, alguns pacientes surpreendem os médicos e demonstram que vieram ao mundo para dar uma lição de vida às pessoas ao seu redor. Este é o caso de Felipe de Moraes Negro, 26 anos.

Com a voz calma e serena, ele garante que não tem medo do futuro, mesmo sendo portador da mesma doença rara que matou seu irmão. Na infância, o garoto sofreu bullying por ter uma aparência diferente dos colegas, consequência da MSP II (mucopolissacaridoses), que além de prejudicar seu crescimento, deixou marcas visíveis no corpo e também comprometeu o funcionamento de alguns órgãos.

— As crianças achavam que eu era uma aberração. Hoje em dia, sinto que o preconceito é menor. Talvez por ser padre as pessoas se sintam inibidas de fazer qualquer tipo de comentário.

Preconceito existe e precisa ser combatido

Sempre ao lado dos filhos, a mãe Rita de Cássia Negro, 60 anos, lembra que “o mais velho já chegou a ser chamado de feio bonito por causa das características da face”. Mesmo assim, ela garante que nunca escondeu deles a doença.

— Apenas dizia que eles eram pessoas especiais. Teve uma época que o Ricardo [filho mais velho que morreu em 2008] sofreu tanto bullying na faculdade que queria desistir. Eu não deixei e ele conseguiu se formar em direito.

Apesar do comprometimento cardíaco e pulmonar, da cirurgia de hérnia e de todos os outros obstáculos que enfrentou e ainda enfrenta na vida, Felipe também se formou em duas faculdades — Filosofia e Teologia. Hoje, ele tenta levar uma rotina normal em Americana, interior de São Paulo, a poucas horas de distância da mãe que mora em Limeira, também interior de São Paulo.

Enquanto corria atrás de tratamento para os filhos, Rita, que é professora há 44 anos, diagnosticou câncer de mama exatamente na mesma semana que eles foram chamados para participar de uma pesquisa clínica em Porto Alegre (RS). Além da doença dela e dos filhos, Rita também precisou lidar com a separação do marido.

— A maioria dos homens não aceita ser pai de uma criança que não seja igual a ele. Quando engravidei do segundo filho, sabia que ele teria grandes chances de ter a mesma doença do primeiro, mas para mim é inconcebível fazer um aborto e sempre coloquei a vida em primeiro lugar. Meu amor é incondicional.

Felizmente, Rita venceu o câncer de mama, superou a separação, estendeu as mãos para os filhos quando eles mais precisaram e agora pretende dedicar mais tempo para ajudar o próximo.

— Ainda não tive condições de trabalhar mais por esses pacientes especiais e iluminados, mas essa é a minha vontade. Minha vida sempre foi pautada na fé e na esperança. Sabia que meus filhos conseguiriam vencer.

Doenças raras no Brasil

No Brasil, 13 milhões de pessoas sofrem por alguma das 7.000 doenças catalogadas como rara, sendo que “80% delas têm origem genética”, alerta Dafne. O Ministério da Saúde considera raro os distúrbios que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos — 1,3 para cada 2.000 pessoas.

No início deste ano, o Ministério da Saúde criou a política nacional de atenção integral às pessoas com doenças raras, que vai incorporar no SUS (Sistema Único de Saúde) 15 novos exames para diagnosticar essas doenças e credenciar hospitais e instituições para atendimento de pacientes portadores das enfermidades.

Apesar de ser um avanço, Giugliani, que também é chefe do serviço de Genética Médica do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, lembra que as medidas ainda não foram implantadas.

— Demos um passo enorme, mas é preciso colocar os serviços de referência para doenças raras em operação e implementar protocolos para tratamento no âmbito do SUS.

Para mais informações sobre a doença, a Sociedade Brasileira de Medicina Genética criou a campanha Muitos Somos Raros, que conta com o apoio de algumas celebridades.

*A repórter viajou à Costa do Sauípe, na Bahia, a convite da Sociedade Brasileira de Medicina Genética

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