Em tempos de crise hídrica, crianças dão exemplo de boa escovação com apenas meio copo de água
Especialistas ensinam como deve ser a higiene bucal na infância
Saúde|Fabiana Grillo e Vanessa Sulina, do R7
“Mamãe, não pode deixar a torneira aberta”. É assim que a pequena Ana Beatriz Borba Ravazzi, cinco anos, controla o gasto de água em sua casa. Até na hora de escovar os dentes, a preocupação dela com o recurso hídrico não é deixada de lado. Consciente da crise que se vive no Sudeste, a pequena faz questão de fazer a higiene bucal com o auxílio da sua “inseparável canequinha rosa”, conta orgulhosa a mãe, Fernanda Borba Ravazzi, de 35 anos.
— Aqui em casa nós deixamos uma jarra com água na pia para usarmos na escovação. Ela sabe até a quantidade certa de pôr na caneca. Ela escova, faz o bochecho e fica de olho se nós fazemos o mesmo. Ana inclusive dá bronca no irmão quando ele deixa a torneira aberta. É uma vergonha a menor da casa chamar a nossa atenção [risos]. Minha filha é a mais novinha, mas a mais consciente da família [risos].
A crise hídrica não é desculpa para se descuidar da higiene dos dentes, segundo especialistas ouvidos pelo R7. E a infância é um ótimo momento para os pais ou responsáveis ensinarem os pequenos que é possível ter bons hábitos na escovação e evitar o desperdício de água.
De acordo com o presidente da ABO (Associação Brasileira de Odontopediatria), Paulo César Rédua, a melhor maneira de ensinar a criança a fazer a higiene bucal correta é dar o exemplo, “pois elas têm o costume de imitar os pais”.
— O princípio para poupar água é não deixar a torneira aberta. Também não é necessário molhar a escova antes de iniciar a limpeza, porque a boca já é molhada. Portanto, a única quantidade de água que se gasta é um copinho para fazer o bochecho. Além disso, pessoas que tiveram cárie na infância, tendem a sofrer do problema na fase adulta, apesar de a habilidade para a criança escovar os dentes sozinha só surge após os sete anos.
De 50 ml [uma xícara de café] a 100 ml [meio copo] de água são suficientes para enxaguar a boca, explica o secretário-geral do Crosp (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), Marco Manfredini.
—Além disso, a criança pode lavar a escova com a mesma água do copinho que será usada para o bochecho. Essa orientação também vale para os adultos, que devem dar o exemplo.
Na casa da professora de inglês Fabiana Reis Yoshio, 35 anos, a recomendação da escovação com copinho é seguida à risca por sua filha, a pequena Lorena Reis, de quatro anos. E não é de hoje.
— Aqui em casa sempre fomos conscientes. Então, desde pequeninha a ensinamos a poupar água e a escovar os dentes com a torneira fechada. Desde um aninho e pouco, ela usa o copinho dela. Hoje, ela mesma coloca a quantidade certa de água e faz o bochecho sozinha.
De acordo com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), escovar os dentes em cinco minutos com a torneira não muito aberta gasta 12 litros de água. No entanto, é possível economizar 11,5 litros, se molhar a escova, fechar a torneira e enxaguar a boca com o auxílio de um copo.
Apesar de a higiene bucal ser essencial desde quando nasce o primeiro dentinho, recentemente, o Crosp recebeu denúncias de pais de alunos da rede pública de Prefeituras e do Estado sobre a suspensão da escovação dos dentes nas escolas com a justificativa da falta de água. De acordo com Manfredini, o conselho ficou indignado com a postura de algumas escolas e pediu explicações aos municípios e Estado.
—Interromper a higiene dos dentes nas escolas penaliza a criança de baixa renda, que tem maior suscetibilidade para cárie. Essa atitude pode dar margem para qualquer pessoa entrar com uma ação no Ministério Público.
Segundo o secretário-geral, a escovação supervisionada é recomendada há décadas pelo Ministério da Saúde como forma de promoção de saúde e prevenção de doenças. Inclusive, acrescenta o dentista, muitos municípios fornecem a escova e o creme dental para os alunos da rede pública.
Além de prejudicar a saúde bucal, interromper a escovação das crianças implica no aspecto educativo de como cuidar da higiene dos dentes, adverte o secretário-geral do Crosp. Fernanda, mãe de Ana Beatriz, afirma que a escola tem papel fundamental para estimular os cuidados com os dentes e o uso consciente da água.
— A educação começa em casa, com o exemplo dos pais, mas a escola é uma soma. Eles têm ajudado em 80% na conscientização da minha filha. Eu percebo porque ela idolatra a professora e fala que ‘a profa ensinou que está acabando a água do planeta’.
Falta de escovação e o risco de doenças
Independentemente da idade, interromper a escovação por muito tempo aumenta o risco de cárie e doenças da gengiva, especialmente gengivite (inflamação da gengiva), avisa o presidente da ABO.
— Escovar os dentes todos os dias, utilizar creme dental com flúor e até fazer as refeições no horário adequado são atitudes fundamentais para prevenir a cárie. A maior dificuldade que temos em relação às cáries é com crianças que não têm controle com o horário da alimentação.
Rédua explica que comer fora de hora prejudica os dentes, uma vez que os alimentos mudam o pH da saliva. Como a cárie dentária é decorrente do acúmulo de bactérias e da exposição frequente aos açúcares fermentáveis, toda vez que o açúcar é ingerido, as bactérias presentes na placa (biofilme) dental produzem ácidos que desmineralizam (dissolvem) a estrutura mineral dos dentes durante o tempo que o pH fica baixo.
— Nossa saliva tem o pH neutro. Toda vez que a gente come alguma coisa, o pH cai e tornar-se ácido. Após um tempo em que a pessoa comeu, a tendência é o pH se normalizar. Mas quando a pessoa come o tempo todo, a saliva vive ácida e corrói o esmalte do dente. O interessante é que crianças que vivem em creches têm baixo índice de cáries, pois elas têm horários regrados para se alimentar.
Além de limpar os dentes após as refeições, a última escovação do dia é a mais importante, já que quando dormimos mantemos a boca fechada e há uma redução da produção de saliva, que funciona como um detergente natural contra a cárie.
Flúor reduz índice de cárie
Escova de dente, pasta e fio dental são essenciais para uma boa saúde bucal, mas Manfredini acrescenta o flúor como um elemento estratégico e essencial na prevenção de cárie. Segundo ele, a substância é adicionada não só em produtos de higiene da boca como também na água de abastecimento público de 60% da população brasileira. Dados do Ministério da Saúde mostram que no final dos anos 80, as crianças brasileiras tinham quase sete dentes acometidos pela cárie. No último levantamento feito em 2010, esse número caiu para dois dentes cariados.
— Os produtos fluoretados são os principais responsáveis pelo declínio da cárie dentária em países desenvolvidos e também no Brasil. Além desse declínio, o flúor também reduz a velocidade de progressão de novas lesões. A água fluoretada reduz a incidência de cárie em torno de 30%. Além disso, crianças que usam creme dental com flúor têm em média 22% menos chance de apresentar cárie.
Mas isso não significa exagerar na quantidade de creme dental com flúor, por exemplo, colocada na escova. O secretário-geral do Crosp orienta os pais a não ultrapassarem um grão de feijão.
— Quanto menor a criança, menos pasta na escova. Em geral, crianças de até cinco anos ingerem 1/3 de creme dental que associado com o consumo de água fluoretada, aumenta a chance de fluorose [alteração no esmalte do dente causando mancha branca bilateral].
Dessa forma, os pais devem ficar atentos e, ao observar qualquer manchinha branca nos dentes da criança, a orientação é procurar o dentista. Segundo os especialistas, o segredo do sorriso bonito é cuidar dos dentes desde a infância e manter uma alimentação saudável. Na família Ravazzi, a pequena Ana Beatriz é quem dá o exemplo e, em tempos de crise hídrica, sempre lembra: “Mamãe, a água do planeta está acabando”.