Hipertensão pode causar insuficiência renal e vice-versa. Entenda a ligação e o perigo das doenças
A pressão alta atinge 33,5 milhões de brasileiros e tem efeitos devastadores no organismo
Saúde|Dinalva Fernandes, do R7
A hipertensão é uma doença silenciosa e devastadora, e a pessoa pode viver anos nessa condição sem apresentar nenhum sintoma. É como se tivesse uma bomba relógio dentro do próprio corpo, que vai estourar em algum momento, já que doença pode ocasionar lesões e desencadear diversos problemas de saúde, como AVC (Acidente Vascular Cerebral) e doenças cardiovasculares, que são a maior causa de morte no mundo. Outra consequência muito comum nos quadros de hipertensão, mas pouco conhecida, é a insuficiência renal, segundo a nefrologista (especialista do sistema urinário) do Hospital Sírio Libanês Rosa Maria Affonso Moyses.
— A hipertensão pode ser primária ou secundária. Muitos pacientes hipertensos têm problemas nos rins. Nessa história, o rim acaba sendo o vilão e o mocinho. Ao mesmo tempo que a hipertensão pode causar problemas nos rins, ela também pode ser a causa da insuficiência renal.
E foi justamente durante o tratamento de insuficiência renal que o cantor e compositor Gilberto Gil, de 74 anos, descobriu ser hipertenso. A pressão arterial dele, que costumava ser de 12 por 8, estava em 18 por 9, nível considerado altíssimo.
— O meu pai era médico e tinha um consultório ao lado de casa, no interior da Bahia. Então, eu sempre presenciei casos graves em decorrência da hipertensão. Mas só após viagem recente à Europa, eu descobri que era hipertenso porque estava tratando de uma insuficiência renal. A minha pressão estava em 18, 19, sendo que meu histórico de pressão era 11, 12, a vida toda. Agora, com o tratamento tenho mantido a minha pressão em 12 por 8, 13 por 8.
Dados da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) mostram que a pressão alta, como é popularmente conhecida, atinge mais de 33,5 milhões de pessoas apenas no Brasil. E o que mais afasta esses pacientes do devido tratamento não é o acesso ao sistema de saúde, mas sim a falta de conscientização, conforme avalia o diretor geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio Libanês, Roberto Kalil Filho.
— A hipertensão é fácil de diagnosticar, mesmo no SUS (Sistema Único de Saúde), então o problema não é o acesso, mas a conscietização. As pessoas não se conscientizam para buscar o tratamento clínico a fim de evitar que os nossos principais órgãos sejam afetados. Aí quando começam a sentir as consequências da doença, ela já vai ser secundária frente aos outros problemas graves.
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Durante o lançamento do Serviço de Hipertensão Arterial do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, na última quinta-feira (20), o cantor falou da mudança no estilo de vida assim que descobriu a doença. A iniciativa é para conscientizar a população sobre a doença neste Dia Nacional de Prevenção e Combate à Hipertensão Arterial, lembrado nesta quarta-feira (26). A causa da hipertensão de Gil não é conhecida, assim como na maioria dos pacientes com o mesmo quadro dele.
— A minha hipertensão está ligada à lesão renal e à insuficiência cardíaca, mas a renal é mais grave. Os médicos não sabem o que chegou primeiro, se foi o ovo ou a galinha. No meu caso, [a hipertensão] chegou depois dos 70 anos. Estou tratando a doença com medicamentos, assim como a insuficiência renal e a cardíaca, que devem ter impacto positivo sobre a pressão. Tem medido a pressão em casa. E tenho a mantido sob controle.
A nefrologista afirma que o diagnóstico de hipertensão é um dos mais simples de ser feito e pode ser realizado por qualquer médico.
— Se você vai ao médico e ele não afere a sua pressão arterial, alguma coisa está errada. Os profissionais de saúde devem sempre medir a pressão dos pacientes porque a qualquer momento da vida a pessoa pode desenvolver hipertensão. O diagnóstico é feito com aferição da pressão e deve ser realizado pelo menos três vezes para confirmar porque, às vezes, a pessoa chega ao pronto-socorro nervosa e a pressão aumenta.
Mudança no estilo de vida
Segundo a cardiologista Juliana Gil de Moraes, estudos comprovam que o padrão de vida está associado à pressão arterial. Ou seja, se o paciente for jovem ou estiver em um estágio inicial da doença, ele consegue melhorar o quadro da doença apenas com a mudança de estilo de vida e alimentação balanceada.
— Em muitos casos, se consegue resposta satisfatória sem medicação.
A nutricionista Junia Bolognesi reforça as principais dicas para evitar a gravidade do quadro.
— Aumento no consumo de peixes, legumes, verduras, gorduras boas e oleaginosas e evitar o excesso de carne vermelha. Mas o maior vilão é o sódio. No Brasil, consome-se o dobro do recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que é de 5g por dia. Aqui, consomem-se 12g ou mais, dependendo da faixa etária, da classe social e do consumo de produtos industrializados. O ideal é substituir o sal por temperos caseiros, como ervas.
Ainda segundo a nutricionista, o sódio é usado na indústria com vários objetivos, como realçar o sabor e a aparência e manter o alimento preservado. Outra orientação é reduzir o peso.
— No Brasil, 51% das pessoas têm excesso de peso, sendo que 14% são obesos. E esse aumento de peso está relacionado a eventos cardiovasculares.
Juliana explica que a pressão alta não se caracteriza por picos de elevação na pressão sanguínea. Em situações de estresse, a pressão pode subir porque há descarga de adrenalina que altera o sistema nervoso. Já em situações de prazer e relaxamento, a pressão cai.
— Com o tratamento, a pressão do paciente se normalizada, mas não há nível ideal pré-estabelecido entre os médicos. Tentamos manter o mais baixo possível que seria 12 por 8, porque diminui o risco de infarto e AVC, mas depende de cada paciente. Para um idoso, por exemplo, a pressão de 12 por 8 é muito baixa. Às vezes 14 por 9 para seria o ideal para ele.
Bons hábitos, como respirar corretamente, também podem ajudar a abaixar a pressão, assim como os exercícios físicos. Segundo a cardiologista Fernanda Consolim, a atividade física pode ser comparada a um remédio.
— Estudos mostram que 1h de exercícios físicos pode baixar a pressão por mais de 24h. É quase um remédio, mas não deve substituir a medicação, mas sim associar as duas coisas. Isso acontece porque o aumento da frequência cardíaca faz o sangue circular mais rápido. Desta forma, os vasos se mantêm relaxados. O ideal é praticar exercícios físicos pelo menos três vezes na semana.
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Para nivelar os níveis de pressão, o mais recomendado é exercícios aeróbicos, mas a musculação também ajuda, informa Junia.
— O exercício aeróbico é melhor para a pressão, mas a musculação também é importante. Com a musculação, a pessoa ganha massa magra, que ajuda a acelerar o metabolismo e o gasto energético. Se não fizer musculação, só aeróbico, vai ter uma hora que o peso vai estacionar.
Medição em casa
Muitas pessoas que sabem que são hipertensas compram o aparelho medidor de pressão para deixar em casa. O problema, segundo Juliana, é que o paciente acaba se automedicando conforme como bem entender.
— O objetivo dos aparelhos é aferir a pressão em casa quando você não se sente bem. O problema é que tem gente que usa a medição do aparelho para não tomar o remédio. Mede e vê que não está tão alta e acha que não precisa do medicamento. Aí quando a pressão está muito alta, toma dois, três comprimidos. Na maioria das vezes, a hipertensão não dá sinais. Quando a pessoa tem sintomas, como dor de cabeça, muitas vezes, ela se automedica. E algumas medicações podem aumentar a pressão, como anti-inflamatório, corticoide que sobrecarregam os rins. O que é um risco à saúde.
Ainda segundo a especialista, os melhores aparelhos são os que aferem o braço. Mas, independentemente do tipo de aparelho, se é digital ou manual, o importante é que seja calibrado pelo menos uma vez por ano. Outra recomendação das especialistas é nunca copiar o tratamento de algum conhecido hipertenso. O ideal é sempre procurar um médico, afirma Rosa.
— Você não deve se comparar ao vizinho ou ao conhecido que também tem pressão alta. Não é porque fulano tem hipertensão e toma o remédio tal que você deve seguir o mesmo tratamento. Cada corpo reage de uma forma. Por isso, é necessário consultar um médico e seguir a recomendação indicada para você.
Incidência maior em afrodescendentes
A incidência de hipertensão entre negros que vivem na América é maior que a de negros que residem no continente africano. A nefrologista conta que há diversas hipóteses que explicam o motivo desta diferença, mas a mais aceita remete à escravidão.
— A hipótese para explicar isso é que quando os negros escravizados vieram para a América, apenas os que tinham capacidade de reter água e sal sobreviveram às situações extremas a que foram submetidos durante a viagem. Então, os descendentes teriam carregado esses genes de reter água e sal. Já os africanos, mantém padrões normais de pressão, se comparado com os afrodescendentes. A prevalência de brancos com pressão alta é de 22%. Já entre negros, o percentual é de 30%.
Ainda segundo Rosa, em indígenas que vivem em regiões remotas, a incidência de hipertensão é bem baixa, com cerca de 2g de consumo de sódio por dia, que seria retirado apenas da alimentação na natureza. Em contrapartida, os indígenas que vivem de forma ocidentalizada, incorporam o estilo de vida das cidades e muitos apresentam hipertensão por causa do excesso de peso.
Em locais mais poluídos, a incidência de hipertensão na população é maior. Mulheres grávidas também devem ficar atentas se apresentarem pressão alta durante a gravidez. De acordo com Fernanda, essa condição é um sinal de alerta.
— A hipertensão na mulher grávida pode acontecer porque a gestação causa estresse muito grande no corpo da mulher e isso é um sinal de alerta de que ela pode virar hipertensa ao longo da vida. Mesmo que ela volte à pressão normal após a gravidez, ela tem chance de virar hipertensa depois de alguns anos.