"Para onde ele foi?": saiba como falar sobre a morte com seus filhos pequenos
Medo da morte na infância é natural, mas assunto deve ser abordado o mais cedo possível
Saúde|Marcella Franco, do R7
Para alguns, Seu Chico finalmente descansou. Para outros, foi se encontrar com parentes queridos que há muitos anos já não via. Já para um pequeno garoto, neto de Chico, cinco anos de idade, o vovô não descansou nem foi visitar ninguém — ele se transformou, isso sim, em uma nova estrelinha no céu. E, como acontece com todos aqueles que morrem, não poderá nunca mais ser visto, deixando para trás um longo rastro de saudades e recordações.
Se nem mesmo os adultos — que, diz a lenda, sabem de tudo — conseguem explicar ao certo o que é a morte, não é de se espantar que uma criança, que ainda está no processo de compreender o ciclo da vida, sobretudo a maneira com que ele se encerra, não consiga compreender ao certo como tudo funciona.
Não importa a idade nem o lugar do mundo, é comum a todos os pequenos questionar, e até mesmo temer a morte.
Embora seja a única certeza para todos desde o dia em que nascemos, a morte ainda representa um tabu na grande maioria das famílias, como define a psicóloga Maria Tereza Maldonado, autora do livro Comunicação Entre Pais e Filhos. Para ela, conversar sobre o assunto com os pequenos é necessário, justamente por se tratar de algo que vai acontecer com todo mundo, inclusive com eles mesmos.
Maria Tereza explica que não é necessário esperar nenhuma ocasião especial para levantar o assunto em casa, e que, quanto mais cedo este tema fizer parte do repertório entre pais e filhos, maior será a naturalidade com que a criança enxergará a questão.
— É interessante fazer a abordagem através da observação da natureza. Passear em um parque, um jardim, observar as flores e mostrar que elas têm botões, desabrocham, murcham e morrem. Se, por exemplo, houver um bichinho de estimação em casa e ele morrer, também se pode aproveitar para apresentar o tema, contando o que aconteceu, dizer que vamos todos ficar com saudades dele. Os pais jamais devem inventar uma história ou substituir o animal para fingir que ele não morreu. Isso é muito ruim.
Durante a infância, é provável que a criança presencie a experiência da morte de duas abordagens diferentes. Na primeira, mais impessoal, ela assiste aos efeitos da perda à distância, quando entra em contato com a notícia da morte de alguém famoso pela TV ou computador, acompanha involuntariamente reportagens sobre guerras, crimes e acidentes, ou mesmo vê personagens de filmes morrerem na tela do cinema.
Neste caso, os pais podem aproveitar a ocasião para contar aos filhos que, infelizmente, nem todo mundo tem a chance de morrer de velhice, e que muitas pessoas morrem por doenças e acidentes — algo que acontece, inclusive, a crianças e adolescentes.
Já quando há uma perda próxima, seja na família ou no círculo de convívio da criança, o trabalho de amparo é mais delicado, e exige não só o apoio, mas também a vigilância a sintomas de que os pequenos possam estar sofrendo além do esperado.
— Cada criança vai entender na medida de seu desenvolvimento. Para uma criança pequena, é difícil entender que aquela pessoa morreu e que ela nunca mais vai vê-la. Até porque, nos desenhos, os personagens morrem e nascem de novo. Mas, pouco a pouco, ela vai elaborando o luto. Independentemente de um contexto religioso, deve-se dar à criança a noção de que não vemos mais a pessoa, mas que ela continua viva no amor que sentimos por ela, nas lembranças. O trabalho do luto vai se fazer muito através disso.
E, quando Maria Tereza fala sobre “trabalho”, é porque, de fato, são necessários tempo, dedicação e, sobretudo, paciência para que a dor da perda seja superada. A psicóloga reforça que, especialmente quando acontecem mortes traumáticas — como é o caso de assassinatos e acidentes —, é importante que os familiares escutem a criança não só em sua tristeza, mas também em sua raiva e perplexidade.
Ela exemplifica questionamentos que podem surgir nestes momentos, e que geralmente causam dúvida sobre qual seria a resposta mais adequada.
— Há vezes em que a criança pergunta “Se Deus é bom, por que ele levou minha avó embora?”, e uma boa explicação seria dizer que cada pessoa tem seu tempo, e que não somos nós que determinamos quando ele acaba. Esclarecer que há coisas no mundo que, infelizmente, não conseguimos compreender.
Justamente por ser algo cercado de tanto mistério e incerteza, natural que cause medo. Ainda mais por volta dos seis ou sete anos de idade, faixa etária em que ocorre um processo de desenvolvimento psicológico natural na infância chamado de ansiedade de separação, quando os pequenos se preocupam excessivamente com a perda dos pais ou de outras figuras significativas em sua vida.
— Cada criança tem a sua maturação, e cada uma passa por determinadas experiências. Em comunidades violentas, a experiência da morte é diária. As crianças que saem de casa e veem gente morta na rua, ou que tiveram membros da família assassinados, por exemplo, têm medos mais consistentes porque vivem isso no dia a dia. Há outras crianças que, mesmo não presenciando isso, ficam apavoradas com a ideia de perder os pais. Algumas ficam tão angustiadas que desenvolvem um comportamento de controle dos pais, por medo de que aconteça alguma coisa com eles. Ligam o tempo todo para a mãe e para o pai, perguntam onde eles estão.
Maria Tereza afirma que, quando essa angústia fica grande demais, é preciso encaminhar a criança a um acompanhamento psicoterápico. Casos assim, no entanto, são raros, e, no geral, uma explicação simples dará conta do recado. Os pais podem, por exemplo, dizer que, sim, todos nós vamos morrer algum dia, mas que, por ora, tudo está bem e, caso algo aconteça com a mamãe ou com o papai, a criança continuará sendo bem cuidada e protegida.
Mas e se o maior dos medos infantis de fato se concretiza? E se, de fato, algo de ruim acontece com a mamãe ou o papai, como é que se deve lidar com os filhos que ficam?
A psicóloga sugere que, quando o caso é de doença terminal, e um dos dois está internado em um hospital, parentes próximos podem, sim, levar a criança para visitar o paciente.
— Esse contato é fundamental. Não é para se despedir, porque não sabemos quando a morte vai acontecer, mas, sim, para ir trabalhando a ideia pouco a pouco, dizendo que não se sabe se a pessoa vai ficar boa, mas que estamos fazendo de tudo para tratá-la. E, caso ela morra, pode-se falar para a criança que todos sentem muito, porque de fato é algo muito triste, mas que alguém vai cuidar dela sempre. O mais importante é assegurar à criança que, mesmo sem a mamãe ou o papai, ela vai continuar sendo bem cuidada.
Velórios e enterros também podem, na opinião de Maria Tereza, ter a presença de crianças, desde que este seja um desejo delas, e não uma imposição.
— Os familiares às vezes falam que não vão levar os pequenos porque preferem “poupá-los”. Poupar de quê? É a morte, e vai acontecer com todo mundo. Se a criança quiser ir, ela tem que ir. Temos todos que aprender a atravessar a perda.
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