Por amor ao neto, avó deixa de fumar depois de 30 anos
Menino fez o pedido de Natal e ela atendeu: "isso mexe com o coração da gente, né?"
Saúde|Eugenio Goussinsky, do R7
Os anos 60 foram marcados pela mini saia, cores vivas com estampas florais, Beatles e Jovem Guarda. Mas nada disso era capaz de virar a cabeça da jovem Arinda Moraes Martins, em sua rotina na então pacata cidade de Santo André, onde a moda chegava um pouco mais tarde do que na capital paulista.
Talvez um ou outro penteado novo, usando franjas. Talvez uma ou outra blusa com tecido acetinado, chique. Arinda, porém, era puro recato. Uma típica moça de família. O único hábito que ela incorporou e que estava em voga na época foi o de fumar. Não por causa do glamour do ato. Nem porque Brigitte Bardot fumava. Foi a convivência, no aconchego das reuniões familiares.
— Comecei a fumar porque meu marido tinha duas tias e duas primas com as quais eu convivia muito. Elas costumavam me pedir para pegar o cigarro na cozinha, porque haviam esquecido. Às vezes eu acendia para elas. Um dia experimentei e assim começou. Eu já tinha minhas duas filhas, com cinco e seis anos, e achei que não faria mal nenhum a elas.
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Arinda havia completado 25 anos. E passou 30 anos fumando, com apenas uma pausa de dois anos. Mesmo contrariando a opinião do marido, Bráulio, ela optou por continuar com o cigarro. Em partidas de buraco, que jogava por prazer com amigos, chegava a fumar seis. Em média consumia um maço por dia.
— Era uma época em que não havia restrição ao fumo. Podia-se fumar em qualquer lugar. Nas festas, nos bailes, nos restaurantes. Eu fumava também no carro e em casa.
O casamento se manteve, e já dura 52 anos, devido à relação de confiança: se o cigarro não fazia bem, ela teve de compreender o lado do companheiro. Quando podia, evitava fumar ao seu lado. E ele, por sua vez, aceitou a decisão dela, também como uma prova de amor.
Era ele quem costumava trazer pacotes de cigarro para o sítio em Araçoiaba da Serra (15 km de Sorocaba) para onde se mudaram há 22 anos.
Até que, em 1999, ela resolveu parar definitivamente. Alguns sinais a fizeram tomar a decisão. Primeiro, o fato de sentir que isso podia incomodar os outros. Depois, começou a sentir falta de ar. E, por fim, um pedido especial, feito por Renan, um de seus dois netos, então com quatro anos. O outro é Brenno.
— Eu perguntei a ele qual presente ele queria ganhar de Natal. Ele me disse: "vó, não quero nada, só quero que a senhora pare de fumar. Se a senhora parar me dará um grande presente." Isso mexe com o coração da gente, né? Sabe de uma coisa, meu neto pediu e por amor a ele o atendi.
O tempo passou. Arinda, hoje, é dona Arinda, uma senhora de 72 anos. Mora ao lado do sr. Braúlio, com 74, cercada de horta, jabuticabeiras, mangueiras e o canto dos pássaros em revoada pelas folhagens. E não se arrepende, em atmosfera tão pura, da decisão que tomou.
— Foi difícil, mas graças a Deus consegui. Até hoje é difícil. Mas quando vejo alguém fumando e me dá vontade, procuro me distrair e penso em outra coisa. Logo passa. Fiz tudo sozinha, sem remédios ou tratamento. Deu certo. Hoje vejo que a pessoa que fuma não sabe o mal que está fazendo para ela e para os outros.
Curiosamente, dona Arinda adquiriu um outro hábito para as mesmas reuniões familiares que prosseguem, de geração a geração. Muito comunicativa e bem-humorada, ela conta que passou a apreciar uma cervejinha durante essas reuniões.
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Mais uma maneira dela buscar conviver melhor com as pessoas ao seu redor. E com a juventude, que para a dona Arinda está muito mais ousada do que nos anos 60.
— Engraçado, depois que parei de fumar, passei a gostar de tomar uma cervejinha, só no fim de semana. Meu neto diz: "vai uma cervejinha aí, vó?" Eu aceito. Mas só uns dois copos, no máximo, para acompanhar o churrasco. Não é vício. Vício é cigarro.
Além do mais, qual pedido do neto que ela não atenderia?