Uso de força não muda sucesso da internação, aponta levantamento
Saúde|Do R7
Depois de três anos de atividade, um levantamento dos atendimentos feitos no serviço municipal para dependentes de crack e outras drogas apresentou dados objetivos sobre internações compulsórias, assunto normalmente envolvido em paixões e ideologias.
Médicos do Serviço de Atenção Integral ao Dependente (Said) ligaram para 156 pacientes que passaram pelo atendimento do hospital no ano passado. Dos que foram internados voluntariamente, 40% se mantiveram longe das drogas depois de 180 dias de alta - índice que indica sucesso no tratamento.
Já entre os pacientes compulsórios, internados contra a vontade depois da ordem de um juiz, 38% haviam se mantido longe das drogas.
"O sucesso do tratamento foi muito parecido tanto para os que entraram por vontade própria como os contra a vontade", confirma o coordenador técnico do Said, Reinaldo Carvalho, que admite ter ficado surpreso com os dados do levantamento.
O Said é uma espécie de "Unidade de Tratamento Intensivo (UTI)" para usuários de droga. Para trabalhar com 80 leitos para jovens e adultos, dispõe de cerca de 210 colaboradores, entre psiquiatras, assistentes sociais e outros profissionais. Além de tratarem do paciente, eles fazem contato com os familiares, tentam reatar laços e estender o tratamento também aos parentes.
Até o ano passado, o Said era gerido pela Sociedade Hospital Samaritano, organização social que desistiu de administrar o serviço. Na próxima quinta-feira, haverá um pregão eletrônico onde serão abertas as ofertas para novos interessados em assumir o serviço.
Uma polêmica envolve o preço dos serviços do Said, questionados em ação proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE). O orçamento do hospital, de R$ 18,8 milhões por ano, significa que cada paciente custa ao Município, em média, R$ 20 mil por mês. Por causa do impasse em torno da nova gestão, apenas seis pacientes estão internados atualmente no hospital, que se encontra com boa parte dos leitos vazios.
Por causa da pressão, a Prefeitura quer diminuir o valor pago para os serviços do hospital.
Cuba. Um dos casos de internação foi apresentado no ano passado em um seminário em Cuba. Jorge (nome fictício) tinha 17 anos ao ser internado na Fundação Casa. Estudou até a 7.ª série do ensino fundamental e morava na periferia de São Paulo. Além da dependência química, tinha crises psicóticas. Foi para a fundação depois de tentar matar o irmão, de 16 anos.
Por causa do quadro psiquiátrico associado ao uso de drogas, o juiz da Vara da Infância e Adolescência decidiu interná-lo no Said. Houve conversas com parentes, que também passaram a frequentar o hospital. Inclusive o irmão agredido. Todos falaram sobre o relacionamento que tinham e sobre a agressão. Jorge também seguiu o tratamento de dependência e se matriculou na escola e em cursos profissionalizantes. Hoje, segue firme no tratamento, que por isso é considerado bem sucedido.
A coordenadora da Unidade de Adolescentes Masculinos, Deise Fernandes do Nascimento, explica que os resultados de pacientes internados voluntária e compulsoriamente são parecidos porque ambos precisam lidar com a ambivalência do dependente químico. Ela observa que o começo do tratamento é sempre o mais difícil. Mesmo aqueles que querem mudar, quando sentem a falta da droga, passam a resistir. "Depois de 25 a 30 dias, a situação muda radicalmente. O desafio inicial é convencer o jovem a seguir no tratamento e explicar os ganhos que ele terá com isso", afirma.
O coordenador do Said, Reinaldo Carvalho, explica ainda que o trabalho com internação compulsória serviu também para incentivar os médicos a não desistirem dos pacientes. Segundo Carvalho, como os compulsórios são internados por decisão da Justiça, o corpo médico não pode admitir o abandono do tratamento, sob risco de serem penalizados. Já os voluntários, quando querem parar, podem ir embora.
Empenho. "Como a Justiça nos obrigava, não havia como desistir do paciente. Acabamos percebendo os aspectos positivos dessa insistência e ela acabou influenciando, inclusive, na maneira como lidávamos com aqueles que se internavam voluntariamente. Passamos a lutar mais para que eles seguissem no tratamento", afirma Carvalho. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Bruno Paes manso