Crescimento da "turma do Netflix" influencia indústria audiovisual, mas não deve ser temido pela TV a cabo
Segundo analista, serviços de streaming devem ser integrados por operadoras
Tecnologia e Ciência|Do R7
Mesmo que não seja um grande fã de séries, você provavelmente já ouviu falar em nomes como House of Cards e Orange is the New Black. Recentemente, a internet também voltou suas atenções para o spin-off de Breaking Bad, Better Call Saul, a adaptação do personagem Demolidor da Marvel, a comédia Unbreakable Kimmy Schmidt, desenvolvida pela comediante e produtora Tina Fey, além dos dramas Bloodline e Marco Polo. O que produtos tão diversos têm em comum? Todos eles estão disponíveis com exclusividade no serviço de conteúdo para internet Netflix.
Apesar de não ser o único fornecedor de produtos audiovisuais da rede, a empresa norte-americana é prova do crescimento da procura por conteúdo digital (via streaming, compra ou aluguel): com mais de 62 milhões de assinantes em todo o mundo, o Netflix vale US$ 32,9 bilhões na bolsa - valor superior ao da gigante da televisão americana CBS (US$ 30,6 bilhões).
Em carta para os investidores, o diretor-executivo da Netflix, Reed Hastings, comenta o crescimento do segmento e explica que o produto tem foco em três pilares: um algoritmo que dê as melhores indicações de conteúdo para o usuário, oferecer qualidade de imagem - oferecendo imagens em 4K (resolução quatro vezes superior ao HD) e disponibilidade na maior quantidade de dispositivos (TVs, portáteis, videogames, Apple TV e outros).
— A Internet TV está crescendo globalmente e o Netflix está puxando a fila. Ao longo dos próximos anos, esperamos continuar a financiar nossa expansão de conteúdo original.
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Ainda no documento, que também é assinado pelo diretor financeiro da companhia norte-americana, David Wells, o modelo de negócios da empresa prevê gastos elevados em produções originais.
— Enquanto os vencimentos estão espalhados e o custo dos juros é construído em nossos orçamentos de conteúdo, pensamos que a dívida de longo prazo é a melhor maneira para Netflix para financiar a produção de conteúdo.
Principais concorrentes
Se o Netflix é o serviço mais conhecido no Brasil, o analista de tecnologias e mercados para consumidor do Gartner Fernando Elizalde comenta que Amazon Instant e Amazon Premium são os concorrentes mais promissores fora do País. De acordo com o analista, ainda há poucos serviços globais de conteúdo.
— Ainda há poucas alternativas globais ao Netflix, a não ser Amazon e iTunes. Há ofertas interessantes em outros países. Wuaki.tv, uma empresa espanhola, adquirida pela empresa e-commerce japonesa Rakuten, está em expansão na Europa, com operações no Reino Unido e na França.
Outro exemplo citado pelo analista é a Magine, uma empresa escandinava com operações na Alemanha. No entanto, a empresa é considerada uma operadora de TV paga baseada em nuvem, já que oferece canais lineares e conteúdo sob demanda. O modelo executado pelo Netflix também já é replicado por gigantes do entretenimento, como a Time Warner, que oferece acesso ao conteúdo do seu canal HBO como um serviço de streaming independente.
Mercado brasileiro
No Brasil, o serviço é chamado de HBO GO e dá acesso a um catálogo de 2 mil títulos originais da marca para consumo no computador, dispositivos da Apple (iPad, iPhone, iPod touch e Apple TV) e também em TVs com Xbox 360. Entretanto, o serviço está disponível apenas para os assinantes de TV a cabo (Claro HDTV, NET e SKY). A empresa também prevê o lançamento do HBO NOW em 2015, que deve atuar de forma realmente independente.
As próprias operadoras de TV a cabo oferecem conteúdo on demand. Diferente do Netflix, o usuário compra um filme ou série em serviços como o NET NOW e SKY Online. A Claro TV, por exemplo, oferece o Claro Video, serviço de assinatura que também conta com aluguel de filmes e séries.
Quem tem um smartphone ou tablet também pode comprar ou alugar conteúdo nas lojas iTunes (da Apple) ou Google Play (para dispositivos Android).
Controvérsias
A principal polêmica envolvendo serviços de streaming no Brasil é que eles não estão submetidos à Lei do Audiovisual ou à regulamentação das agências como Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e Ancine (Agência Nacional de Cinema) e não são obrigados, por exemplo, a veicular 30% de conteúdo nacional. Respondendo ao contato da reportagem do R7, a Ancine informa que regulamentação dos serviços de vídeo por demanda é um dos temas da agenda regulatória da entidade para o biênio 2015/2016.
Já a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) comunica que deve haver igualdade de condições entre operadoras de TV a cabo e companhias de conteúdo on demand. A falta de regulamentação e diferenças tributárias fazem com que serviços de streaming sejam acusados de "concorrência desleal" no País. A ABTA informa que o mercado de TV por assinatura faturou R$ 27,9 bilhões em 2013, levando em conta receitas com banda larga e publicidade.
No entanto, Elizalde faz uma ressalva: não acha que as operadoras de TV a cabo devam ter medo do Netflix ou serviços parecidos.
— Empresas com base na assinatura são principalmente complementares. No entanto, os operadores de televisão por assinatura tradicionais precisam se reposicionar como um repositório, com opções de descoberta e um centro de acesso de todos os conteúdos disponíveis em seus portais. Vejo como positiva a iniciativa de operadores europeus de criar parcerias com a Netflix para oferecer este serviço OTT em seu "grid".
No início de abril, durante sua participação em uma consulta pública do Ministério da Justiça sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet, o Netflix fez um apelo para que as detentoras das redes - concorrentes em alguns casos - não discriminem o conteúdo diferente na internet. Ou seja, diminuam a velocidade da conexão de dados, causando uma queda na qualidade de vídeo e experiência do serviço.
A contribuição foi assinada pela diretora de relações governamentais e políticas públicas da Netflix, Paula Pinha e também ressalta que provedores de conexão não devem cobrar provedores de conteúdo pela administração da rede.
A ameaça da pirataria
De acordo com o serviço de monitoramento de pirataria Irdeto, o seriado Game of Thrones, da HBO, lidera a lista de downloads ilegais entre os meses de fevereiro e abril de 2015. No ano anterior, a companhia Irdeto e a revista Variety apontam a série de ficção fantástica como a mais pirateada do mundo. O Brasil é apontado como o líder nos downloads, seguido, respectivamente, de França, Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.
A lista da Irderto para o conteúdo mais pirateado é outro sintoma: além da adaptação dos livros de George R. R. Martin - exclusiva da HBO - os seriados mais pirateados são The Walking Dead, Breaking Bad, Vikings e House of Cards. Os quatro fazem parte do catálogo do Netflix.
Ou seja, se as operadoras de TV a cabo não necessariamente "brigam" com Netflix e companhia, ambos precisam se unir contra a pirataria. Na medida em que Netflix, HBO se tornam produtores e provedores de conteúdo, eles sofrem duplamente: não só perdem assinantes, como também têm seu conteúdo exclusivo sendo distribuído de forma ilegal e gratuita na internet - um problema bastante semelhante aos populares "gatos", ligações clandestinas feitas por todo o País.