Heroínas da ciência: brasileiras de sucesso incentivam garotas a seguirem seus sonhos acadêmicos
Palestrantes comentam os benefícios da diversidade para o avanço da pesquisa
Tecnologia e Ciência|Tiago Alcantara, do R7
Radioatividade, programação, neurociência e astrofísica. Todas essas - e várias outras - áreas de atuação científica têm em comum a atuação marcante de mulheres brilhantes. Entretanto, o imaginário popular ainda tem a ciência como um clube masculino. Basta pensar na primeira imagem que vem à sua cabeça quando você imagina a equipe de cientistas da agência espacial norte-americana. Sem ajuda das matemáticas Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson - mulheres negras - provavelmente a Nasa ainda estaria procurando uma forma segura de conquistar a Lua.
O drama do trio é retratado em Estrelas Além do Tempo, em cartaz no cinema. A história não é diferente no Brasil e as mulheres também possuem um papel fundamental para o avanço da ciência. Na Campus Party, que acontece na zona norte de São Paulo, às 11h45 da quinta-feira (2), a bióloga Fernanda Werneck iniciou sua palestra no palco Ciência. A pesquisadora do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) estuda o nível de resistência das espécies para garantir a sobrevivência no futuro. Seus estudos também abordam as origens históricas da diversidade genética, os riscos de extinção e a capacidade adaptativa de lagartos da Amazônia e do Cerrado, os dois maiores biomas da América do Sul.
LEIA TAMBÉM: Os destaques da Campus Party 2017
Uma questão levantada pela cientista deixou boa parte da plateia preocupada. Ou deveria.
— Será que nós humanos estamos preparados para essa extinção em massa que nós mesmos estamos criando?
Fernanda foi uma das vencedoras da edição de 2016 do Prêmio “Para Mulheres na Ciência” (desenvolvido pela L’Oréal em parceria com a Unesco e Academia Brasileira de Ciências). A pesquisadora afirma que é importante comunicar a ciência de forma mais eficiente para a sociedade. Especialmente, tendo em conta com os impactos causados por notícias falsas disseminadas em redes sociais.
— Apesar de todo o conjunto de evidências científicas embasando, ainda existem pessoas que não acreditam nas mudanças climáticas. Nesse papel, o cientista tem que ser a voz da razão no meio de um oceano de controvérsias.
Da Amazônia para o espaço
Alguns minutos depois do final da palestra de Fernanda, às 13h, o palco principal do evento recebia outro nome que inspira jovens cientistas a olharem, literalmente, mais alto: para o espaço. Com uma apresentação recheada de imagens dos lugares mais profundos do Universo, que ela mesma ajudou a capturar como parte do time que comandou programas de observação do campo profundo com o telescópio Hubble, Duilia de Melo conversou com os participantes da feira sobre sua carreira como cientista fora do País.
— O campo ultraprofundo é a imagem mais profunda tirada até hoje do Universo. Ele mostra imagens mais detalhadas de objetos ainda mais distantes da Terra.
Com o telescópio Hubble faz 27 anos em abril, como vamos continuar estudando esse tipo de ciência? A pesquisadora mostrou o futuro telescópio James Webb Space Telescope, um telescópio infravermelho de 6,5 metros de diâmetro e que deve mostrar galáxias se formando para os cientistas. O equipamento será colocado em órbita no próximo ano.
Professora de Física e Astronomia na Universidade Católica de Washington (EUA) e pesquisadora do Instituto de Astrofísica e Ciência da Computação (IACS) que colabora com o Goddard Space Flight Center da Nasa, desde 2003, Duilia é uma das poucas pessoas do planeta Terra que podem dizer que já descobriram uma supernova, SN1997D.
Inspiração, diversidade e resistência
As duas cientistas abordaram um assunto importante: as mulheres na carreira acadêmica. De acordo com dados da ONU (Organização das Nações Unidas), apenas 30% dos pesquisadores de todo o mundo são mulheres. Para Fernanda, qualquer tipo de incentivo para manter as mulheres na carreira são bem-vindos.
— O problema que eu vejo é quando as pesquisadoras são tão competentes quanto os colegas cientistas e, no entanto, não conseguem progredir tanto na carreira. Principalmente, nas posições de liderança.
A pesquisadora da Inpa ressalta ainda que é preciso mudar o viés de gênero na ciência e aumenta com a progressão das carreiras. Dados apontam que proporção de meninas e meninos é parecida no início das carreiras acadêmica e, ao longo da progressão, fica desigual.
Duilia dá um conselho para as jovens que querem ingressar na carreira científica: "nenhum profissional bom morre de fome, em carreira nenhuma. A ciência é exclusivista, vai selecionar o profissional bom". A pesquisadora conta que Nasa implementou recentemente um programas para aumentar a representatividade de minorias na pesquisa científica. A aprovação de projetos do telescópio Hubble, por exemplo, não saem os nomes dos autores, para que não exista o julgamento se o responsável é um homem ou mulher. Duilia explica que a ideia é que os projetos sejam recebidos e aceitos por sua qualidade.
— É uma vitória das mulheres, temos estatísticas de que a gente ganha menos projetos do que os homens. Não é porque a gente é menos competente. É por conta de uma inclinação inconsciente.
Outro assunto abordado pelas duas cientistas diz respeito ao temor de que os cientistas mais brilhates deixem o País por conta de cortes de financiamento, dificuldades para encontrar vagas como pesquisadores e a influência política em decisões que deveriam ser técnicas.
FOTOS: As espetaculares imagens de Saturno que mostram suas milhões de 'miniluas'
Duilia explica que colabora com astronomos do Brasil, foi mentora de 80 alunos do programa Ciências Sem Fronteira e que a busca de uma carreira no exterior deve ser uma decisão pessoal. A astronoma ainda aponta sistema acadêmico antiquado como um dos motivos para essa "fuga de gênios".
— Não é o fim do mundo. Nada impede que os cientistas voltem depois. O Brasil é cíclico. Passamos por uma fase de investimento na ciência e agora está caíndo de novo. Fico preocupada porque isso demonstra uma falta de visão do País. É uma fase que o Brasil precisa de investimento em ciência, tecnologia e inovação.
Por outro lado, a bióloga Fernanda Werneck acredita que esse é um momento de resistência.
— Temos que resistir e, no nosso caso, ficar e lutar pela ciência no Brasil. Essa crise científica toda traz um problema que é a evasão de cérebros. A gente corre o risco de ficar no escuro nesse período divisório que a gente está passando.
A coincidência fez com que a dupla de cientistas se apresentasse no mesmo dia, há poucos metros de distância. Apesar das trajetórias diferentes de Fernanda e Duilia, o sucesso das pesquisadoras inspira garotas a buscar e lugar por espaço na ciência. Quem sabe as descobertas que as próximas Marie Curie e Grace Hopper podem realizar?