Quem anda pelas ruas da primeira capital do Brasil já se deparou com nomes inusitados de ruas, bairros e praças. Morro do Gato, Ladeira da Preguiça, Praça da Piedade, Pelourinho, Rua da Forca são alguns exemplos dos logradouros que existem na capital baiana.
Para o historiador Carlos Bahia, no caso específico de Salvador, os habitantes nomeavam suas localidades e limites geográficos a partir das referências tomadas da flora nativa, fazendas, e, sobretudo, dos costumes aqui adquiridos ou trazidos de terras longínquas", afirma o historiador Carlos Bahia.
Nomes tão curiosos, muitas vezes causam constrangimento e embaraço para os moradores de muitas localidades. Alguns sofrem com as piadas e brincadeiras que ouvem dos colegas e até mesmo de estranhos.
É o caso do portuário Luís Claudio de Jesus Silva, 25 anos, morador da Rua das Virgens.
- As pessoas perguntam se ainda existem virgens lá na rua. Antigamente ficava muito constrangido, mas hoje já me acostumei.
Segundo o morador, o local foi batizado como esse nome porque tinha uma casa que ficava isolada no meio da via, fechando a região.
O estudante Alex Santos Da Fraga, 27, também passa por experiência parecida. Morador do bairro de Pau Miúdo, o jovem diz que as brincadeiras são constantes, principalmente dos colegas de faculdade.
- A princípio fico sem graça, as pessoas sempre brincam com o nome, sempre em duplo sentido.
O estudante disse que nunca discutiu ou brigou por causa das piadas e confessa que acha as brincadeiras até engraçadas.
Para o historiador, alguns nomes curiosos de logradouros em Salvador demonstram a criatividade da população em criar e recriar nomenclaturas que demonstram símbolos especiais para a localidade. A Rua do Mingau, por exemplo, foi batizada oficialmente como Travessa Guia Lopes, em menção ao bravo corneteiro Lopes que, segundo a história, decidiu a batalha do 2 de Julho, data da Independência da Bahia, em Pirajá.
Entretanto, o povo a rebatizou como Rua do Mingau por existir naquela local um ponto de venda de mingau. A Rua do Trilho, na Federação, é assim conhecida porque ali passava o antigo bonde que ia até o Rio Vermelho e a Rua do Tira Chapéu, que remonta o hábito dos homens em retirar os chapéus, em respeito da casa da sede do governo.
O professor afirma que os nomes das ruas e bairros podem influenciar na visão que as pessoas têm da população local, já que traduz muito de como as pessoas querem ser lembradas, pois o fator memória, também, transmite fator de status social.
- A criação de logradouros é postura do governo em ordenar a sociedade, visando a melhoria dos meios de comunicação. Mas essa atitude, geralmente, não traduz a vontade do povo. Vira e mexe, vemos a criação de ruas, avenidas, praças, etc. com nomes de personalidades que muitas vezes não trazem uma referência para aquela localidade.
Todavia, a população recria sua toponímia como uma necessidade básica de trazer a lembrança, o que lhe é próprio. É uma luta constante entre a vontade do poder governamental e a do povo", conclui o historiador.
Conheça o significado dos nomes de alguns logradouros de Salvador:
Água de Meninos – Nome concedido ao local que tinha uma nascente de água natural aonde grande números de meninos iam se banhar. No século XVIII, o governo municipal mandou construir uma bica pública para o abastecimento da população, chamada de Fonte de Água de Meninos.
Estrada da Rainha - Via publica aberta durante o reinado de D. Maria I, rainha de Portugal, conhecida como a louca durante o período da Inconfidência Mineira.
Fazenda Garcia - Onde se situava a propriedade (fazenda) de Manuel Garcia, um dos mais importantes latifundiários do Brasil.
Ladeira da Barroquinha - vem de barranco, era uma região de depressão provocada pela erosão das chuvas e que era muito utilizada pelo povo que queria ter acesso a Baixa dos Sapateiros.
Ladeira da Preguiça - Nome que veio pelo fluxo de mercadorias trazidas ao porto para abastecimento da população e que eram carregadas/puxadas da parte baixa para parte alta da cidade. Como era uma atividade penosa e fadigenta, executada, na sua maioria pelos escravos, às vezes embaixo de um sol escaldante, dava preguiça.
Largo das Sete Portas - Denominação dada pelo povo, lembrando um mercado que tinha sete portas de igual tamanho e simetria naquela localidade.
Pelourinho - Importante local turístico de Salvador, ganhou esse nome por causa do instrumento de punição e prática de justiça governamental. O pelourinho era o local onde os escravos eram amarrados e açoitados.
Praça da Piedade - Local onde os condenados eram enforcados.
Rua Chile - Levou o nome devido à visita dos oficiais da Marinha de Guerra chilena que esteve em visita a Salvador em 1902.
Rua do Cabeça - Ganhou o nome devido à atividade de matança de bois nos currais e abatedouros presentes na região e que expunham cabeças dos animais em suas portas.
Rua da Forca - Tem esse nome devido ser a principal via aonde os condenados eram trazidos da Casa da Câmara e Cadeia.
Rua da Misericórdia - Ganhou o nome por causa da Santa Casa de Misericórdia.
Rua Pau da Bandeira - Situada no antigo sítio político da colônia, ali fica um mastro onde se hasteavam bandeiras para orientar os navegantes em sua ida e vinda, traduzindo o pertencimento da terra.
Tororó - Nome de origem tupi que designa “rumor de água correte, rio barulhento”, ideia que os índios tinham de uma fonte de água corrente que abastecia o grande dique ali (ainda) presente.