Famílias na Bahia lutam para cuidar de crianças com doença rara que causa bolhas na pele ao menor contato
Epidermólise Bolhosa é causada por um defeito genético que afeta a produção de colágeno
Bahia|Do R7
Após esperar nove meses, as mães não veem a hora de pegar o filho no colo, beijar, abraçar e fazer muito carinho. Mas, a expectativa de ter o bebê nos braços é substituída pelo choque de descobri que a criança tem uma doença rara e hereditária que causa bolhas na pele ao menor contato: a EB (Epidermólise Bolhosa).
A médica e presidente da Debra, Jeanine Magno Frantz, explicou que a EB é uma doença provocada por um defeito na produção do colágeno, que seria o cimento da pele, e pode afetar as mucosas.
—É uma alteração genética que não é contagiosa. Tem uma falha na ausência ou na produção do colágeno. A diminuição vai levar a uma fragilidade da pele.
Quando Paulinho nasceu em Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia, há nove anos, Adriana Alves recorreu à internet para ter acesso a mais informações sobre a doença.
— Aqui na cidade não tinha médico e nem enfermeira que conheciam a doença.
As descobertas foram desencorajadores e frustrantes, mas ela não desistiu de lutar por mais qualidade de vida para seu filho e acabou se tornando diretora da Afapeb (Associação de Familiares e Amigos dos Portadores de Epidermólise Bolhosa) de Conquista. Apesar da doença, Adriana conta que não deixa de dar carinho ao filho, mas dentro do limite que a EB permite.
— É um amor que a gente não sabe explicar. Então, eu dengo demais, beijo demais, tem a forma de abraçar, tem as brincadeiras pesadas que a gente sabe o limite que pode ir. Então, eu faço tudo com ele.
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No Brasil, segundo dados da Debra, há 600 registrados da doença, sendo 82 na Bahia. Contudo, dois municípios no sudoeste baiano têm apresentado muitos casos da epidermólise distrófica recessiva: Barra da Estiva, com população estimada em 22.232 habitantes e oito registros, e Vitória da Conquista, com sete casos e 346.069 habitantes.
Os números poderiam passar despercebidos, mas a incidência chamou a atenção. A presidente da Debra explica que há oito casos para um milhão de habitantes e, desses registros, apenas 5% de epidermólise distrófica recessiva: “É um numero muito baixo, raro mesmo”.
— Lá [região sudoeste] tem um número muito além da prevalência normal de epidermólise distrófica recessiva.
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A professora Sandra Mara Bispo Sousa, Bióloga e Doutorado em Genética, explicou que “por se tratar de uma doença rara e de caráter autossômico recessivo em sua maioria, essa provavelmente terá surgido e aumentado sua frequência em grupos geográficos por efeito do fundador e hotspot mutacional e se mantêm nas populações por efeito de casamentos consanguíneos e da deriva genética”.
Por conta do grande número de casos, a Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) decidiu montar um projeto para entender a concentração de ocorrências do problema na região. A iniciativa começou em 2014 como projeto de extensão: Núcleo de estudos e atendimento multidisciplinar aos portadores de Epidermólise Bolhosa congênita do Sudoeste da Bahia, sob a coordenação da Professora Doutora Dermatologista – Maria Esther Ventin de Oliveira Prates.
Atualmente, o atendimento clínico tem abordagem multidisciplinar e envolve profissionais de diferentes áreas da saúde: dermatologia, pediatria, gastropediatria, genética humana, hematologia pediátrica, patologia, odontologia, nutrição e psicologia.
De acordo com a Doutora em Genética, que faz parte do grupo de pesquisa, o projeto de extensão está em fase final para ser oficializado como centro de referência a epidermólise na região, que na prática já funciona.
Morador de Barra da Estiva, cidade como maior registro da doença na Bahia, Cristiano descobriu que o filho, de três anos, tinha a doença logo após o parto, “porque ele nasceu sem a pele em cima da mão e sem a pele de um pezinho”.
Na família dele já teve dois casos da doença que, segundo a Sesab (Secretaria de Saúde do Estado da Bahia), acometeu 126 pessoas na Bahia entre 2014 e 2017.
As crianças com EB podem nascer com alguma parte do corpo sem pele ou com até 70% do corpo descoberto, segundo a presidente da Afapeb de Salvador, Lindamar Lima, que também tem um filho com a doença.
O filho de Lindamar tem a EB distrófica, tipo considerado grave. O jovem nasceu sem pele em uma parte do pé direito e, em questão de 2 horas, estava todo machucado, porque os médicos ainda não tinham conhecimento a respeito dessa doença que causava extrema sensibilidade na pele.
— Em nenhum momento eu me desesperei, graças a Deus. Eu sabia que o principal era orar e pedir a Deus que mandasse uma forma de descobrir o que era e como era cuidar.
Apesar da gravidade do quadro, o adolescente de 17 anos estuda e, dentro dos limites impostos pela doença, tenta levar uma vida normal.
A Afapeb conseguiu assegurar, por meio judicial, o fornecimento de medicamentos e suplementos alimentares para as crianças com a doença. Mesmo com a ajuda, as mães ainda enfrentam dificuldade para oferecer o tratamento adequado aos filhos. A presidente da Debra pontua que “pelo menos 300 criança sofrem diariamente com dor, acordam com o pijama grudado no corpo, que as mães têm que parar na frente do Ministério Público para mostrar as feridas das crianças, porque o Estado não tá dando curativo”.
Na Bahia, as famílias contam com dois centros de referência: Hospital das Clínicas, em Salvador, e a Uesb.