Como nascem os lixões no Brasil e quais são as dificuldades e soluções
Aumento em 10% no número de crianças matriculadas em escolas pode diminuir 3,6% a probabilidade das cidades destinarem seus resíduos em lixões
Brasil|Do R7
Passados quase cinco anos do prazo dado pela PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) para o fim dos lixões no Brasil, que venceu em julho de 2014, cerca de metade dos municípios brasileiros ainda destina seus resíduos incorretamente. E, na semana que passou, durante a marcha de prefeitos a Brasília, parte deles voltou a pleitear um novo adiamento do prazo ao Congresso.
Mais do que mais prazo, porém, o que talvez as cidades precisem é entender as causas do problema para atacá-lo. É o que sugere um estudo elaborado pelo Selurb (Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana) que analisou os fatores que tornam as cidades mais propensas a adequarem corretamente seus resíduos ou não. O trabalho, divulgado com exclusividade pelo jornal O Estado de São Paulo, revela como surgem os lixões no Brasil.
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Os pesquisadores desenvolveram um modelo matemático que analisou fatores socioeconômicos que podem ter mais impacto na capacidade da cidade de lidar com o lixo e concluíram que três são os mais significativos: índice de crianças matriculadas na escola; independência financeira do município e densidade populacional. É relevante ainda a existência ou não de taxas específicas de limpeza urbana.
O trabalho, que será divulgado nesta segunda-feira (15), durante o Seminário Internacional de Resíduos Sólidos, em São Paulo, considera a base de dados do Islu (Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana), criado em 2016 pelo Selurb para mensurar o grau de aderência das cidades às metas e diretrizes fixadas pela política nacional. Da edição anterior do levantamento, de 2018, participaram 3.374 cidades - 53% ainda têm lixões.
Entre aquelas que fazem a destinação correta dos resíduos, a média de crianças entre 6 e 14 anos matriculadas na escola é de 87,26%. Já nos municípios com lixões, a taxa cai para 84,9%. A densidade populacional dos primeiros é de 264,40 hab/km², já dos segundos, de 78,55 hab/km².
O gasto com limpeza urbana no orçamento também difere consideravelmente: a média é de R$ 534,10/mês nas cidades com destinação adequada, ante R$ 73,50 nas com lixão. Em relação à participação das transferências intergovernamentais na receita do município é de 79,14% ante 90,82%, respectivamente.
"Basicamente, quanto menos educação, maior dependência de repasses estaduais e federais e menor densidade demográfica (ou concentração urbana - municípios com área muito grande e população espalhada), mais vulnerável está o município ao surgimento de lixões”, resume o economista Jonas Okawara.
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Um exemplo do que indica o estudo é Resende, no Rio, onde os indicadores educacionais e de dependência financeira não são bons. A cidade até possui economia de escala, com 115 hab/km², mas seus gastos com limpeza urbana são de R$ 14 por habitante por mês. A cidade ainda destina seus resíduos para um lixão (leia mais sobre a cidade abaixo).
Na outra ponta está Joinville, que faz a destinação correta dos resíduos: 96% das crianças estão matriculadas; a dependência de recursos intergovernamentais é baixa (44%); a densidade populacional é de R$ 512 hab/km² e, juntando orçamento com taxa de lixo, o valor por habitante é de R$ 22/mês.
Há, no entanto, exceções ao modelo. É o caso de Macaé (RJ), sede das operações da Petrobras na Bacia de Campos. Apesar de ter indicadores muito bons - 99% de crianças matriculadas; 44% de dependência financeira; 200 hab/km2 e um gasto de R$ 31,5 por hab/mês com limpeza urbana -, a cidade ainda destinava seus resíduos para um lixão até o ano passado. Desde o início de 2019 no entanto, a destinação final dos detritos é um aterro sanitário, conforme preconizado.
Soluções
O trabalho também aponta soluções: o aumento em 10% no número de crianças matriculadas nas escolas pode diminuir em 3,6% a probabilidade das cidades destinarem os seus resíduos em lixões. Já o aumento de 1.000 hab/km² pode diminuir em 2,1% essa probabilidade.
Com isso, diz Okawara, ganha-se em escala econômica, tornando mais viável a coleta. Outra sugestão já conhecida é a adoção de consórcios entre cidades vizinhas pequenas para compartilhar os custos e viabilizar o serviço. Por outro lado, o aumento da dependência das transferências intergovernamentais em mais 10% acresce a probabilidade de a cidade destinar resíduos inadequadamente em 10,6%.
“Quanto maior essa dependência, maior a chance de ter lixão. Para ter a destinação adequada é preciso ter condições de fazer o custeio operacional para manter a operação. Se não tem autonomia para fazer a gestão, isso facilmente pode se deteriorar. Há cidades que chegaram a fazer aterros sanitários e começar a fazer a destinação correta, mas quando perdeu essa autonomia, rapidamente voltou a ter lixão”, diz Okawara.
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Turística, Resende tem descarte irregular
Resende é considerado um dos mais importantes municípios do interior do Rio. Sede do maior complexo militar da América Latina - a Academia Militar das Agulhas Negras -, da única indústria de enriquecimento de urânio do Brasil e da maior fábrica de caminhões do País, o município é também uma referência regional no turismo; perdendo apenas para a capital em número de visitantes.
Em contraste com a aparente pujança, porém, a cidade guarda uma alta dependência de recursos intergovernamentais (63%). E tem índices educacionais abaixo do esperado: 83% das crianças entre 6 e 14 anos estão na escola - os dois fatores tornam a cidade mais propensa a não ter um descarte adequado de resíduos sólidos como sugere o estudo do Serlurb (leia mais na pág. ao lado). De fato, Resende convive com um lixão.
“O lixão é uma armadilha porque, embora aparentemente seja uma solução mais barata, acaba saindo caro a médio e longo prazo”, explica o pesquisador da Coppe/UFRJ Luciano Basto Oliveira, especialista em resíduos sólidos e planejamento energético. “Os maiores riscos são o da contaminação do solo e do lençol freático (com eventuais problemas de saúde para a população). Estudo da Organização Mundial de Saúde mostra que metade dos leitos hospitalares do mundo são ocupados por doenças relacionadas à falta de saneamento básico.”
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Desde 2007, uma ação civil pública pede o fechamento do lixão que fica na área rural do município e recebe diariamente 100 toneladas de detritos não só de Resende, mas também de Penedo e Visconde de Mauá.
O presidente da Agência do Meio Ambiente de Resende, Wilson Moura, afirmou que o lixão está em processo de encerramento das atividades, o que deve acontecer em, no máximo, três meses. Segundo Moura, o município já licitou e contratou a Central de Tratamento de Resíduos de Barra Mansa para receber os resíduos de Resende.
“Em geral, a grande dificuldade de solucionar o problema está na necessidade de atender às questões ambientais, sociais (catadores de lixo) e econômicas”, disse. “E para a construção de novos aterros, centrais de tratamento ou usinas são necessários diversos estudos que atendam a processos morosos de licenciamento ambiental.”
Dificuldades
Analista técnica da Confederação Nacional de Municípios, a geógrafa Cláudia Lins explica que o aterro sanitário é uma estrutura cara, de operação e manutenção complexas e que só é viável economicamente para municípios com mais de 100 mil habitantes. Ela lembra que 90% dos municípios do País tem menos de 50 mil habitantes e que tais diferenças regionais deveriam ser levadas em conta no momento de se fazer exigências no descarte de resíduos.
“A política pública de resíduos sólidos é de competência comum de União, Estados e municípios. Ou seja, União e Estado devem dar apoio financeiro ao município para que o serviço seja prestado”, disse. “Vivemos num País com desigualdades socioambientais enormes, em que todos os municípios são tratados como iguais. A realidade de São Paulo não é a mesma de qualquer outro Estado de Norte e Nordeste, por exemplo. Como fazer gestão de resíduos da mesma forma? A lei tem que dar condições diferenciadas para ser cumprida nos municípios menores. E a única alternativa da lei é a do aterro sanitário.
Aterros regionais diminuíram o problema no MS
O seminário desta segunda-feira vai destacar um caso de sucesso desenvolvido no Mato Grosso do Sul a partir do Projeto Resíduos Sólidos - Disposição Legal. A parceria criada em 2015 entre o Ministério Público do Meio Ambiente e o Tribunal de Contas do Estado teve foco em implantar fontes de arrecadação específicas para custear os serviços de limpeza urbana e promover acordos regionais para viabilizar a atividade por meio de ganho de escala, além de acordos para tramitações de processos judiciais relacionados ao tema.
Quando o projeto teve início, 80% das 79 cidades destinavam seus resíduos para lixões. Hoje são 41%. Em volume de resíduos, 75% do que é gerado nas residência hoje vai para aterros sanitários regionalizados. Em 2015, apenas três cidades possuíam algum modelo de cobrança pelo serviço de limpeza urbana. Hoje são 20.
“Ainda há muito o que caminhar, mas percebemos que sem uma união de esforços isso não seria possível. A arrecadação específica e a regionalização dos aterros são fundamentais para o Brasil resolver esse problema”, conta o promotor Luciano Loubet, diretor do Núcleo Ambiental do Ministério Público do Mato Grosso do Sul.