Em Brasília, pacientes são abandonados por anos em hospitais públicos
No DF, há fila de 200 pessoas por vagas em instituições de longa permanência
Brasil|Mariana Londres, do R7, em Brasília


Paciente mais antiga da enfermaria, Luiza Nicolau da Silva, 47 anos, tem o privilégio de uma cama perto da janela, sempre aberta já que não há ar-condicionado no ambiente com calor praticamente constante. Ela mora há quase um ano no HRT (Hospital Regional de Taguatinga), um dos maiores da capital federal. Suas únicas companhias são a boneca bebê chamada Barbie, o cachorro do coração e um ursinho de pelúcia. Luiza não recebe visitas e não tem acompanhante.
Doente mental, ela foi internada da última vez em agosto do ano passado em função de complicações ortopédicas. Teve que amputar a perna direita abaixo do joelho. Por estar perto de receber alta médica, as assistentes sociais do HRT correm para tentar encontrar a melhor casa para Luiza morar ao sair do hospital, mas sabem que isso deve demorar, já que o caso dela está na Justiça.
Sem parentes próximos ou com laços familiares rompidos, milhares de brasileiros como Luiza são abandonados por dias, semanas, meses e até anos em hospitais públicos do País. Alcoolismo, drogas, doenças mentais, configurações familiares frágeis e situação de rua são alguns dos fatores que levam pessoas a serem deixadas em leitos sem receber uma única visita e sem ter para onde ir.
Muitas vezes com condição de receber alta médica, mas com a necessidade de cuidado diário, elas acabam tendo os hospitais como endereço por mais tempo simplesmente porque não há outra saída. Presos na absoluta falta de afeto e nos entraves administrativos e burocráticos de um sistema social cheio de lacunas, esses pacientes só encontram alento na ajuda de profissionais da assistência social e saúde ou voluntários, desconhecidos, que se dedicam a encontrar o melhor destino possível para eles.
O R7 visitou hospitais públicos do Distrito Federal e encontrou uma dezena de pacientes nessa situação. Os números variam, já que novos pacientes chegam e outros recebem alta e vão para instituições de longa permanência. Em menor número, há aqueles que reestabelecem laços familiares e voltam para o convívio com parentes.
Ao receber a reportagem em uma sexta-feira de manhã, Luiza fica feliz. Fala sobre os brinquedos, se deixa fotografar. A vizinha de leito — são outros cinco na enfermaria — diz que acha que ela vai ganhar uma casa, uma família. Luiza fica ainda mais feliz.
— Estou aqui há muito tempo. Quero ir para casa.
Mas não há casa. Luiza recebia o cuidados dos pais na casa da família até eles falecerem. Quando morreram, ela ficou sem assistência nenhuma e a situação de risco a levou ao hospital. Ao ser internada pela primeira vez, o serviço social do DF localizou uma irmã. Mas as duas não têm laços afetivos. Mãe solteira de duas crianças e tendo que trabalhar para sustentar os três, a irmã não ter condições financeiras para cuidar de Luiza em casa, e entrou com uma ação na Justiça para que a curatela, instrumento de representação de pessoas juridicamente incapazes, fique com o Estado.

Para cuidar de Luiza, a irmã teria que parar de trabalhar, mas na avaliação do serviço social ela não teria como sustentar quatro pessoas com o salário mínimo que pessoas com deficiência têm direito pelo BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago pelo INSS a idosos ou deficientes de qualquer idade em situação de pobreza).
Luiza é antiga conhecida das enfermeiras e assistentes sociais do HRT porque já foi internada outras vezes, o que é comum para os pacientes em situação social fragilizada, como ela. No dia em que recebeu a reportagem estava calma, mas os funcionários do hospital sabem que ela fica nervosa e muitas vezes chora, quando lembra dos pais. Segundo a assistente social do HRT Eula Carneiro situações como a dela são complexas.
— Quando recebemos uma pessoa sozinha, fazemos um trabalho de formiguinha para identificar as famílias e buscar os laços desses pacientes. Quando são localizados, a gente tenta que a família acolha o paciente, mas nem sempre é possível. Quando fica na família, a família precisa ter condições de sobreviver com o benefício. Fazemos avaliação conjunta com famílias quando achamos que o caminho é uma instituição. Neste caso é preciso enviar para um promotor de Justiça.
Quando a Justiça decide pela institucionalização, o UNISUAS (Central de vagas de acolhimento e atendimento emergencial do DF) passa a gerir a vaga, e o paciente só sai do hospital quando tem para onde ir.
Isso significa dizer que o paciente pode estar em condições de alta mas acaba tendo que ocupar um leito de hospital até que um local possa recebê-lo. Na teoria, há locais para esses pacientes, mas na prática a assistência social relata várias dificuldades no processo: casas que atendem só um tipo de paciente, ou que são distantes de um tratamento importante, como no caso da hemodiálise, ou há vaga e não há transporte. No caso de Luiza, a dificuldade é encontrar uma instituição que acolha doentes mentais e esteja adaptada para a mobilidade reduzida dela em função da amputação. Além disso, há uma fila — atualmente são 200 pessoas no DF na fila por vagas em instituições de longa permanência.
Quando um paciente vai para uma instituição, privada ou filantrópica, a instituição passa a receber o BPC, mas o dinheiro não cobre os gastos da maioria dos pacientes. A crise financeira do País tem deixado o trabalho ainda mais difícil, como explica a gerente de Serviço Social, Lucineia Moreli.
— O trabalho social sofre impacto da crise econômica, o desemprego, a retração de políticas públicas de suporte, de apoio. Trabalhamos em parcerias com outras políticas públicas. De Saúde e de Assistência Social, se há retração, menos orçamento, isso impacta na nossa vida.
No HRT, a assistente social Gislene Chaves fala da falta de laços que leva ao abandono de pacientes:
A assistente social Silvana Sebata, do HRT (Hospital Regional de Taguatinga) fala sobre a falta de vagas em unidades de longa permanência:















