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Exclusivo: espião da ditadura, Cabo Anselmo diz que foi traído por chefe da repressão após entregar namorada

Autobiografia do mais conhecido agente duplo brasileiro chega às livrarias; leia entrevista ao R7

Brasil|Alvaro Magalhães, do R7

“Não fiz nenhum juramento à foice e ao martelo”, afirma, em entrevista ao R7, José Anselmo dos Santos, 74 anos, o mais conhecido agente duplo da ditadura militar. Nos anos 1960, ele era um talismã da esquerda. Tinha um discurso incendiário e treinamento em Cuba. Dez anos mais tarde, revelou-se outro: infiltrado entre guerrilheiros, permitiu que a repressão prendesse e torturasse inimigos do regime. A Comissão Nacional da Verdade apontou, em seu relatório final, nove mortes relacionadas ao espião. Entre elas, a de Soledad Barrett Viedma, sua então namorada.

“Era uma pessoa doce”, diz Anselmo sobre Soledad. “Mas enérgica em relações às questões da ideologia”. Capturada em 1973 com a ajuda de Anselmo, ela foi torturada e morta ao lado de outros cinco militantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), em Pernambuco, no episódio que ficou conhecido como o Massacre da Chácara São Bento. “Foi o pior dia da minha vida”, diz Anselmo. O espião nega que a namorada estivesse grávida, como se acredita. E acusa seu chefe, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, já falecido, de não ter cumprido o acordo de poupá-la. “Eu pedi e ele prometeu.”

O infiltrado acaba de lançar a autobiografia Cabo Anselmo: Minha Verdade (256 páginas, R$ 39,90). Duas noites de autógrafo devem acontecer nesta semana, em São Paulo. Marinheiro de primeira classe — uma espécie de soldado da Marinha — foi chamado de “cabo” pela imprensa e assim ficou o apelido. Na semana passada, na sede da editora Matrix, na zona oeste de São Paulo, ele concedeu entrevista ao R7. Por duas horas, deu detalhes sobre sua atuação como colaborador, tratou de sua vida e do Brasil de hoje e elogiou as últimas manifestações pró-impeachment. Revelou que, anônimo, foi ao ato de 15 de março no Rio.

Anselmo respondeu sobre pontos nebulosos de sua biografia, como a ajuda do líder comunista Carlos Marighella na concepção do discurso que deu origem à Revolta dos Marinheiros, em 25 de março de 1964. “Ele mesmo sentou na máquina e me deu o discurso pronto”, diz. O encontro teria acontecido na rua México, centro do Rio. A fala de Anselmo na festa de aniversário da associação dos marinheiros provocou um levante que irritaria a cúpula das Forças Armadas e se tornaria um dos estopins para o golpe militar ocorrido em 1º de abril, uma semana depois.

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O espião deu detalhes também sobre como escapou da delegacia do Alto da Boa Vista, no Rio, em 1966. Após o golpe, Anselmo permaneceu preso por dois anos. Para fugir, teria dito ao policial de plantão que havia marcado um encontro amoroso. “Foi um papo de homem: ‘Olha, eu vou encontrar uma menina ali e tal, volto já’.” A facilidade é apontada por alguns como um indício de que Anselmo já seria, naquela época, um colaborador do regime, possivelmente um agente da agência de espionagem americana, a CIA. Ele nega.

Anselmo afirma que passou a atuar a favor da polícia em 1971, após ser novamente preso, sofrer duas sessões de tortura e ser convidado a mudar de lado pelo delegado Fleury, um dos mais truculentos perseguidores de guerrilheiros. “Eu tinha já a intenção: ‘Bom, eu vou ser preso. E quando for preso, eu vou abrir o jogo’.” O espião diz ter aceitado a proposta após ter se decepcionado com a realidade cubana, durante os dois anos em que esteve na ilha. “Quando eu cheguei aqui [Brasil], o que eu vi nesta nação? As pessoas na rua, trabalhando, pleno emprego.”

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O espião confirma, ainda, a colaboração na captura de José Raimundo da Costa. “Sem dúvida nenhuma”. Ex-colega de Anselmo na Marinha e militante da VPR, José Raimundo está desaparecido desde 1971. Mas nega envolvimento em outras mortes, como as de Edgar Aquino Duarte e Aluizio Palhano Pedreira Ferreira. A certa altura da entrevista, Anselmo chega a afirmar que entregou Yoshitane Fujimori, ativista da VPR morto em 1970. Mas, em seguida, nega. “Não. O Fujimori, não”, diz. “Nessa época, eu nem estava nisso.”

Anselmo fala ainda de como sobrevive desde sua última ação como infiltrado, em 1973: a operação plástica para não ser reconhecido, o trabalho em uma madeireira e a atuação como consultor de recursos humanos para grandes empresas. Diz ter estudado os mestres da psicologia. “Eu li todo Freud, Adler, Jung.” E afirma ter aplicado técnicas de programação neurolinguística em treinamento de pessoal. “A programação neurolinguística foi boa para mim” diz. “Mas foi muito melhor trabalhar, travar relacionamentos.”

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Há anos, ele luta para recuperar sua carteira de identidade. “Você tem uma para mim aí?”, pergunta. Sua certidão de nascimento sumiu, e a Marinha, apesar de ter comparado suas digitais com as cadastradas quando era marinheiro, não pode fornecer o documento ao homem que foi banido da corporação em 1964, com o Ato Institucional nº 1 — o primeiro do regime militar. Apontado como um dos maiores traidores da história do Brasil, Anselmo diz ter a consciência tranquila. “Eu não acorrentei ninguém”, afirma. “A decisão foi pessoal, a decisão foi de cada um.” Ele diz ter traído a pátria no momento em que foi a Cuba aprender técnicas de guerrilha. Mas nega ter traído seus companheiros de luta armada. “Não fiz nenhum juramento à foice e ao martelo.”

LEIA NOS LINKS ABAIXO A ENTREVISTA DE ANSELMO AO R7:

Parte 1: Marighella, a Revolta dos Marinheiros e a fuga facilitada

Parte 2: A prisão em 1971 e a tortura

Parte 3: A decisão de mudar de lado e a vida como agente duplo

Parte 4: A morte de Soledad, a traição de Fleury

Parte 5: Os outros militantes presos ou mortos

Parte 6: A cirurgia plástica e a participação nos atos anti-Dilma

Parte 7: A 'consciência tranquila'

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