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Governo distribuiu 90% do estoque da cloroquina feita pelo Exército

Laboratório militar produziu 3,229 milhões de remédios, enviados aos 26 Estados e ao DF e a hospitais das Forças Armadas

Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7

Bolsonaro posou com caixa de cloroquina em 2020
Bolsonaro posou com caixa de cloroquina em 2020

Documento do Ministério da Defesa ao qual o R7 teve acesso mostra que sobraram no estoque do Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército 320.590 comprimidos de cloroquina, menos de 10% de tudo o que foi produzido desde o início da pandemia de covid-19.

Segundo a pasta, foram fabricados desde o início da pandemia 3.229.910 comprimidos de cloroquina 150 mg, ao custo de R$ 1.165.387,51. 

Em 2017, último ano em que o laboratório militar fabricou o composto antes de 2020, gastou-se R$ 43.334,44, com 265 mil comprimidos.

A cloroquina, remédio inicialmente utilizado contra a malária e lúpus, foi testada no primeiro semestre de 2020 em pacientes com covid. Desde então, os primeiros indícios a favor do medicamento foram sufocados por estudos científicos de todo o mundo que mostraram sua ineficácia contra a doença causada pelo novo coronavírus.


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O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, continuou defendendo a cloroquina como um dos medicamentos que poderiam ser utilizados no tratamento precoce da covid-19, prática considerada inútil pelos cientistas.

Entre seus argumentos a favor das drogas, o presidente diz que os cientistas futuramente podem mudar de ideia e afirma que elas têm baixo custo e não representam risco à saúde.


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Diversos institutos internacionais e nacionais, além da OMS (Organização Mundial de Saúde), afirmam que não há remédio comprovadamente eficaz para curar a doença e a única saída para amenizar os estragos da pandemia é a vacinação em todos os países.


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Bolsonaro pediu ajuda à Índia para o envio de insumos para a fabricação do medicamento em abril de 2020. Tomou o remédio em julho, quando foi infectado, e passou a ser o maior garoto propaganda mundial do medicamento desde então.

De acordo com o Ministério da Defesa, o Estado que recebeu mais pílulas de cloroquina foi o Rio Grande do Sul, com 504.500 comprimidos, seguido por São Paulo (316.000) e Amazonas (222.500).

Por enviar ao Amazonas comprimidos de cloroquina e não respiradores pouco antes do colapso do sistema de saúde estadual no início do ano que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, se viu obrigado a prestar esclarecimentos à Polícia Federal, em fevereiro, em um inquérito aberto pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Os 26 Estados e o Distrito Federal ficaram com 2.496.010 de pílulas e 413.310 foram enviadas a Organizações Militares de Saúde das Forças Armadas.

Laboratórios se beneficiam, mas desaconselham uso

Seis indústrias do país, além do Exército, fabricam a cloroquina ou a hidroxicloroquina, dois remédios diferentes, mas citados como similares até mesmo pelo presidente Jair Bolsonaro.

Todos os laboratórios acabaram beneficiados pela divulgação das supostas vantagens do tratamento precoce. Dados da Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) mostram que o consumo de remédios a base de cloroquina e hidroxicloroquina em farmácias e drogarias cresceu 110,3% na comparação entre 2020 e 2019.

O mês que registrou o maior número de vendas foi dezembro do ano passado, com 315.778 caixas adquiridas pelos brasileiros. No mesmo mês de 2019, foram vendidas 83.366 (278% menos). 

No início deste mês, a Apsen Farmacêutica, uma das principais fabricantes nacionais de hidroxicloroquina, posicionou-se contra o uso para o combate à covid-19. Outras três indústrias já haviam feito o mesmo.

Em nota de 4 de março, publicada em seu site, a empresa afirma que, "com base nas evidências científicas atuais, a Apsen recomenda a utilização da hidroxicloroquina apenas nas indicações previstas em bula, as quais são aprovadas pela Anvisa. E reitera que não há aprovação de nenhum órgão regulador da saúde para utilização no tratamento da covid-19 e nem da OMS".

Em bula, a droga é indicada para malária, lúpus e artrite reumatoide.

Também neste ano, o Instituto de Tecnologia em Fármacos, da Fiocruz, que produz a hidroxicloroquina, afirmou que "os estudos publicados até o momento não foram capazes de gerar evidências científicas que comprovem a eficácia desses ou de outros fármacos no tratamento da covid-19".

Se os laboratórios podem ter se posicionado tarde sobre os remédios, não faltaram outros avisos de que eles deveriam ser deixados de lado.

Em nota de maio de 2020, a Sociedade Brasileira de Imunologia alertava para o risco do uso dos dois medicamentos do chamado kit covid, que incluem ainda a azitromicina e a ivermectina. A entidade declarava que os remédios tinham efeitos colaterais que poderiam ser graves e que não havia qualquer evidência científica que justificasse suas escolhas.

No mesmo mês de maio, a OMS suspendeu os testes da cloroquina e da hidroxicloroquina para pacientes infectados pelo coronavírus.

Insumos ficaram 167% mais caros

Em outro documento, obtido por meio da lei de acesso à informação pelo R7, há detalhes da compra dos insumos indianos no ano passado.

Na resposta à reportagem, assinada pelo Ministério da Defesa e pelo Exército brasileiro, consta que o governo federal adquiriu 900 quilos do IFA Cloroquina, proveniente do fabricante IPCA, da Índia, e que o valor do insumo disparou em apenas dois meses.

O primeiro lote, de 300 kg, foi fechado pelo custo de R$ 488 o quilo. Os 600 kg restantes vieram por R$ 1.304 o quilo, um aumento de 167%.

O custo total dos insumos da Índia ficou em R$ 928.800.

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