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'Judiciário tem dificuldade em reconhecer racismo', diz sociólogo

Para Santiago Falluh Varella, problema é reflexo da sociedade

Brasil|Juliana Moraes, do R7

Judiciário reflete relação da sociedade com racismo
Judiciário reflete relação da sociedade com racismo

A abolição da escravatura tem 129 anos, mas a Justiça no Brasil ainda tem dificuldade em reconhecer o racismo nos processos trabalhistas. Nesta segunda-feira (20), quando se comemora o Dia da Consciência Negra, o País ainda tem um longo caminho até a equidade. 

O diagnóstico é do cientista social Santiago Falluh Varella, que, em conversa com o R7, avalia os problemas do Judiciário e diz acreditar que o problema é reflexo do comportamento da sociedade.

"A questão é ampla e envolve estatísticas judiciárias. É difícil convencer o juiz durante o processamento sobre o cuidado de registrar as informações, de que esse registro [de processos que envolvem negros] melhorará o trabalho dos servidores", diz.

“Na verdade, é um reflexo o que ocorre na sociedade. Isso é malévolo porque é mais forte do que se pode imaginar. A pessoa tem o direito de recorrer ao Judiciário negado. Existe um conjunto de barreiras para esses processos não irem adiante. O próprio empregado que ouviu não sabe reconhecer se foi devido a uma discriminação”, observa.


A reportagem do R7 procurou o MPT (Ministério Público do Trabalho) em busca de dados sobre racismo em processos trabalhistas, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria. Já a Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST (Tribunal Superior do Trabalho) afirmou não possuir “nenhum dado sobre racismo em processos trabalhistas”.

O analista socioeconômico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e professor universitário Jefferson Mariano também falou ao R7 sobre a dificuldade em conseguir as informações.


“Aqui no IBGE, não tenho conhecimento de nenhum caso. O que sabemos é que ainda há grande dificuldade por parte do Judiciário em tratar da questão. Em muitas situações, a denúncia nem acaba ocorrendo e, quando acontece, é desqualificada. Só ficamos sabendo daquelas que ganham as redes”, explica.

O Locomotiva Instituto de Pesquisa também foi procurado pela reportagem, mas, assim como os demais, não tinha dados sobre processos trabalhistas movidos por conta de racismo.


Preconceito afeta o reconhecimento do racismo?

Para Varella, o preconceito existente no País é um dos motivos que levam o Judiciário a ter dificuldade em reconhecer o racismo na Justiça do Trabalho. “Lá [na Justiça] acontece o mesmo mecanismo do cotidiano. É uma discriminação velada e, muitas vezes, quem discrimina não entende que é uma discriminação”, avalia.

Ainda de acordo com o sociólogo, o direito do negro, muitas vezes, é negado. “Esse fenômeno acontece no nível da cultura. Existe uma subjetividade das pessoas que negam um direito ao negro. Isso é um reflexo histórico e que, de alguma maneira, se impõe a cada ato individual. Infelizmente, o que acontece no Judiciário é o mesmo que acontece no seio da sociedade”, destaca.

Varella diz acreditar que existe um racismo institucional. “Estudei exatamente isso. Mesmo com evidências concretas de que pretos eram preteridos tanto na entrada do mercado de trabalho quanto na ascensão do sistema, os juízes sempre diziam que existia um outro motivo. Segundo eles, as empresas são livres”, diz.

Racismo inconsciente

Varella também alerta para o fato de uma parcela da população que comete racismo sem ao menos perceber que está sendo preconceituosa. “Às vezes, a pessoa não tem consciência de que é racismo, porque, frequentemente, a imagem do negro é associada a algo negativo. Isso passa por todas as maneiras de ser e de agir”, comenta.

Por isso, o sociólogo enfatiza a necessidade de se investir em políticas públicas para criar um Judiciário mais preparado para lidar com o racismo. “Com o Judiciário despreparado, os efeitos na sociedade são injustos. O Judiciário é um braço do Estado, que deveria estar preparado para decidir direito de igualdade”, diz.

“O mecanismo de funcionamento do racismo não encontra no Judiciário uma perspectiva de um direito coletivo, de entender o funcionamento. Existe uma questão próxima de que o Brasil é um País de iguais, mas tem uma incapacidade institucional em lidar com direitos coletivos. O órgão preparado para esse tipo de ação é o MPT, mas, mesmo assumindo que eles estão preparados, depois vai para o Judiciário”, acrescenta.

Para o sociólogo, as políticas afirmativas são essenciais para diminuir o preconceito. “Essas políticas têm que ser para além da entrada na universidade. Elas precisam se estender para o mercado de trabalho. Dentro das instituições, é preciso recrutar melhor juízes, formar melhor servidores”, conclui.

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