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Lei de Anistia: 40 anos recebendo críticas de todos os lados

Assinada em 1979, pelo presidente Figueiredo, legislação abriu caminho para reparações econômicas de vítimas de perseguições políticas na ditadura

Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7

Prestes e Brizola retornaram ao país após anistia
Prestes e Brizola retornaram ao país após anistia

A Lei de Anistia completa 40 anos nesta quarta-feira (28) em meio a uma nova enxurrada de críticas. Nada que ela, em suas quatro décadas, já não esteja acostumada. Inicialmente, foi considerada falha pela direita, por permitir liberdade aos agitadores da ordem e o retorno ao país de um grupo que desafiava os governantes. Anos depois, a esquerda questionou a forma como a regulamentação posterior decidiu reparar os erros do regime militar: financeiramente apenas, sem apontar culpados, sem dar nomes e penas aos torturadores. Agora, no governo do presidente Jair Bolsonaro, o número alto de beneficiados (quase 40 mil pessoas) e o custo das indenizações são questionados – foram pagos, no total, quase R$ 10 bilhões.

Podem requerer a anistia todos os (civis e militares) que se consideram atingidos por perseguições políticas, que tiveram de viver na clandestinidade ou foram prejudicados por atos de exceção ocorridos entre 18 de setembro de 1946 e a Constituição de 1988, promulgada em 5 de outubro. O caminho é sempre via Comissão da Anistia, criada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no final de seu segundo mandato, em 2001.

De março a agosto%2C todos os pedidos foram indeferidos

(Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos)

A intenção do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, é reduzir o número de novos pagamentos. Desde 1985, quando entrou em vigor a lei que regulamenta as indenizações, aproximadamente 78.500 processos foram apresentados à Comissão de Anistia, com 39.300 aceitos (50%).

Em 2019, a realidade é outra. Conforme os dados de um balanço divulgado sexta-feira (23) no site do ministério, de março a agosto, foram analisados “1.781 requerimentos remanescentes de gestões anteriores e 66 da atual gestão, que resultaram em 1.847 portarias de indeferimentos”. Em outras palavras, todos foram recusados. Ela foi obrigada pela Justiça, no entanto, a aceitar 34 novos anistiados.


Damares prometeu no início do ano dificultar o acesso às indenizações. “Os benefícios devem ser entregues a quem realmente tem direito, de forma a evitar o uso indevido dos recursos”, afirmou. Ela segue a cartilha ditada por Bolsonaro, que tem reclamado do uso de dinheiro público para atender ao que considera supostas vítimas. “Dinheiro suado, do povo ordeiro e trabalhador, pago a 39.370 pessoas ditas perseguidas e autointituladas defensoras da democracia”, escreveu o presidente no início de agosto.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, além dos R$ 10 bilhões que já foram gastos, outros R$ 14 bilhões já estão comprometidos com esses pagamentos.


Se o número de quase 40 mil pessoas é alto, precisa-se levar em conta que 21.922 integrantes da lista são ex-vereadores que não recebiam vencimentos no período militar e foram incluídos como anistiados pela legislação. Eles representam 55,74% da relação e puderam acrescentar esse período ao cálculo de suas aposentadorias, mas não ganham ou ganharam qualquer valor em dinheiro. O segundo grupo com o maior número de benefícios é o das Forças Armadas, com 11,74% das pessoas. Empregados de empresas públicas e sociedade de economia mista eram 10,99%. 

Militares reconhecidos como anistiados foram inseridos nas folhas de pagamento da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e suas indenizações são quitadas pelo Ministério da Defesa. Todos os outros valores saem dos cofres do Tesouro Nacional.


As indenizações

O advogado Victor Neiva, representante dos anistiados na Comissão da Anistia, explica que há dois tipos de indenização possíveis. O primeiro, pago à vista, é dado a quem não consegue comprovar um trabalho no período em que teria sofrido a perseguição ou foi impedido de exercer a profissão – entre 1946 e 1988. Entram nesse caso também os estudantes. O cálculo, segundo a Lei nº 10.559/200, é de 30 salários mínimos para cada ano de perseguição, com o teto de R$ 100 mil.

O segundo tipo é pago nas situações em que se comprova que a pessoa ficou meses, anos sem receber seus salários e foi prejudicada no restante da carreira por causa do regime político em vigor. A maior parte das indenizações refere-se ao período militar, que vai do golpe de 1964 a 1985.

O artigo sexto da Lei de Anistia fala sobre a prestação mensal, que é permanente. “Nesse caso você calcula quanto a pessoa estaria recebendo hoje se tivesse continuado na profissão”, explica o advogado. O complexo levantamento leva em conta brasileiros com idade e ocupações similares. “Se, por exemplo, ela era uma professora, olhamos para seus companheiros da época para saber em que cargos estão hoje. Se boa parte se tornou diretor, o salário usado como parâmetro vai ser o de diretoria”, acrescenta.

Também entram na conta dissídios e aumentos à categoria, promoções e benefícios que os trabalhadores da ativa têm direito e incorporaram a seus ganhos, além de décimo-terceiro, planos de saúde, abonos e prêmios das empresas. “Por isso as prestações sobem bastante na definição do valor pela Comissão de Anistia e costumam ser aumentados em decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal)”, afirma.

Por serem indenizações, todos os valores são isentos de pagamento do Imposto de Renda. Os benefícios ficam ainda maiores por culpa da morosidade do sistema judiciário brasileiro. “Como há processos que demoram muitos anos, a reparação quando é paga tem que cobrir esse período de espera”, explica Victor Neiva.

Ele analisa que a lei de 1985 não tenta reparar os valores que a pessoa deixou de receber ou indenizá-la por torturas ou danos físicos e psicológicos, mas sim dá a ela um valor a partir da aprovação da mensalidade. “É como se tivesse a intenção de ocultar os fatos históricos, sem revisar o passado e sem admitir o erro dos regimes ditatoriais”, comentou.

Processos famosos

Entre as solicitações de indenização que estão para ser analisadas pela equipe de Damares Alves, remodelada neste novo governo com a entrada de diversos militares, uma tem sido adiada indefinidamente: a da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), retirada do cargo em um processo de impeachment em 2016.

Dilma pede indenização por ter sido perseguida politicamente pela ditadura militar do período em que foi presa, em 1970, até a promulgação da Lei de Anistia, em 1979.

Damares prometeu rever "caixinha das anistias"
Damares prometeu rever "caixinha das anistias"

O site Memórias da Ditadura, organizado pelo Instituto Vladimir Herzog, dá alguns detalhes do que passou a ex-presidente. “Em 1970, Dilma foi presa e submetida a torturas em São Paulo (Oban e DOPS), no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. As torturas aplicadas foram o pau de arara, a palmatória, choques e socos, que causaram problemas em sua arcada dentária. No total, foi condenada a seis anos e um mês de prisão, além ter os direitos políticos cassados por dez anos. No entanto, conseguiu redução da pena junto ao Superior Tribunal Militar (STM) e saiu da prisão no final de 1972.”

Em seu requerimento, Dilma pede a contagem de tempo para efeitos de aposentadoria e o valor de cerca de R$ 10,7 mil mensais. A resposta do ministério promete causar polêmica. Damares assumiu o cargo falando que iria abrir a “caixinha das anistias”, prometendo rever as concessões e citando que olharia com atenção ainda maior o pedido de Dilma.

A lista de todos os pedidos, aceitos ou não, é pública. Nela, ainda não aparece Dilma, mas há outros famosos. O ex-ministro da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu (PT), hoje preso por envolvimento com o escândalo de corrupção na Petrobras, recebeu uma parcela única de R$ 59.400, correspondente na época em que foi concedido a 330 salários mínimos. A indenização foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 7 de março de 2002.

A direita também está presente. Em 19 de dezembro de 2002, o DOU informou que o ex-senador José Serra (PSDB) tornou-se anistiado político e passou a somar a seu tempo de serviço, para efeito de aposentadoria, o período de janeiro de 1966 a fevereiro de 1978, excluindo-se o ano de 1975, totalizando 11 anos e 29 dias.

Também recebeu parcela única, em 2010, o ex-senador goiano e hoje prefeito de Goiânia, Iris Rezende Machado. Ele atingiu o teto da parcela única: R$ 100 mil.

A anistia beneficiou mais de 100 presos políticos e permitiu o retorno de cerca de 150 pessoas banidas e mais de duas mil exiladas

(Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos)

História

Em 28 de agosto de 1979, o presidente militar João Baptista Figueiredo assinou a lei 6.683, que concedia anistia a brasileiros autores de crimes políticos ou eleitorais e aos perseguidos por atos do governo militar. A ditadura seguiu até 1985, mas seus principais opositores puderam voltar ao país, dentre os quais líderes de esquerda como Leonel Brizola e Luis Carlos Prestes, músicos como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque e intelectuais como Darcy Ribeiro e Paulo Freire.

A anistia beneficiou mais de 100 presos políticos e permitiu o retorno de cerca de 150 pessoas banidas e mais de duas mil exiladas. 

Se hoje tem-se a impressão que a lei era inevitável e é até comum se ouvir a versão de que foi uma iniciativa dos próprios militares o perdão aos opositores, a revisitação a 1979 mostra que não foi bem isso o que aconteceu.

Inúmeras passeatas pelo país pressionavam o governo federal, que, sem saída, enviou em junho daquele ano uma proposta de anistia a presos e exilados ao Congresso Nacional. Enquanto os parlamentares discutiam a lei, um grupo de presos políticos ficou 32 dias em greve de fome até a aprovação do texto, sancionado no dia 28 de agosto pelo presidente Figueiredo.

A lei deixava de fora os condenados por crimes de terrorismo, atentado pessoal ou sequestro e trazia benefícios aos militares: incluiu as esposas demitidas nos Atos Institucionais e perdoou os crimes realizados por membros das Forças Armadas durante o regime militar.

Não era uma lei que pedia desculpas ou punia torturadores. Pelo contrário, só com muito custo e pressão de entidades de direitos humanos é que, em 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) criou a Comissão de Anistia, órgão responsável por receber os pedidos de indenização de vítimas e de suas famílias e por providenciar a reparação econômica prevista numa lei de 1985.

Em 2011, a Comissão da Verdade, montada em Brasília, resolveu ir mais a fundo para esclarecer os crimes e perseguições do período militar, procurando corpos, revelando documentos secretos e identificado vítimas que nunca tinham tido direito a investigação.

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