Lula: de líder político influente no mundo a preso por corrupção
Como o representante dos operários levou país ao auge após anos de crise e acabou no centro de um escândalo de corrupção generalizada
Brasil|Fernando Mellis, do R7
As últimas quatro décadas foram de intensa mudança no cenário políticos brasileiro. Nesse contexto, o nome de Luiz Inácio Lula da Silva sempre esteve presente. Nascido em Garanhuns (PE), em 27 de outubro de 1945, a história da juventude dele se assemelha à de milhões de nordestinos que migraram para o Sudeste em busca de uma vida melhor.
Aos oito anos, Lula trabalhava como ambulante e depois como engraxate. Mudou-se para São Paulo com a mãe após os pais se separarem. Foi quando concluiu o ensino médio e ingressou em um curso técnico de torneiro mecânico. Naquela época, já trabalhava em uma metalúrgica.
Em meio aos metalúrgicos, Lula conseguiu seu primeiro cargo de natureza política, o de presidente do sindicato da categoria, em 1975, aos 30 anos. Ele foi eleito com 92% dos votos e representava cerca de 100 mil trabalhadores.
No sindicato, conheceu a mulher, Marisa Letícia, com quem ficou casado por 43 anos — ela morreu em 2017 — e teve três filhos: Fábio Luís, Sandro Luís e Luís Cláudio. Lula também adotou Marcos, filho que a mulher já tinha do casamento anterior.
Após comandar as greves do ABC, foi preso em abril de 1980 e ficou por 31 dias na cadeia. Dois meses antes, havia participado da fundação do Partido dos Trabalhadores, do qual nunca saiu e permanece até hoje, como presidente de honra.
Elegeu-se deputado federal em 1986 com o maior número de votos naquela eleição: 650 mil. Nas três disputas presidenciais seguintes (1989, 1994 e 1998) concorreu, mas acabou derrotado.
Na campanha de 2002, Lula escreveu a "Carta aos Brasileiros", em que se comprometia a honrar contratos, dialogar com todos os segmentos da sociedade e a manter o país estabilizado. O petista venceu a disputa com 61,27% dos votos, contra 38,73% do adversário, José Serra (PSDB).
Primeiro mandato
Como um sinal ao mercado de que estava comprometido com a economia, nomeou o deputado federal tucano Henrique Meirelles para comandar o Banco Central. A política econômica adotada por Lula derrubou a inflação e os juros.
O PIB (Produto Interno Bruto) chegou a crescer 5,7% ao ano, em 2004, e 4%, em 2006. A taxa anual de desemprego caiu de 12,6% (2002) para 9,9% (2006).
Uma das primeiras medidas na área social foi o programa Fome Zero, que tinha como meta erradicar a fome no país em quatro anos. Em 2003, criou o Bolsa Família, apontado em um relatório das Nações Unidas como uma exemplo em erradicação da pobreza.
Desde o começo, Lula priorizou relações com países da América Latina e Caribe. Essa aproximação permitiu a criação da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), além de um fortalecimento do Mercosul.
Foi no fim do seu primeiro mandato que Lula viu o nome do PT começar a se desgastar, com o escândalo do mensalão. O esquema envolvia o pagamento de propina a parlamentares para a aprovação de projetos de lei do interesse do governo.
Mesmo em meio à turbulência política causada pelo mensalão, a economia andava bem e Lula começou 2006 com 36% dos brasileiros considerando o governo dele ótimo ou bom, segundo o Ibope. Em agosto daquele ano, o Datafolha registrou a maior aprovação de um presidente: 52%. Lula foi reeleito no segundo turno, derrotando o tucano Geraldo Alckmin.
Segundo mandato
O petista começou 2007 com a preocupação de recuperar a imagem do governo. Juntou diversos projetos de infraestrutura que estavam em andamento e deu o nome de PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), por ideia do marqueteiro João Santana, que comandou a campanha de reeleição.
O governo ainda lançou o programa Minha Casa Minha Vida em 2009, destinado a financiar moradias para famílias de baixa renda e classe média. O planejamento era construir 1 milhão de casas em dois anos, com investimento de R$ 34 bilhões.
A economia cresceu 6,1% em 2007 e 5,1% em 2008. Com a crise nos Estados Unidos, Lula enfrentou o primeiro PIB ruim em 2009: -0,1%. Mas com medidas econômicas — que mais tarde viriam a ser questionadas —, conseguiu com que a economia se expandisse 7,5% em 2010: melhor resultado desde 1986.
A taxa de desemprego também fechou o ano no menor patamar até então: 6,7%. A inflação terminou 2010 em 5,91%.
Com a economia de vento em popa, Lula foi eleito em 2010 pela revista norte-americana Time um dos líderes mais influentes do mundo. No texto, o cineasta Michael Moore o descreveu como o “verdadeiro filho da classe trabalhadora da América Latina”.
No ano anterior, o jornal britânico Financial Times havia incluído Lula em uma lista das "50 personalidades que moldaram a última década". Também em 2009, os jornais Le Monde (França) e El País (Espanha), elegeram o petista como "homem do ano" e "personagem do ano", respectivamente.
Lula atingiu um recorde de popularidade (87% consideravam o governo ótimo ou bom, segundo o Ibope) no final de 2010. Esse mérito o ajudou a eleger a sucessora: Dilma Rousseff, meses antes.
"Esse é o cara! Eu adoro esse cara! É o mais popular político do mundo!", disse o ex-presidente americano Barack Obama sobre Lula, em 2009.
Pós-governo
Fora de Brasília, Lula fundou um instituto que leva seu nome e viajava o mundo dando palestras. Também participou ativamente das eleições municipais e gerais seguintes.
Logo após deixar o cargo, enfrentou um câncer na laringe. Com tratamento de quimioterapia, Lula estava curado em pouco mais de um ano.
Em 2014, começou a ser revelado o esquema de corrupção que funcionou na Petrobras durante os governos dele e de Dilma, desviando bilhões de reais em contratos superfaturados com construtoras.
Importantes nomes do PT são envolvidos nas investigações, como os ex-ministros de confiança de Lula Antonio Palocci e José Dirceu; o ex-deputado Cândido Vaccarezza, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, a senadora Gleisi Hoffmann e o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo; o ex-governador da Bahia e ex-ministro de Dilma Jaques Wagner, entre outros.
A imagem do Partido dos Trabalhadores começou ficar cada vez mais desgastada conforme novos escândalos eram revelados. Lula passou a ser investigado por supostos benefícios recebidos de construturas citadas na Lava Jato, como a Odebrecht e OAS.
Esta última, teria sido a responsável pela aquisição e reforma do tríplex no Guarujá (SP), que motivou a primeira condenação do petista a 12 anos e um mês de prisão. A Odebrecht está envolvida na reforma de um sítio em Atibaia (SP), cuja propriedade também era atribuída ao ex-presidente.
A ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu vítima de um aneurisma no começo de 2017, também era investigada. Lula culpou a Lava Jato pela morte da mulher.
Além disso, o ex-presidente também é alvo de outros processos, como o que investiga a venda de medidas provisórias para beneficiar montadoras de veículos e o que apura tráfico de influência por parte dele na liberação de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para obras da Odebrecht em Angola.
No começo de 2016, o PT temia que Lula pudesse ser preso por ordem do juiz Sérgio Moro. Antes disso, a casa do ex-presidente havia sido alvo de mandado de busca e apreensão e ele levado a prestar depoimento. Foi então que a então presidente Dilma resolveu nomeá-lo ministro da Casa Civil, cargo que confere foro privilegiado. A medida gerou protestos por todo o país e acabou barrado pela Justiça.
O impeachment da presidente Dilma naquele ano causou ainda mais desgate à imagem de Lula e do PT fez com que o ex-presidente voltasse a ter protagonismo na cena política.
Candidatura
Decidido a enfrentar os acusadores, inclusive os adversários políticos, Lula anunciou, aos 72 anos, que se candidataria à Presidência neste ano, mesmo sob o risco de ser barrado pela Lei da Ficha Limpa.
O nome do petista liderou as pesquisas de intenções de voto e colocou uma incógnita sobre o cenário eleitoral. Mas antes mesmo de ver seu nome inscrito na disputa, Lula terá que enfrentar outro problema: sair da cadeia.