Marco Antônio Villa: Vaia também é exercício de democracia
Roger Waters, um roqueiro já próximo da aposentadoria, emitiu juízo panfletário sobre o processo eleitoral brasileiro
Brasil|Marco Antonio Villa, especial para o R7
Um roqueiro já próximo da aposentadoria — Roger Waters — emitiu juízo panfletário sobre o processo eleitoral brasileiro. Não é a primeira vez e nem será a última. Comparou o candidato Jair Bolsonaro a políticos do Hemisfério Norte que identificaram sua política à negação dos valores históricos dos direitos humanos.
Mais ainda, quis relacionar as eleições presidenciais a um processo que nada tem a ver com o que está ocorrendo no Brasil. A nossa especificidade, mais uma vez, foi negada, suprimida. Categoriais políticas — como a de fascismo — estão distantes do significado histórico das eleições de 2018. Não faltam outros conceitos no receituário da Ciência Política, porém há sempre um desejo de uniformizar – mesmo que à força – fenômenos absolutamente díspares na sua gênese e no seu desenvolvimento, como é o caso de Bolsonaro.
Neste fato há uma relação direta com o longo domínio petista que destruiu a estrutura de Estado, organizou o maior desvio de recursos públicos da história — o petrolão — e desmoralizou as instituições do Estado democrático de Direito. Em síntese: a democracia acabou sendo associada à corrupção, como se a sua existência fosse a razão que explicasse e justificasse o petismo.
Visões estereotipadas do Brasil marcaram um desencontro de vários séculos entre o nosso país e estrangeiros que, mesmo em uma breve estada, imaginam que conhecem uma realidade tão complexa como a nossa e que podem — alguns acham que devem — emitir juízos sobre os nossos problemas. É como se não tivéssemos uma maioridade política e, assim, dependeríamos de que alguém falasse em nosso nome.
Causa maior repulsa neste momento histórico. Por que? Vivemos em um regime de plenas liberdades democráticas e com ampla garantia do direito de expressão. Assim, nos falamos pela nossa própria voz. Não precisamos de intérpretes, muito menos da qualidade de um Waters.
O velho roqueiro ficou irritado com as vaias. Só gosta de concordâncias. Discordâncias são repudiadas. Isto é democracia? Democracia não é a convivência dos contrários? Não é aceitar opiniões diversas das nossas? Waters não parte do pressuposto de que é no debate livre que se constrói as ideias? Quer só ouvir sim? Só aplausos? Não admite vaias? Se autocensura e acha que isso é censura? Se tem opinião formada – com base no que? - porque não manteve a crítica que expôs no primeiro espetáculo? Será que se arrependeu?
Pode ser uma lição. Tem de, antes de opinar — mais ainda: julgar — conhecer a realidade do país que o recebe de forma gentil e educada. E de onde está levando muito dinheiro — ganho honestamente, é verdade. Seus fãs estavam lá para ouvir a sua música. Queria se divertir, relaxar. E só.
*Marco Antonio Villa é historiador