MT, RJ e DF seriam top 5 em ranking de mortes por países na pandemia
As sedes da Copa América, entre as quais se inclui Goiás, vão receber competição em meio à segunda onda da covid-19
Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7*
A realização da Copa América no Brasil, prevista para ter início em 13 de junho, vai colocar em prova estados brasileiros com altos números de casos e mortes na pandemia de covid-19.
Se fossem países, os quatros estados escolhidos como sede ocupariam as primeiras posições no ranking de mortes por 100 mil habitantes. A pior situação é a de Mato Grosso, que contará com jogos em Cuiabá.
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Em um cruzamento dos dados dos painéis Our World in Data, abastecido por pesquisadores da Universidade de Oxford, e Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Mato Grosso tem o índice de 307,8 mortes para cada 100 mil habitantes, bem acima dos 223,4 do Brasil e superado apenas por dois países do planeta: Peru, com 560,9 e Hungria, quase colada, com 308,3.
Mato Grosso ficaria com a terceira posição e seria seguido pelo Rio de Janeiro, com 292,9, e pelo Distrito Federal (286,6). O atual terceiro no ranking mundial é a Bosnia Herzegovina (284).
A única sede fora desse top 5 seria Goiás. Se fosse um país, ocuparia hoje o nono lugar no quadro geral, com 242,3 mortes por 100 mil habitantes – acrescentando os quatro estados, cai para 12º.
O governo federal não pode ser acusado, no entanto, de ter escolhido os locais do país com os piores índices de morte por covid. Acima de Mato Grosso nesse ranking aparecem ainda dois estados: Rondônia (322,2) e Amazonas (313,1).
Veja o ranking de países com os quatro estados inseridos (por 100 mil habitantes):
1º - Peru - 560,9
2º - Hungria - 308,3
3º Mato Grosso - 307,8
4º Rio de Janeiro- 292,9
5º Distrito Federal - 286,6
6º - Bósnia Herzegovina - 284
7º - República Tcheca - 281,4
8º - San Marino - 265,1
9º - Macedonia - 260,8
10º - Bulgária - 256
11º - Montenegro - 252,6
12º Goiás - 242,3
Fonte: Our World in Data e Conass
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Segundo o protocolo da Conmebol, organizadora da competição, os jogadores estão proibidos de passear pelas cidades e os hotéis terão de evitar o contato das delegações com os torcedores.
De acordo com o documento, seguranças que acompanham as equipes farão relatórios periódicos para coibir eventuais excessos na pandemia.
Em outras palavras, a Confederação Sul-Americana de Futebol acredita que todos os integrantes das delegações que chegarem ao final da Copa ficarão 27 dias confinados em seus hotéis, obedecendo rigidamente a regra de só fazerem os percursos, sem paradas, das hospedagens aos treinos ou aos jogos, e vice-versa.
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O R7 buscou o posicionamento sobre os riscos ligados ao evento dos quatro governos estaduais que terão o torneio de futebol em seus territórios. Também perguntou que protocolos serão adotados em hotéis, cidades e estádios que vão receber os jogadores e as partidas.
O governo do Distrito Federal, único que respondeu até o fechamento desta edição, afirma que a organização da Copa América compete à Conmebol, a quem cabe definir a hospedagem dos jogadores e da equipe técnica dos times participantes. Declarou também que a administração do Estádio Nacional Mané Garrincha não é mais de sua responsabilidade.
A reportagem também foi atrás dos Ministérios Públicos dos quatro estados, tentando saber se haveria algum posicionamento do órgão relacionado à Copa América.
O MP do Distrito Federal disse que "aguarda informações oficiais sobre as regras para a realização de jogos e o cumprimento dos protocolos de segurança sanitária". E que "a força-tarefa vem acompanhando a realização de eventos esportivos desde o início da pandemia e continuará o trabalho de fiscalização nas partidas da Copa América que vierem a ocorrer em Brasília".
O MP de Mato Grosso afirmou, por telefone, que, como o anúncio oficial da realização da Copa América ocorreu apenas na quarta-feira (2), ainda não houve tempo para se decidir o que será feito pelo órgão.
Consultado, o Ministério da Saúde afirmou que elabora, sem saber em que prazo vai concluí-lo, um documento com os procedimentos de segurança sanitária que serão adotados na Copa América, que começa em menos de dez dias.
A Conmebol, que segundo o presidente Jair Bolsonaro, é quem comandará o protocolo da competição, não soube informar se vai auxiliar de alguma forma o Ministério da Saúde na feitura desse documento.
Incontrolável
O advogado Raimundo da Costa Santos Neto, procurador do Distrito Federal e ex-diretor nacional do departamento de alto rendimento no Ministério do Esporte, vê com grande preocupação a disputa da Copa América no Brasil.
"Trazer a competição é uma decisão que não pode ser tomada sem contar com as autoridades públicas da área de saúde", argumenta. "O Rio está com 95% de lotação nos hospitais, os protocolos de segurança dos clubes têm se mostrado falhos quase sempre e os jogadores que vierem podem se tornar vetores de uma variante que a gente nem conhecia ainda."
Santos Neto considera inadmissível que enquanto países do mundo estão fechando fronteiras, o Brasil resolva abri-las. "É incontrolável. Se você pensar que as pessoas vão para as ruas quando o time ganha o Campeonato Brasileiro, imagina o que vai ser jogo da Seleção. E se o Brasil ganhar a Copa América?", questiona.
O procurador do DF diz ainda que os protocolos de segurança de combate à pandemia estão bastante permissivos no momento e devem se tornar ainda mais frágeis na competição.
"Não se sabe nada ainda. Qual o protocolo de chegada de jogadores? Vem gente dos cinco cantos do mundo. É bastante temerário aceitar essa competição. O Brasil tem outras prioridades", finaliza Santos Neto.
Protocolo insuficiente
Consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), o médico infectologista David Urbaéz afirma que os protocolos citados são insuficientes para a realização de um evento dessa magnitude não apenas no Brasil, mas em qualquer outro país da América do Sul e o torneio deveria ser suspenso.
"Os jogadores não vão sair, mas e a equipe de apoio? O ideal é um planejamento onde essas pessoas se isolem por pelo menos 14 dias antes da competição iniciar. Além disso, é necessário um mapa com todas o pessoal necessário, com todas as atividades necessárias. Ou seja, todo esse contigente de gente teria que ficar isolado. Mesmo assim, isso só funcionaria em locais onde você tem baixa circulação viral, o que não é o caso do Brasil."
Urbaéz destaca ainda que a pandemia nunca foi reconhecida como tal no país. "O indicador de morte por 100 mil habitantes, depois de um ano de pandemia, mostra as marcas de como esse componente epidemiológico vem se comportando", afirma. "É assustador, mas nunca foi reconhecido de fato como tal. Não se faz medição e a probabilidade de se cruzar com pessoas infectadas é grande."
* Com Ulisses de Oliveira, do Portal R7