“O preconceito contra os índios está em todos os lugares”, diz jovem liderança indígena
Fábio Turibo tem 20 anos e trabalha com educação em aldeias e retomadas no Mato Grosso do Sul
Brasil|Diego Junqueira, do R7
Aos 20 anos de idade, o trabalho de Fábio Turibo é viajar por aldeias e retomadas do Mato Grosso do Sul para explicar a jovens e adolescentes quais são os direitos dos índios no Brasil e quais são os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional que ameaçam esses povos.
— A gente sempre está orientando a juventude sobre como estão os processos [de demarcação de terras], informações sobre os direitos dos povos indígenas, as leis que nos ameaçam hoje no congresso, que tramitam no STF. Trabalhamos informações com a juventude.
Fábio faz parte do movimento da juventude dos guaranis-kaiowás, o RAJ (Retomada da Aty Jovem).
Nascido em Dourados, a região mais perigosa do Brasil para os índios, ele cresceu em Rio Brilhante, 60 km mais ao norte. Lá fica a retomada Jeruvey, onde ele vive há três anos com os pais e os irmãos.
As “retomadas” são um processo iniciado nos anos 1980 em que os índios buscam reocupar seus antigos territórios ou áreas já delimitadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio), mas ainda não homologadas pela Presidência da República.
Com o processo de retomada — classificado como “invasões” pelo governo do Estado e pela Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul, que representa os grandes produtores rurais) —, intensificou-se a violência contra os índios, sobretudo contra lideranças indígenas. As comunidades acusam grupos de pistoleiros, contratados por fazendeiros, de promoverem tocaias e ataques.
Fábio afirma que os indígenas são “mais organizados nas retomadas” e que seus moradores, sobretudo crianças e adolescentes, mantém nesses locais a cultura e tradição dos povos indígenas, algo que “vai se perdendo dentro das aldeias”.
— As oito aldeias não foram [escolhidas] em lugares específicos. Foi uma área que o próprio governo demarcou. Hoje são lugares muito populosos. As pessoas foram confinadas nessas aldeias.
O jovem guarani-kaiowá afirma que um dos principais problemas enfrentados pela juventude indígena é o preconceito, que dificulta a inclusão das comunidades nas escolas e no mercado de trabalho, além de levar a casos de suicídio. Leia os principais trechos da entrevista ao R7:
Como é a vida na retomada onde você vive, já que são territórios que ainda não estão regularizados pela União, o que dificulta a implantação de políticas públicas?
Onde a gente mora no momento, é um lugar com casa de sapê, casa tradicional nossa mesmo, um lugar diferente de uma aldeia. A diferença das outras retomadas é que temos um ‘pouquinho’ de tranquilidade na nossa área. Não tem muito registro de assassinatos, tem outras áreas muito mais perigosas.
Na questão da água, a gente é atendido pelo município [de Rio Brilhante]. Temos um poço do próprio acampamento, que nós mesmos construímos. Em questão de saúde, a gente vai até o município. Não temos atendimento no local.
Como é o acesso ao emprego e à educação em Jeruvey?
As crianças pegam ônibus escolar da prefeitura, que passa na frente do acampamento e vai até a vila [onde vivem famílias de trabalhadores de uma fazenda], a 200 m do acampamento. Esse transporte escolar vai buscar os alunos da fazenda. Teve um acordo com a prefeitura para que dez crianças [indígenas] fossem para a escola municipal.
A maioria das pessoas trabalha na retomada mesmo, plantam os alimentos que preparam. Alguns plantam para vender, outros para o próprio consumo.
Qual a diferença de vida em uma retomada e em uma aldeia?
Existe muita diferença na questão das tradições. As crianças, adolescentes e jovens mantêm a cultura [indígena] nas retomadas, porque as pessoas são mais organizadas. As pessoas mantêm a tradição, aquilo que vai [se] perdendo dentro da aldeia, aquilo que a sociedade branca leva para a comunidade de uma aldeia. Dentro de uma retomada, [o índio] volta para as suas terras tradicionais. Tem isso de reconhecer o seu passado, o sagrado, de manter a cultura, a língua, a dança, de estar com a natureza. Isso é muito importante.
Por que isso não acontece nas aldeias?
Isso tem a ver com a história das aldeias. As oito aldeias [demarcadas pelo governo federal no início do século 20] não foram em lugares específicos, foram numa área que o próprio governo escolheu e demarcou. Hoje Dourados é uma aldeia muito populosa, depois vem Amambai, Porto Lindo, Paranhos. As pessoas foram confinadas nessas aldeias. Quem volta para as retomadas, sabem que lá vão manter sua tradição, a cultura, a língua, a reza, vão viver com a natureza. Já é outra forma de vida.
Como vocês lidam com o resgate da tradição nas retomadas, num contexto em que vocês disputam territórios, o que em alguns casos provoca episódios de violência?
No momento em que estamos vivendo hoje no Brasil, com leis que ameaçam os direitos indígenas, isso coloca mais ainda na população que está na retomada [a necessidade] de entender que não são só as ameaças de morte, mas manter a esperança na reza, no viver, na história ali. Lutar pelas suas terras, lutar pelas suas áreas tradicionais se fortalece mais.
O governo do Estado e uma parte da população não-indígena veem as retomadas como invasões. Tem gente que pensa que vocês querem roubar a terra dos outros. Como vocês lidam com isso?
Hoje o preconceito, essa discriminação, não é só na questão do governo, mas está em todos os lugares. O Estado do Mato Grosso do Sul é o berço do agronegócio, então, além do próprio governo do Estado, é o fazendeiro [que discrimina]. O preconceito vem do Estado, que repassa às empresas, às grandes indústrias. Veio para a cidade também, nas faculdades particulares, [atinge] quem tem bolsa nas particulares, e até mesmo nas universidades públicas, nos postos de saúde. Esse preconceito é o que mais transtorna os povos guarani-kaiowá. Quem sofre mais são os adolescentes e a juventude, que estão iniciando seu trabalho, procurando seu primeiro emprego, indo para as escolas estaduais. O preconceito é num nível muito alto, e com isso vem o perigo de acontecerem suicídios, transtornos. Nosso papel na Aty Jovem é mais para isso, levar essas informações também.