Maioria defende o impeachment de Dilma e também de Temer, diz presidente do Data Popular
José Cruz/09.06.2015/Agência BrasilNem Dilma, nem Temer. A maioria dos brasileiros não se sente representada pela classe política e acha que o impeachment da presidente Dilma Rousseff não está sendo conduzido para melhorar suas vidas. Essa é a o opinião do pesquisador Renato Meirelles, presidente do Data Popular.
O instituto acompanha há 15 anos o crescimento e a opinião das classes C, D e E no Brasil.
Com base em pesquisas do instituto, Meirelles afirma que 75% dos brasileiros avaliam a atual crise política como uma briga pelo poder.
— Quando a gente pergunta “você acha que os políticos que defendem o impeachment da Dilma defendem para melhorar a vida das pessoas ou porque querem o lugar dela?”, três quartos afirmam que é “porque querem o lugar dela”. Então [veem que isso] é uma briga de poder.
Segundo Meirelles, as pesquisas recentes do instituto mostram que a maioria dos brasileiros culpam a “corrupção” pela atual crise econômica. E como a maioria associa a “corrupção” à classe política, isso provoca uma descrença contra todos os representantes.
— É por isso que muita gente acredita que deveria ter o impeachment do Temer também.
Em declarações recentes à BBC Brasil, Meirelles declarou que a atual crise é classificada pelos mais pobres como um "cabo de guerra de duas elites": a de direita e a de esquerda.
Leia a seguir a entrevista ao R7.
R7 - Após a votação do impeachment na Câmara, muitos internautas usaram as redes sociais para comentar os votos dos deputados. Alguns disseram que o Congresso era o espelho do povo brasileiro, enquanto outros disseram que não. Como você avalia?
Renato Meirelles - A sociedade brasileira é muito melhor do que aquela Câmara. Seja porque apenas uma parcela [dos deputados] teve de fato votos suficientes para representar a população.
Existe um desinteresse dos brasileiros com a política?
São coisas diferentes. Uma coisa é a representação ser a cara do brasileiro ou não, e outra é o desinteresse na política.
Uma coisa é o modelo de voto proporcional, que faz com que um Tiririca eleja mais três deputados com a votação dele, três deputados que não necessariamente pensam como o Tiririca, por exemplo, mas foram eleitos dentro da proporcionalidade da chapa.
O modelo de voto proporcional é um modelo que não permite com que os diversos setores da sociedade sejam representados no Congresso. Isso é uma coisa. A outra questão é o quanto que a política tradicional está afastada dos brasileiros.
Ninguém se enxerga representado no Congresso Nacional, porque a classe política só fala pra própria classe política, com um conjunto de interesses próprios que não dialogam com os anseios da população brasileira.
Você vê muita gente falando sobre corrupção, mas pouca gente falando o que fazer pra combater a corrupção. Muita gente falando que votava pela família, mas não pensando o que fazer pra conter a inflação que tira a comida da mesa de outras famílias.
Tem uma visão muito para o próprio umbigo, de um lado, mas sem nenhuma solução efetiva que interesse para a população brasileira.
A imagem que ficou para o Brasil é que eram políticos brigando pelo poder, por um lado. Por outro lado, os políticos jogando pra plateia.
Em uma outra entrevista, você diz que a população não participa do atual debate sobre o impeachment. A população esteve sempre fora do debate político?
A população já não se sente representada há um bom tempo. A primeira manifestação disso foram as passeatas de junho de 2013, quando ela buscava qualidade dos serviços públicos e uma nova interlocução com a política. Isso ficou claro na medida em que prefeitos que tinham acabado de ser eleitos tiveram sua popularidade despencada.
Esse processo permeou todo o debate eleitoral, em uma sociedade em que você tem políticos analógicos, políticos que só sabem falar e não sabem ouvir, e eleitores digitais, que não querem só ouvir, querem ser ouvidos. Não querem só falar, querem ser ouvidos.
Alguns analistas avaliam que chegou ao fim o modelo implantado pelo ex-presidente Lula da "cidadania pelo consumo". Desde os protestos de 2013, passou-se a exigir um modelo de cidadania baseado nos serviços públicos?
Eu não concordo com a análise de alguns colegas que falam que se construiu a cidadania pelo consumo. Se construiu a cidadania pela renda, o consumo é consequência do aumento da renda. O processo de empoderamento do cidadão possibilitou que uma dona de casa não passasse mais três horas lavando roupa porque conseguiu comprar uma máquina de lavar.
O que acontece é que, como o que fez o Brasil crescer foi a geração de emprego formal, essa geração de emprego formal levou os brasileiros a entender mais claramente o quanto eles pagam de impostos. Até então, com a informalidade, o que as pessoas fossem pagar de imposto era imposto informal, que era o imposto embutido no custo das mercadorias, sem que elas soubessem exatamente o quanto de imposto estavam pagando.
Com o emprego formal, o brasileiro passa a ter imposto retido na fonte. Ele recebe R$ 2.000 reais, mas vê R$ 1.700 na conta bancária. Então ele começa a entender que o que o governo faz não é um favor, mas é contrapartida do imposto que ele paga, e se ele está pagando ele pode exigir. Isso levou ao processo de empoderamento das pessoas. E aí se passou a ter uma vontade cada vez maior de eficiência dos serviços públicos.
Então o modelo de cidadania pela renda ainda está em funcionamento?
Permanece, superpermanece e é saudável, não é uma coisa ruim. A questão agora é que, com a renda [maior], mas também o empoderamento que as novas tecnologias permitem e os 10 milhões de universitários a mais do que comparado há dez anos, esse brasileiro quer se ver como protagonista.
Esses movimentos, na escala social, de renda e universidade formaram uma nova classe C. Mas alguns analistas já falam em regressão da classe C em razão da crise econômica. O que é a classe C hoje?
A classe C, ou nova classe média — estamos falando em renda familiar média de R$ 3.000 —, ela teve sentido o seu poder de compra. Mas efetivamente, independentemente se vai diminuir de tamanho ou não, ela passou a ter acesso a produtos e serviços que ela não tinha. Então a regra de qualidade mudou e, portanto, o padrão de exigência mudou.
E como se insere essa sociedade mais exigente dentro do atual contexto de crise política?
Por exemplo, a gente perguntou qual era a raiz da crise econômica. 65% dos brasileiros disseram que a causa da crise econômica é a corrupção. É como se os brasileiros achassem que o preço da gasolina aumentou por conta da corrupção na Petrobras. A gente sabe que não é isso, mas é o que o senso comum pensa.
Por outro lado, quando você associa “corrupção”, qual é a primeira palavra que vem na sua cabeça? Políticos. E isso é natural porque 92% dos brasileiros concordam com a frase “todo político é ladrão”.
Se a "corrupção é a raiz da crise econômica", se a "corrupção é feita pelos políticos" e se "político é tudo ladrão", [então eles pensam que] nada do que está aí me representa e está interessado em melhorar minha vida.
Por outro lado, quando a gente pergunta, “você acha que os políticos que defendem o impeachment da Dilma defendem pra melhorar a vida das pessoas ou porque querem o lugar dela?”, três quartos (75%) afirmam que é “porque querem o lugar dela”. Então [veem que isso] é uma briga de poder.
Então eles não entram no debate nem a favor nem contra o impeachment?
Ele está tão puto com o que está acontecendo que fala que ele é a favor, mas não significa que ele acha que vai melhorar. É por isso que muita gente acredita que deveria ter o impeachment do Temer também.
Apostam mais no “fora todos”?
Sim.