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Política pública para crianças custa 7 vezes menos que assistência social

Sem estímulo, jovens pobres de até 3 anos aprendem 500 palavras a menos

Brasil|Juliana Moraes, do R7, em Fortaleza (CE)*

Garotos e garotas menos favorecidos aprendem 500 palavras a menos que colegas
Garotos e garotas menos favorecidos aprendem 500 palavras a menos que colegas

Ainda mantidas em segundo plano por parte dos governantes do País, as políticas públicas para crianças representam um investimento sete vezes menor que as eventuais políticas de compensação e de assistência social adotadas quando as primeiras são ignoradas e deixadas de lado.

Quem garante é a gerente de Parcerias para o Setor Privado do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Luciana Aguiar.

A atropóloga afirma que, a cada US$ 1 investido em políticas públicas para crianças de até 6 anos, são economizados US$ 7 nas políticas de compensação e de assistência social.

Em outras palavras, significa dizer que é melhor prevenir do que remediar.


Luciana foi uma das palestrantes do 7º Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, realizado nesta terça-feira (7) em Fortaleza (CE). O evento reuniu autoridades e especialistas no Centro de Eventos do Ceará para discutir o tema.

Antes dela, o presidente do conselho de curadores da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Dario Guarita Neto, abriu o evento e destacou que "a causa da primeira infância é urgente e o investimento é fundamental", porque, geralmente, "as crianças de classes menos favorecidas aprendem 500 palavras a menos até os três anos".


Vice-governadora do CE: 'Pagamos preço pela falta de cuidado'
Vice-governadora do CE: 'Pagamos preço pela falta de cuidado'

A vice-governadora do Ceará, Izolda Cela, também presente ao simpósio, falou sobre a importância das políticas públicas nos primeiros anos de vida das crianças.

"Por que não temos ainda políticas mais eficazes? Estudos mostram que perder esse tempo é um prejuízo grande e corremos atrás desse prejuízo com menos chance e com perigo até dos desestímulos", explicou.


"Tudo isso repercute na capacidade de as pessoas aprenderem melhor, repercute na saúde, nos comportamentos menos violentos. Pagamos o preço pela falta de cuidado. É simples, mas não é fácil. Só que é possível", completou.

Becker: "Estamos fazendo um genocídio da pobreza"
Becker: "Estamos fazendo um genocídio da pobreza"

Precariedade nas políticas públicas

O professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e um dos criadores do programa Saúde da Família Daniel Becker destacou a "precariedade" das políticas públicas na primeira infância.

"Não estamos bem avaliados nesse quesito. Os dados mostram a precariedade: a violência dentro de casa, nas ruas, da polícia, dos abusos. Sabemos o quanto elas estão sofrendo e só vemos a ponta do iceberg", declarou.

"Estamos fazendo um genocídio da pobreza. A gente fica paralisado diante dela [pobreza]. Quando as crianças se rebelam diante dessa situação, a gente promove o encarceramento", continuou.

Desigualdade social

De acordo com Becker, no entanto, o maior problema de desenvolvimento da primeira infância está na desigualdade social, pois "faz com que a parte mais rica da sociedade desumanize a pobreza". 

Também "faz com que a vida deles [dos mais pobres] valha menos. A desigualdade é arrasadora para a sociedade. Quanto mais desigual a sociedade, pior a situação da criança, porque destrói o tecido social e cria todos os nossos problemas", salientou.

O professor da UFRJ ainda aproveitou para falar sobre os dados referentes aos partos no Brasil. "A infância tem outras perdas com a miséria. A gente está perdendo no nascimento. No Brasil, 93% dos partos é de cesariana. É uma vergonha. É uma cultura mentirosa e que tem prejuízos enormes para a mãe e para a criança", avaliou.

A cada US$ 1 investido em políticas para crianças, US$ 7 são poupados
A cada US$ 1 investido em políticas para crianças, US$ 7 são poupados

Violência

A pró-reitora de Extensão da UFC (Universidade Federal do Ceará) e Consultora do Desenvolvimento Infantil no IPREDE (Instituto da Primeira Infância), Márcia Machado, alertou sobre a questão da violência.

"Quando resgatamos a história dessa geração que hoje morre e mata, dos 12 aos 19 anos, principalmente, percebemos que eles não têm vínculos", relatou.

"Quando penso numa política pública para essa crianças, tenho que procurar os problemas para tentar solucionar e ultrapassar. Em vez de procurar as falha da relação parental, tem que procurar as coisas positivas da interação. Quanto mais você olhar olho a olho, mais a criança vão confiar em você", completou.

Celular na primeira infância

Becker, que também é pediatra, criticou o uso de aprelhos celulares na educação infantil. "As pessoas estão exercendo a parentalidade com as redes sociais, provocando interação e perdendo a convivência com a família", falou.

"Perdemos a intimidade com os nossos filhos. Antes, a recomendação oficial da pediatria internacional era de que crianças de até dois anos não deveriam ter contato com celular ou outros tipos de telas. Hoje, porém, isso está flexibilizado e é recomendado até meia hora de acesso, mas com acompanhamento dos adultos", informou.

"A tela não oferece benefícios e atrasa a aquisição da linguagem, que é a coisa mais importante no desenvolvimento humano. A linguagem é o que nos diferencia dos outros animais", disse.

Igualdade de gênero

Luciana Aguiar destacou ainda a importância de bater na tecla da igualdade de gênero desde a primeira infância. "Precisa criar um olhar atento para essa questão da diferença. A desigualdade de gênero está aí, porque as mulheres são mais escolarizadas que os homens e ganham até R$ 600 a menos em qualquer posição de destaque", avaliou.

De acordo com a antropóloga, a desigualdade se "reflete na violência contra a mulher". 

Acesso às creches 

Ainda para a antropóloga, crianças de famílias com menos condições financeiras são prejudicadas no desenvolvimento. "75% das crianças com menos de quatro anos não frequentam creche ou escola.

Isso é uma questão de desenvolvimento humano, porque impacta em atraso de desenvolvimento, em doenças crônicas e deixa de ser uma questão individual e passa a ser do estado", declarou.

Desnutrição crônica

Outro problema grave nos países com baixa renda é a desnutrição crônica. De acordo com Claudia Costin, professora da FGV e professora-visitante de Harvard, "entre os países de renda baixa ou média, 1/3 da criança têm desnutrição crônica". Ela afirma ainda que a falta de nutrientes impacta diretamente no desenvolvimento.

A professora ainda alertou que as creches precisam, antes de mais nada, atender à demanda da população. "A mãe que tem mais problemas com crianças pequenas é a partir de dois anos. As escolas têm que priorizar a faixa etária até conseguir atender toda a demanda", declarou.

"Tem que ter coragem para ter essa postura. Receber criança com menos de seis meses em creche, acho desaconselhável", completou. 

* A jornalista viajou a convite da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

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