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'Preso' no Peru, catarinense com câncer perdeu exame no Brasil

Grupo tenta retornar ao país em meio à pandemia do coronavírus; entre as queixas, falta de informação e descaso das companhias aéreas

Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7

Roger e Karina não sabem quando vão voltar
Roger e Karina não sabem quando vão voltar

Sem voos para voltar ao país, o grupo de brasileiros em Cusco, uma das prinpais cidades turísticas do Peru, vê o dinheiro acabar com estadias que se prolongaram mais de uma semana além do previsto e convive com dramas pessoais, como de um catarinense com câncer que teve de faltar ao exame no Brasil que definiria seu próximo tratamento.

Sequer podem andar tranquilamente nas ruas, mesmo quando precisam de itens essencias como comida ou remédios de uso contínuo.

Primeira dificuldade: só podem caminhar sozinhos, o que aumenta a insegurança num país estrangeiro monitorado por policiais, fiscais da quarentena que proíbem turistas de fazer grandes deslocamentos e prendem quem desrespeita o toque de recolher, entre 20h e 5h. Depois, porque as prateleiras estão vazias e os custos triplicaram desde o início da pandemia de coronavírus.

Depois de vencer um câncer no rim em 2018, o consultor comercial de Joinville (SC) Roger Rebello, de 38 anos, descobriu uma metástase com cinco tumores, quatro no fígado. Antes de um pet scan, escaneamento no corpo inteiro que definiria o próximo tratamento e estava marcado para o fim de março, no Brasil, ele decidiu aproveitar uns dias ao lado da esposa, Karina Lipinski, em uma viagem ao Peru.


Chegaria em 18 de março em um avião da Gol no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, se o presidente peruano, Martín Vizcarra, não tivesse comunicado três dias antes o fechamento de todos os aeroportos do país.

"Passamos por três hotéis. No primeiro, um Airbnb, a dona nos mandou embora, talvez por medo de ser contaminada", disse Rebello.


Não sabe quando vai conseguir voltar. No sábado (21), o casal chegou a ser anunciado pela Embaixada do Brasil em um voo da Latam que saiu de Cusco. "Mas, apesar de termos prioridade, a companhia avisou que só deixaria embarcar os clientes da empresa. Tivemos de esperar."

A Latam, procurada, enviou uma nota ao R7 na qual não comenta por que manteve no Peru Roger e sua esposa.


A Latam diz apenas que "entre os dias 20 e 21 de março realizou cinco voos especiais para repatriação de brasileiros e peruanos" e que, "entre 19 de março e meio-dia do dia 21, o programa de repatriamento da empresa operou 19 voos internacionais, beneficiando 3.370 pessoas". 

Roger Rebello espera que surja um voo logo, mas como todos os outros brasileiros em situação similar no Peru (seriam 200 somente em Cusco), não tem muitas respostas nem da Embaixada nem das companhias aéreas. 

"Eu preciso fazer esse escaneamento que vai definir o próximo passo para me tratar, mas também não sei se quando chegar ao Brasil haverá espaço nos hospitais, afinal estão todos focados no combate à pandemia."

Não tem remédio nas prateleiras

Alysson Ferreira Santos é morador de Barueri (SP). Voltaria na semana passada, dia 17, mas os aeroportos foram fechados. Toma um medicamento de uso contínuo que já acabou e não existe no Peru. "Consegui com um médico daqui uma receita de dois remédios similares, mas estão em falta nas farmácias."

Alysson contratou um seguro saúde antes de viajar, mas diz que o contrato não o protege mais desde que foi determinada a pandemia pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Seu dinheiro está acabando. "Planejei minha viagem para nove dias [já são 15], agora estou com poucos reais e soles [moeda peruana] e tentando guardar comida caso não a encontre mais."

O bancário Wesley Oliveira Bustamante e o primo, o analista de sistemas Everson Oliveira Aguilar, também estão em Cusco, numa casa alugada.

Ambos viajaram com as esposas. Amabile Bustamante, mulher de Wesley, tem problemas com a comida local, com a qual não se adaptou. Tem se alimentado só com arroz e ovo.

O drama maior, no entanto, é de Mayara Aguilar, casada com Everson. Tem pedras no rim e uma delas, de 6 milímetros, pode se deslocar para a uretra a qualquer momento, o que exigirá cirurgia. "Não sabemos o que fazer, se isso acontecer aqui vamos ter que dar um jeito de operar", diz Everson.

Acabou o dinheiro

A diária dos quatro acaba nesta terça-feira (24), ao meio-dia. "Não sabemos o que vai acontecer. Primeiro porque não temos nem como pagar mais tempo."

A experiência deles com hospedagens tem sido traumática. Na primeira, em Cusco, foram avisados pelo hotel um dia após a chegada, em 16 de março, que deveriam imediatamente buscar as bagagens e sair dali. 

"O pior momento foi quando fomos expulsos do hotel, pois não sabíamos para onde ir. Tinha muita polícia e soldados do Exército na rua com megafones intimidando as pessoas para irem para suas casas", conta o bancário Wesley.

Os recursos estão bem perto do fim por culta também da inflação. "Quando chegamos aqui íamos comprar tomate no mercado e pagávamos 1,5 soles. Agora, com a quarentena, o valor foi para 5 soles", exemplifica Wesley — 1 soles equivale, na cotação de segunda-feira (23), 1,46 real.

Como medida para economizar, só almoçam, mesmo assim cada casal tem gastado em torno de 150 soles por dia.

Farmacêutica queria ajudar no combate ao vírus

Rosiane Chiaroti, de Ribeirão Preto (SP), chegou à capital Lima no dia 12. Desembarcou em Cusco em 15 de março, mesmo data do anúncio presidencial.

Ela explica que desde o fechamento dos aeroportos os brasileiros tentam negociar com as companhias aéreas e a embaixada brasileira uma forma de contornar o problema.

"Eu voltaria dia 20, a passagem foi cancelada e a Avianca me deu a opção de remarcar o bilhete até o fim do ano, depois da pandemia."

Rosiane é farmacêutica e, como profissional da área de saúde, sente-se mal por estar longe das frentes de combate à covid-19 em seu país. "Meu coração fica apertando de não poder ajudar. Está sendo um período muito complicado para mim."

Ela teve sorte de não ter gastado com os passeios que faria em Cusco, pois a quarentena foi determinada antes de comprá-los. "Muitos brasileiros estão tendo dificuldade, até porque temos que pagar tudo da mesma forma que antes, sem nenhum tipo de ajuda financeira de ninguém", revela. 

"Estamos tentando baratear a estadia de todo mundo, mas chega uma hora que não dá mais. Meu dinheiro aguenta mais uns dois dias e vai acabar também", lamenta a farmacêutica. "Tem gente que está comendo pão com presunto todos os dias para não gastar."

Rosiane voltaria a trabalhar nesta semana em seus dois serviços públicos na região de Ribeirão Preto, mas não acredita que terá problemas por causa das faltas. A maior dificuldade é psicológica. Preocupada com os pais, ambos com 76 anos, e por não saber o que vai ocorrer com ela.

"Minha estrutura emocional varia bastante. De sábado para cá ela comecei a ficar bem mais abalada. Nós não temos expectativas, né, e a Avianca já deixou muito claro que não vai nos repatriar."

Em nota, a Avianca afirmou que a covid-19 é responsável pela maior crise da história da indústria aérea e que, no momento, a empresa está "analisando múltiplos fatores para saber se consegue realizar o voo especial entre Peru e Brasil nos próximos dias".

A companhia pede, por fim, que os passageiros busquem a embaixada brasileira para mais informações sobre os voos.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por sua vez, afirmou que a "Embaixada do Brasil em Lima continua trabalhando para assegurar o retorno de todos os brasileiros atingidos pelas restrições de movimentação ao redor do mundo". O Itamaraty diz ainda ser "impossível a elaboração de cronograma preciso dos voos" e recomenda que os brasileiros presos no Peru acompanhem as divulgações da Embaixada em seu site e no Facebook.

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