Sem voos, brasileiros na África do Sul pedem ajuda a consulado
Por causa da cepa Ômicron, o Brasil proibiu a chegada de aviões que tenham origem em seis países africanos ou passagem por eles
Brasil|Do R7
Desde que cientistas sul-africanos identificaram e divulgaram uma nova variante do coronavírus na quinta-feira (25), União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos e outros países recomendaram a suspensão e a proibição de voos provenientes de nações do sul da África.
No sábado (27), o Brasil também publicou uma portaria sobre voos internacionais que tenham origem na África do Sul, Botsuana, Essuatíni, Lesoto, Namíbia e Zimbábue ou passagem por esses países nos últimos 14 dias.
Leia também
Segundo a portaria, a entrada de estrangeiros procedentes desses países ou com passagem por eles está proibida. A entrada de brasileiros, contudo, não está suspensa. Mas o viajante brasileiro procedente desses países africanos ou com passagem por eles nos últimos 14 dias antes do embarque, ao ingressar no território brasileiro, deverá permanecer em quarentena por 14 dias na cidade do seu destino final.
Mesmo autorizados a voltar para o país, brasileiros que estão na África do Sul não conseguem encontrar voos de retorno. Na manhã deste domingo (28), o brasileiro Rodrigo Hauck, de 36 anos, e sua esposa, Maria Carolina Papadam Hauck, de 33, tentavam encontrar outro voo para regressar pela aérea alemã Lufthansa, uma das poucas que ainda continuavam a operar voos procedentes do aeroporto internacional da Cidade do Cabo, juntamente com a Ethiopian Airlines. Emirates, Qatar e Taag suspenderam os voos.
Na África do Sul desde outubro, o casal, a filha de 2 anos e os pais de Hauck retornariam ao Brasil nesta terça-feira (30), mas tiveram o voo cancelado. "Nós estamos conversando com o Airbnb para flexibilizar nossa estadia por mais tempo, mas há pessoas que não conseguem se manter aqui", disse. "O triste é ver como o país está sendo castigado por ter descoberto a nova variante."
Wagner Tavares Buono, de 31 anos, está na África do Sul desde janeiro do ano passado, quando começou um estágio pós-doutoral na Universidade do Witwatersrand, em Joanesburgo. "Meu voo de volta seria na terça pela Ethiopian. Na verdade, pode ser que aconteça ainda. As informações oficiais da companhia são de que o voo ainda está confirmado, eu até fiz o check-in", contou.
Ainda que os voos pela Etiópia sejam, até o momento, a opção de retorno dos brasileiros, já que o país está com as fronteiras abertas e com voos operando, a Embaixada do Brasil em Adis Abeba emitiu um comunicado neste mês em que recomenda aos brasileiros que evitem viagens não essenciais com destino à Etiópia e, quando factível, considerem possíveis alternativas de escala ou conexão no aeroporto de Adis Abeba, já que "muitas destas implicam pernoite na cidade".
O governo etíope declarou estado de emergência no início do mês depois que o grupo terrorista TLFP (Frente de Libertação do Povo Tigré) tomou duas cidades da região de Amhara. "Nas situações de necessidade de escala mais dilatada em Adis Abeba, a opção de pernoite no próprio aeroporto poderia ser considerada, diante do cenário de incertezas e demora nos deslocamentos aos hotéis designados pelas companhias aéreas, causado pelas medidas de segurança reforçadas na capital etíope", diz o comunicado.
"Gostaria de voltar quanto antes, porque não pude ver minha família no ano passado. Entendi que era muito arriscado viajar sem a vacina, para mim e para minha família", disse Buono.
Ele vê as restrições impostas aos países africanos como "uma medida drástica, que nunca foi aplicada tão rapidamente a nenhum outro continente e que não segue as diretrizes da OMS". "Fica difícil entender, porque nem todos os países com casos confirmados foram banidos, só os do continente africano", afirma.
A servidora pública Mônica Pereira de Morais, 33, chegou à Cidade do Cabo na segunda-feira 22 com uma amiga. Em turismo pela cidade, elas conheceram outros brasileiros. "O voo dos meninos que conhecemos, que seria nesta segunda-feira, 29, com escala em Dubai, já foi cancelado pela Emirates. Como nós compramos por uma agência, ainda não tivemos comunicação direta, mas acreditamos que o nosso voo também será cancelado, já que Dubai fechou as fronteiras."
A nutricionista Thayane Silveira, 28, chegou à Cidade do Cabo na quinta-feira 25, quando a variante foi divulgada. "Viemos para turismo e nosso voo de volta seria na sexta-feira, dia 3, mas a Qatar já nos notificou do cancelamento. Nossa ideia é voltar quanto antes, mas, ao que parece, o que está dificultando nosso regresso são os países em que seria necessário fazer a conexão."
A brasileira Tayná Franco, de 28 anos, está grávida de 27 semanas. Também na Cidade do Cabo desde a quarta-feira 24, ela teve seu voo de volta, que seria na quinta-feira, cancelado pela Qatar. "Nós entramos em contato com o consulado do Brasil, que por enquanto pediu que aguardássemos as próximas horas ou até segunda-feira para ver o que será feito. Com a insegurança, eu procurei alguns brasileiros e estamos tentando montar uma rede de apoio aqui para que a gente repasse informações e consiga se ajudar."
O grupo de WhatsApp "Brasileiros na África do Sul" já conta com mais de 90 participantes, que compartilham informações sobre os voos. "Estamos mantendo a calma. Como não se sabe muita coisa, esperamos as horas de informação para que a gente consiga voltar para o Brasil o mais breve possível, com todos em segurança", disse Tayná.
Isabela Prado, 24, chegou à Cidade do Cabo no dia 20 de novembro para passar férias com o namorado. Ela voltaria para o Brasil neste domingo, mas teve o voo cancelado pela Emirates. "Estamos aguardando um posicionamento do consulado. Ainda não há voos disponíveis para voltarmos ao Brasil, então a esperança é um voo direto ou que um avião da FAB [Força Aérea Brasileira] venha buscar os brasileiros que estão aqui. Estou em alguns grupos com outros brasileiros, tentando unir forças para resolver isso o mais rápido possível."
Suélyn Koslinsky, 32, está na África do Sul desde outubro e tinha a volta programada para o dia 7 de dezembro. O voo, que seria por Doha, no Catar, também foi cancelado. "Vim aqui para estudar inglês. Tenho como me manter, mas muitos dos meus colegas não", disse. Bruno Santana, 36, também faz parte do grupo de brasileiros na Cidade do Cabo que tiveram o voo cancelado. "Eu tenho onde ficar. Outros brasileiros estão se organizando para alugar acomodações", comentou.
De férias, Santana fez um intercâmbio de um mês na África do Sul. "O pessoal está tranquilo, não estamos desesperados. Estamos mais preocupados com os próximos passos." Bruno conseguiu embarcar em um voo da Ethiopian Airlines para São Paulo na tarde deste domingo.
A embaixada do Brasil em Pretória e o consulado brasileiro na Cidade do Cabo estão recolhendo os dados dos brasileiros que tiveram seus voos cancelados para tentar identificar casos urgentes e facilitar contatos posteriores. "Simultaneamente, estamos tentando contato com as companhias aéreas para ver qual a expectativa de retomada dos voos e se haverá alguma restrição ao embarque de brasileiros", disse o porta-voz da embaixada brasileira em Pretória.
Brasileiro que chegou da África testa positivo
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) disse neste domingo (28) que um brasileiro com passagem pela África do Sul que desembarcou em Guarulhos no sábado, em um voo da Ethiopian Airlines, havia testado positivo para a Covid-19.
Não há confirmação se o caso é da variante Ômicron. O brasileiro, que já está em isolamento, é vacinado.
A Anvisa disse, por meio de nota, que fiscaliza e exige que o viajante apresente exame PCR negativo para a Covid-19 realizado no máximo 72 horas antes do voo internacional e que o passageiro em questão chegou ao Brasil com teste negativo, assintomático.
Contudo, após a chegada, a Anvisa foi informada, na noite de sábado, do resultado positivo do novo teste RT-PCR feito em um laboratório no aeroporto de Guarulhos.
A Anvisa também recomendou, no sábado, que Angola, Maláui, Moçambique e Zâmbia fossem incluídos na lista de países sujeitos a restrições pelo Brasil.
África do Sul pede fim de restrições
Em pronunciamento no domingo, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, disse que as restrições de viagens impostas aos países do sul da África são injustificadas e que essas restrições ferem o compromisso do G20 de recuperação do turismo e de recomeço das viagens internacionais de forma segura.
"Essas restrições — do Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão, Tailândia, Guatemala, Brasil e outros — discriminam o nosso país e a proibição das viagens não tem base científica. A única coisa que essas restrições farão é prejudicar a economia ainda mais", disse Ramaphosa. "Pedimos que os países revertam essas decisões e retirem as restrições imediatamente. Não há razão científica alguma para mantê-las."
Ramaphosa afirmou ainda que os países ricos deveriam ajudar a África do Sul na produção de vacinas. "Teremos que viver com esse vírus. Temos as ferramentas para manejar essa pandemia. Precisamos que todos se vacinem." Apostando na vacinação — que, nas primeiras ondas da pandemia no país, não estava disponível para toda a população adulta —, o presidente manteve a África do Sul nas restrições de lockdown nível um, as menos severas, que estabelecem limites a aglomerações e a obrigatoriedade do uso de máscara. Segundo Ramaphosa, a vacinação já se provou eficaz para reduzir a gravidade da Covid-19 e é a melhor arma contra a pandemia.
A brasileira Safiyyah Beatriz Cezar, 49, mora na Cidade do Cabo. Casada com um sul-africano, ela é guia turística para brasileiros. "Tenho tours para domingo e segunda-feira; depois de segunda não sabemos o que vai acontecer", disse. Ela lembra que no ano passado, quando o Reino Unido fechou as fronteiras para a África do Sul, o país entrou em um lockdown severo no dia seguinte. "O verão não existiu. Os turistas não podiam ir à praia, foi um prejuízo grande. A taxa de desemprego na Cidade do Cabo está em torno de 70%, porque é uma cidade dependente 100% do turismo. Mas a gente tem que entender o que está acontecendo, é uma coisa além da nossa vontade e não podemos controlar."
Uma força-tarefa está trabalhando para tornar a vacina obrigatória na África do Sul em locais de trabalho e para frequentar lugares públicos.
Ramaphosa disse que, por enquanto, o que se sabe é que essa variante tem mais mutações do que qualquer outra. É detectada pelo mesmo PCR que encontra outras variantes.
A Ômicron é responsável pela maior parte das infecções na província de Gauteng — a mais populosa do país — nas últimas semanas e já se espalhou para outras províncias do país. "Ainda há muitas coisas que não sabemos e nossos cientistas estão trabalhando muito para estudá-las. Conforme mais dados sejam disponibilizados nas próximas semanas, teremos mais entendimento se a variante aumenta o risco de reinfecção, se é mais severa e se as vacinas atuais são eficientes", disse. "Não devemos entrar em pânico. Temos que viver com essa pandemia. Já estamos vivendo com ela. E vamos superá-la."
Até sábado, a África do Sul tinha registrado 3.220 novos casos.