Arquivo Público quer transferir acervo de Lucio Costa para Brasília
A equipe de Brasília diz que tem condições de receber os bens do arquiteto, que foram doados pela família a Portugal
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
O Arquivo Público do Distrito Federal tenta trazer de volta para o Brasil o acervo do arquiteto e urbanista Lucio Costa. A coleção de mais de 11 mil documentos foi doada pela família do urbanista, considerado um dos pais da capital do país, à Casa da Arquitectura, em Portugal. Até então, o acervo estava sob os cuidados do Instituto Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro. Após 20 anos, a instituição alegou que não poderia mais mantê-lo. O órgão brasiliense alega que tem condições de preservar o material.
Entre as obras estão tesouros da memória de Brasília, como cartas, bilhetes, esboços, projetos, fotos, desenhos, filmes e rascunhos. Segundo o superintendente do Arquivo Público, Adalberto Scigliano, a entidade não foi consultada sobre a possibilidade de abrigar as obras e a decisão tomada pela família foi recebida com tristeza e consternação.
"Soubemos da transferência do arquivo [para Portugal] pelos meios de comunicação e recebemos a notícia com muita tristeza. Assim que o caso foi divulgado, entramos em contato com a família de Lucio Costa para saber se havia a possibilidade de reaver algumas coisas", detalha Scigliano. Ele ressalta, porém, que, por se tratar de um acervo pessoal, a decisão da doação cabe à família do arquiteto. Ela é a guardiã legal do material.
Ainda assim, Scigliano procurou o diretor executivo da Casa da Arquitectura, Nuno Sampaio, e espera estabelecer um acordo de cooperação com a instituição. "O Arquivo Público tem plena capacidade de abrigar essas obras; temos um acervo de mais de 50 mil arquivos cartográficos de um total de 5 milhões de itens. A família de Lucio Costa se surpreendeu ao saber que o material poderia ter ficado aqui em Brasília”, comenta. Os documentos foram transferidos em partes, entre 2020 e 2021, e estão todos em Portugal.
"Arquitetura brasileira de luto"
As reações à notícia da doação do acervo do arquiteto foram imediatas. “Se a preocupação é manter o acervo preservado e disponível ao público, inclusive com ferramentas digitais, temos todas as condições de abrigá-lo”, disse o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Bartolomeu Rodrigues. “Essa ideia de que não temos como cuidar é uma grande piada de mau gosto. O fato é que ninguém nos procurou, infelizmente. Agora, quem quiser ver pessoalmente precisará ir a Motosinhos, no interior de Portugal”, lamentou.
Mônica Blanco, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-DF), também lamentou a transferência. "Isso nos deixou indignados. Foi preciso a família recorrer ao exterior por não ter condições de manter as coleções no Brasil. Quem perde não são só arquitetos e estudantes de arquitetura, mas toda a sociedade brasileira. É a nossa história, e é lamentável que tenha de estar fora do nosso país para ser preservada. Os arquitetos estão de luto", comentou.
Apesar das reações negativas, a neta de Lucio Costa, Julieta Sobral, diz que também tem recebido o apoio de arquitetos e urbanistas nos últimos dias. "Fui muito atacada, algumas pessoas se sentiram ofendidas e lesadas, mas também há um grupo de arquitetos e estudiosos que têm me apoiado. Estamos em contato com o Arquivo Público do DF, e acho que essa história toda vai proporcionar mais construção de pontes que de muros."
Segundo Julieta, que também é arquiteta, a escolha da Casa da Arquitectura ocorreu após conhecer a reserva técnica e as instalações do local, que garantem a preservação e a difusão da totalidade do acervo.
Os arquivos de Lucio Costa devem ser disponibilizados virtualmente a partir de 2022. Em nota, a Casa da Arquitectura informou que iniciou o processo de digitalização.