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Circo e Jardim Botânico no Eixo Monumental: confira planos para Brasília que não saíram do papel

Projetos estavam no desenho original de Lúcio Costa; ideia inicial tinha galeria de ministérios e ligação entre setores de diversão

Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília

Desenho do Plano Piloto feito por Lúcio Costa
Desenho do Plano Piloto feito por Lúcio Costa

Caso Brasília tivesse sido construída exatamente como o projeto inicial do urbanista Lúcio Costa, a cidade teria setor de feiras e circo no Eixo Monumental, área para horticultura, floricultura e pomar, grêmio esportivo, galeria de ligação entre os ministérios e edifício de passagem do Setor de Diversões Norte (SDN) para o Setor de Diversões Sul (SDS).

Em comemoração dos 63 anos da capital do país, celebrados nesta sexta-feira (21), o R7 traz ideias contidas no projeto de Lúcio Costa, que venceu o concurso de elaboração do Plano Piloto. Para levantar as iniciativas nunca executadas, a reportagem visitou o Arquivo Público do Distrito Federal, conversou com arquitetos e urbanistas e pesquisou documentos e imagens históricas.

Desenho do Plano Piloto de Lucio Costa, com destaque para Jardim Botânico e área para Feiras e Circos
Desenho do Plano Piloto de Lucio Costa, com destaque para Jardim Botânico e área para Feiras e Circos

No desenho do Plano Piloto, consultado no Arquivo Público do DF, o arquiteto listou 29 pontos do “avião”. Entre eles, estão marcados “Jardim Botânico” e “área destinada a Feiras, Circo etc.” no Eixo Monumental.

Desenho do Plano Piloto de Lúcio Costa, com destaque para Jardim Botânico e Área para Feiras e Circo
Desenho do Plano Piloto de Lúcio Costa, com destaque para Jardim Botânico e Área para Feiras e Circo

“O Jardim Botânico ficaria mais ou menos na altura do Setor Esportivo Norte, onde tem o Mané Garrincha, de um lado, e o Nilson Nelson, do outro”, explica Frederico Flósculo, professor de arquitetura e urbanismo na Universidade de Brasília (UnB). O Jardim Botânico do Eixo Monumental pegaria uma parte do que hoje é o Parque da Cidade. Lúcio Costa chegou a chamar o local de “pulmões da cidade”.


Destaque dos "pulmões da cidade" imaginados por Lúcio Costa
Destaque dos "pulmões da cidade" imaginados por Lúcio Costa

“O setor esportivo, com extensíssima área destinada exclusivamente ao estacionamento de automóveis, instalou-se entre a praça da Municipalidade e a torre radioemissora, que se prevê de planta triangular com embasamento monumental de concreto aparente até o piso dos ‘studios’ e mais instalações, e superestrutura metálica com mirante localizado a meia altura. De um lado o estádio e mais dependências tendo aos fundos o Jardim Botânico; do outro o hipódromo com as respectivas tribunas e vila hípica e, contíguo, o Jardim Zoológico, constituindo estas duas imensas áreas verdes, simetricamente dispostas em relação ao eixo monumental, como que os pulmões da nova cidade”, escreveu Lúcio Costa no projeto do Plano Piloto.

“São propostas do Lúcio Costa que nunca saíram do papel”, afirma o professor Flósculo. “Algumas seriam muito interessantes se tivessem sido construídas, como o próprio Lúcio Costa imaginou”, afirma, ao citar uma laje de cobertura de ligação entre os ministérios. “Como se fosse uma galeria que uniria todos os prédios e alas de cada lado. Os pedestres passariam por todos os ministérios e os automóveis passariam por baixo. Ou seja, privilegiaria os pedestres. Seriam duas grandes galerias, uma no lado norte e a outra no lado sul”, explica o arquiteto.


Lúcio Costa imaginou uma galeria de ligação entre os ministérios
Lúcio Costa imaginou uma galeria de ligação entre os ministérios

Outras ideias do projeto original, na concepção do professor, não teriam sido benéficas para a cidade. É o caso da ligação entre os setores de diversões Norte e Sul. “Seria um prédio gigantesco. Ainda bem que não fizeram, pois seria um desastre para a visão desimpedida da Torre de TV desde a plataforma da rodoviária”, opina.

Ligação entre os setores de diversões Norte e Sul projetada por Lúcio Costa impediria visão livre
Ligação entre os setores de diversões Norte e Sul projetada por Lúcio Costa impediria visão livre

Os planos para a galeria dos ministérios e a ligação entre SDN e SDS não chegaram a ser desenvolvidos. Não há, portanto, propostas mais robustas para as ideias. “Não existem imagens desses projetos, Lúcio Costa nunca fez. Estão todos citados em sua proposta vencedora para a urbanização de Brasília”, explica o professor.


Entre janeiro de 1957 e maio de 1963, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) publicou, mensalmente, a Revista Brasília. O R7 consultou a edição do periódico que reuniu os números 53-64 no Arquivo Público do DF.

A publicação lista projetos em planejamento para a nova capital. Entre eles, está o Grêmio Esportivo Brasiliense, do arquiteto Eugênio Luiz Baptista de Oliveira. A revista descreve a ideia:

Construir numa área de 160.000 m² sita no extremo sul do Eixo Rodoviário do Plano Piloto uma moderna praça de esportes. A obra total está orçada em Cr%24 350.000.000%2C00%2C aproximadamente. Em linhas gerais o projeto constará de%3A um estádio de futebol e atletismo com capacidade para 30.000 espectadores%3B [...] um ginásio coberto para jogos de basquete%2C volei e futebol de salão%2C com capacidade para 3.000 pessoas%3B alojamento para as equipes visitantes [...]%3B sede social com amplos salões de festas%2C jogos%2C etc%2C restaurante%2C bar%2C boate [...]

(Revista Brasília, da Novacap, números 53 - 64)

Projeto do Grêmio Esportivo Brasiliense, do arquiteto Eugênio Luiz Baptista de Oliveira
Projeto do Grêmio Esportivo Brasiliense, do arquiteto Eugênio Luiz Baptista de Oliveira

Universidade

Flósculo acrescenta que também há obras de Oscar Niemeyer, arquiteto que projetou os principais edifícios de Brasília, que nunca saíram do papel. Uma delas é a Praça Maior, na Universidade de Brasília (UnB), em frente ao Instituto Central de Ciências (ICC), conhecido como Minhocão.

“Havia uma reitoria verticalizada, com oito ou dez andares, um auditório muito grande, talvez um pouco menor do que o Teatro Nacional, uma biblioteca em um dos lados da praça e um museu. Tudo concebido por Oscar Niemeyer, exatamente no meio daquela área ampla”, relembra Flósculo.

Croqui da Praça Maior da UnB, que englobaria auditório, museu, biblioteca e reitoria
Croqui da Praça Maior da UnB, que englobaria auditório, museu, biblioteca e reitoria

Não há apenas ideias nunca concretizadas. "A universidade também passou por mudanças no projeto original", explica Luiz Eduardo Sarmento, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento do DF.

“O ICC não foi planejado para ser do jeito que é. Eram vários institutos. Niemeyer pegou todos e juntou em um só e ficou aquele prédio, de quase 800 metros”, aponta o arquiteto.

Sarmento conta também que o edital do concurso do Plano Piloto de Brasília não previa uma universidade. A escolha de incluir foi de Lúcio Costa, que queria a UnB perto da Esplanada dos Ministérios.

Veja abaixo uma galeria com fotos colorizadas da construção de Brasília:

“A ideia era que as instalações da universidade servissem como equipamentos culturais para a cidade. Não era para a UnB ser fechada, era para estar próxima da sociedade, com uma relação mais intensa. No desenvolvimento da obra, a UnB acabou ficando mais distante. Foi uma disputa com Israel Pinheiro [primeiro prefeito de Brasília], que queria a UnB onde hoje é a Fazenda Água Limpa [no Núcleo Rural Vargem Bonita, a cerca de 22 km da Rodoviária do Plano Piloto]”, comenta Sarmento. 

Áreas destacadas são os institutos que foram unificados por Niemeyer para formar o ICC
Áreas destacadas são os institutos que foram unificados por Niemeyer para formar o ICC

Ainda sobre a UnB, o arquiteto destaca a ausência de estruturas importantes, que estavam no projeto original da universidade. “A UnB não tem um museu de arte que as universidades do mesmo porte normalmente possuem. Também não tem local para aula magna”, critica, ao lembrar do projeto da Praça Maior, que nunca foi concretizado.

“A parte habitacional da UnB também nunca foi concluída. Era para ter uma quantidade de moradias muito robusta, inclusive para atender os funcionários. Foi feito muito pouco”, lamenta Sarmento.

Ele aponta, ainda, que há estruturas na área central de Brasília que também não saíram do papel. “O Setor Cultural da República na parte norte deveria ter equipamentos culturais. Há o Teatro Nacional e aquele grande terreno vazio. Essa parte cultural da cidade nunca foi consolidada, o que a deixa capenga. O Setor de Autarquias Norte é outro vazio no centro da cidade. É tudo muito aquém do que deveria ser. Não temos um museu com acervo permanente”, exemplifica Sarmento.

Área vazia atrás do Teatro Nacional; Setor Cultural da República nunca foi concluído
Área vazia atrás do Teatro Nacional; Setor Cultural da República nunca foi concluído

Deslocamento

A princípio, o conjunto urbanístico de Brasília seria mais distante do Lago Paranoá. A mudança veio após observação do júri do concurso. Um dos integrantes da mesa julgadora, o inglês William Holford, arquiteto responsável pela construção das cidades ao redor de Londres depois da Segunda Guerra, apontou que havia “muita terra indiscriminada entre cidade e lago”, explica o professor de arquitetura e urbanismo da UnB Antônio Carlos Carpintero.

Foi uma observação importante%2C que mudou o caráter da cidade. Não percebemos%2C porque foi uma mudança global. Houve deslocamento de 750 metros de todo o conjunto desenhado para leste%2C no sentido do Eixo Monumental. Antes%2C o Eixo Rodoviário passaria mais ou menos onde a W3 cruza o Monumental. Ali seria a Rodoviária. O Monumental ia descer%2C passar por baixo e sair na Esplanada dos Ministérios. Como foi deslocado%2C a Rodoviária foi construída como um edifício solto no ar. Perdeu todo o centro urbano que estaria no mesmo plano%2C toda a circulação de pedestres pelo centro urbano. Imagine como seria o Setor Comercial Sul onde estão os hotéis hoje. O Eixo Monumental ficaria na mesma altura%2C desceria e passaria por baixo da rodoviária e%2C em cima%2C pedestres circulariam. Do jeito que ficou%2C saindo do Setor Bancário Norte e do Setor Comercial Norte%2C não é possível atravessar o eixo%2C por conta da tipografia. Do lado sul%2C fizeram a Galeria dos Estados%2C uma ligação precária%2C mas que existe%2C pelo menos.

(ANTÔNIO CARLOS CARPINTERO, PROFESSOR DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNB)

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