Advogados dos chamados ‘Kids pretos’ apontam fragilidade de provas e inconsistências em delação
Defesas afirmam que não há provas que liguem os acusados ao atos executórios e criticam a denúncia da PGR
Brasília|Mariana Saraiva, do R7, em Brasília e Giovana Cardoso, do R7, em Brasília

Seis das dez defesas dos chamados “Kids pretos” foram ouvidas, nesta terça-feira (11), no julgamento do núcleo 3 da trama golpista realizado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). A sessão será retomada nesta quarta com a sustentação dos advogados do tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo.
O núcleo 3 é formado por 3 coronéis, um general da reserva, 5 tenentes-coronéis e um policial federal. Entre os principais pontos levantados pelos advogados, estão a falta de provas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o argumento de que a suposta reunião golpista teria sido, na verdade, uma confraternização e falhas apontadas na delação de Mauro Cid.
Veja abaixo as principais alegações de cada advogado:
Bernardo Romão Corrêa Netto
Para a defesa do coronel do Exército, a denúncia foi apoiada em hipóteses e os elementos apresentados pela PGR são frágeis.
Apesar das investigações, advogados de Netto apontam que, devido à patente do réu, não seria possível ele tentar convencer generais para participar de uma tentativa de golpe.
“A denúncia é apoiada em hipóteses, hipóteses que não se realizaram e provas que nós demonstraremos que são frágeis”, declarou o advogado Ruyter de Miranda Barbosa.
Na argumentação apresentada à Primeira Turma do STF, ele cita a reunião entre os “kids pretos” e diz que encontros desse tipo são comuns entre militares. No entanto, segundo as investigações, o intuito da reunião era pressionar comandantes das Forças Armadas a apoiarem a trama golpista.
“Agora, quando forças especiais, amigos de longa data que fizeram um curso juntos, passaram por situações reais juntos. Apenas porque é dia 28/11, aí é intento golpista. Qual a prova da pauta? Como eu faço a defesa sem uma pauta? Não houve pautas, não houve tarefas a realizar. Foi um encontro de amigos”, alegou.
O advogado Ricardo Medrado de Aguiar complementou a manifestação. Ele disse que, no relatório final da Polícia Federal, uma palavra havia sido omitida das mensagens de texto enviadas por Bernardo. Na denúncia, há um trecho em que Netto teria afirmado querer “influenciar” os chefes. Porém, de acordo com a defesa, na mensagem original, ele teria escrito “influenciar positivamente”.
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Estevam Theophilo
A defesa do general Estevam Theophilo iniciou a exposição de argumentos comentando sobre a reunião entre Bolsonaro e o militar, em 2022, após o então comandante do Exército, Freire Gomes, recusar adesão ao plano golpista.
O advogado Diogo Rodrigues citou o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, para fundamentar seu argumento: Cid teria negado saber o teor da reunião entre o ex-presidente e Theophilo.
“Para além da mentira do colaborador e para além da única mensagem que consta nos autos redigida pelo próprio colaborador Mauro Cid, ele redige a mensagem a Correa Netto informando que: ‘mas ele quer fazer, desde que o PR assine’. Para além dessa situação mentirosa do colaborador, não há absolutamente nenhuma prova nos autos coletada”, argumentou.
Além de contestar a fala de Cid, a defesa de Theophilo apontou que o nome do militar não constava em nenhum dos atos executórios da denúncia. Outra alegação foi a de que Theophilo não entrou em contato com os outros réus nem participou de movimentos de resistência ao resultado das urnas.
“Sobre os atos de 8 de janeiro em particular, é expressivo mencionar que, ao contrário do que foi colocado, nós temos nos autos provas produzidas tanto pelo então comandante, general de Exército Arruda, quanto pelo próprio general Gonçalves Dias”, disse.
Fabrício Moreira de Bastos
Em sua sustentação, o advogado Marcelo César Cordeiro, que defende o coronel Fabrício Moreira de Bastos, pediu a absolvição do réu por falta de provas no processo. “Estou estarrecido com as alegações que ouvi aqui hoje da PGR. Vim para esta sessão acreditando que seriam apresentados fatos constantes nos autos, mas verifiquei que há algum problema na análise das provas produzidas”, afirmou.
A defesa disse se espantar com o pedido de penas, que somam mais de 1,2 mil anos. “Há mais de 30 denunciados com penas de até 40 anos. Estão pedindo mais de 1,2 mil anos sem uma prova produzida pela PGR, mas sim por outros acusados, que trouxeram testemunhas e produziram provas.”
Marcelo argumentou que a principal peça do processo é o depoimento de Mauro Cid e que ele deve ser considerado de forma equilibrada. “Se o que ele apresenta serve para condenar, também deve servir para absolver. O que me deixa perplexo é o fato de a PGR não ter usado essas declarações para absolver”, frisou.
Ele acrescentou que uma das acusações trata de reuniões feitas por militares, mas que Cid afirmou, em todas as oportunidades, que se tratavam de confraternizações. “Ele foi inquirido em cinco ocasiões e sempre afirmou que eram encontros de confraternização entre pessoas de Brasília e assessores de generais. Mauro Cid relatou que a reunião durou das 19h às 21h, em um ambiente aberto, em uma segunda-feira à noite.”
Para o advogado, as declarações de Cid devem ser levadas em consideração. Ele também questionou por que, se a reunião tivesse caráter conspiratório, apenas quatro militares foram denunciados, enquanto outros dois foram absolvidos.
Hélio Ferreira Lima
A defesa do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima foi feita pelo advogado Luciano Pereira Alves de Souza. Ele afirmou que, com a leitura do relator e a apresentação das defesas, a denúncia foi sendo resignificada e adaptada.
“O que nós percebemos hoje é uma narrativa bem construída, mas que não se sustenta diante das provas.”
O advogado explica que Hélio foi acusado de três fatos: o desenho da “Op Luneta”, a reunião na residência do general Braga Netto e os supostos atos de monitoramento em que a PGR aponta o militar como participante de manifestações relacionadas ao presidente Lula e ao ministro Alexandre de Moraes.
“É importante dizer que há uma denúncia de que Hélio teria apresentado um documento na casa de Braga Netto, onde teriam discutido um plano de golpe de Estado”, afirmou o defensor.
Ele frisou que o desenho “Op Luneta” não tem relação com uma trama golpista, mas trata-se de um desenho operacional usado pelo Exército, uma ferramenta visual para prever cenários e antecipar hipóteses. “O termo ‘luneta’ vem de um cenário prospectivo de outra operação, sem qualquer vínculo com golpe, como o próprio nome indica”, sustentou.
Segundo o advogado, o estudo teórico foi feito de forma transparente, e o comandante direto de Hélio tinha conhecimento de tudo. “Não havia motivo para ocultar, pois o objetivo era planejar a retirada dos manifestantes que estavam em frente aos quartéis”, completou.
Márcio Nunes de Resende Júnior
A defesa do coronel Márcio Nunes de Resende Júnior, feita pelo advogado Rafael Thomaz Favetti, afirmou que o que aconteceu no Brasil foi, de fato, muito grave, algo que ninguém negava e era de conhecimento geral, mas que essa gravidade não podia levar à miopia quanto às condutas individuais.
“Márcio é acusado de participar de uma reunião e de pressionar chefes do alto comando do Exército a aderir ao golpe. Seu nome foi apenas mencionado por terceiros como um dos possíveis participantes, sem que exista qualquer prova de sua anuência ou ciência. Márcio não foi interlocutor, foi apenas citado, sem ter conhecimento disso”, disse.
Favetti destacou que o nome de Márcio é o menos citado na denúncia: “Ele aparece quatro vezes na denúncia, sendo três em notas de rodapé”, observou.
Ainda segundo o advogado, na delação de Mauro Cid, o colaborador atribuiu diversos fatos a figuras centrais da República, como um ex-presidente e generais de quatro estrelas. “No entanto, desde o inquérito, ficou claro que as reuniões não tinham relação com a carta ou com qualquer exploração dela.”
O defensor ressaltou que o depoimento de todas as testemunhas ouvidas confirmava que o documento não havia sido debatido nos encontros. “Essas reuniões ocorriam anualmente. Há testemunhas que afirmam que, antes mesmo das eleições, já havia planejamento para que o grupo se reunisse no fim do ano.”
Rafael Martins de Oliveira
O tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira foi defendido pelos advogados Renato da Silva Martins e Juliana Corrente Demetri. Segundo Renato, em todos os cenários em que a participação de Rafael foi mencionada, sempre se apontou que ele faria parte de um grupo que teria como objetivo neutralizar o ministro Alexandre de Moraes.
“Ao longo desta instrução criminal, eu me senti constrangido, porque as perguntas feitas, pelo menos sobre monitoramento e neutralização, eram sempre específicas: ‘quando você começou a monitorar?’”, disse Renato.
Ainda de acordo com o advogado, toda a acusação se baseava na ideia de que teria havido um ataque aos poderes, e não a um único cidadão. “Mesmo que se pretendesse inviabilizar o Poder Judiciário, como é retratado na denúncia, seria necessário neutralizar a pessoa, o cidadão, porque o Judiciário continuaria. É uma questão difícil de separar”, salientou.
O advogado acrescentou que, devido a tal dificuldade de separação, seria inadmissível que integrasse o quórum de julgamento alguém que seria supostamente o alvo da neutralização. “Essa vítima, entendo eu, deveria se afastar do julgamento, até mesmo para dar credibilidade aos acusados e à própria população que busca um resultado justo.”
Para Juliana Demetri, foram imputadas ao seu cliente acusações genéricas, baseadas, por exemplo, em extratos de Estações Rádio Base (ERBs) de localização — o que, segundo ela, seria uma evidência sem precisão. “Parece que pegaram algumas provas e criaram conjecturas em momentos em que não há ligação entre os fatos, são apenas hipóteses.”
Ela alegou que era difícil compreender como se chegou a determinadas conclusões. “Por isso, parto do pressuposto de que tudo foi uma suposição, uma conjectura.” A advogada pediu, por fim, a absolvição de seu cliente por insuficiência de provas.
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