Entenda como isenção do IR para quem ganha até R$ 5.000 pode impactar nas contas do governo
Para especialistas, apesar de a medida favorecer a população, ela pode trazer impactos negativos no equilíbrio das contas
Brasília|Giovana Cardoso e Thays Martins, do R7, em Brasília
Em pronunciamento nessa quarta-feira (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a isenção do imposto de renda para aqueles que ganham até R$ 5.000. Como compensação, Haddad disse que quem recebe acima de R$ 50 mil “pagará um pouco mais", e por isso a medida não “trará impacto fiscal". Em coletiva de imprensa marcada para esta quinta-feira (28) o ministro vai dar mais detalhes sobre o assunto.
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Para especialistas ouvidos pelo R7, no entanto, apesar de a medida favorecer a população, isso pode trazer impactos negativos para o equilíbrio das contas do governo. Menos de 1% da população do país recebe acima de R$ 50 mil, e hoje essa parcela da população paga uma alíquota de imposto de renda de 27,5%. A nova taxa, contudo, não foi anunciada.
No pronunciamento, Haddad disse que a medida será “sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados”.
A isenção para quem ganha até R$ 5.000 poderá atingir cerca de R$ 30 milhões de brasileiros, segundo cálculo da Unafisco (Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal). A proposta, que é uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode gerar um impacto de ao menos R$ 45 bilhões aos cofres públicos.
“O impacto fiscal estimado em R$ 45 bilhões por ano exige soluções robustas para compensação de receitas. O ministro fala em tributar quem ganha mais de R$ 50 mil, mas é fundamental fechar brechas como a pejotização e a falta de tributação sobre lucros e dividendos, que hoje permitem que muitas rendas altas escapem do alcance do imposto”, afirma o presidente da Unafisco, Mauro Silva.
Sustentabilidade das contas públicas
O economista Hugo Garbe comenta que ampliar a faixa de isenção tem desvantagens e vantagens. Entre os fatores positivos, ele cita a justiça fiscal e o aumento da renda da população. Por outro lado, o especialista comenta que a medida também traz impacto fiscal negativo e risco inflacionário, além de possuir uma sustentabilidade limitada.
“Sem compensações, a medida compromete a sustentabilidade das contas públicas, podendo gerar desconfiança no mercado“, explica. Segundo ele, taxar a mais quem recebe R$ 50 mil não resolve o problema. “É uma medida populista em termos econômicos para dizer: estou cobrando mais dos ricos e tirando imposto dos mais pobres", destaca.
O administrador e especialista em governança corporativa Marcello Marin aponta que o anúncio do corte de gastos pelo governo “pode não ter o impacto necessário para melhorar a economia e as contas públicas”, já que deixará de arrecadar um valor alto ao incluir mais pessoas na isenção do IR.
“Com certeza vai afetar. O governo deixará de arrecadar um valor muito expressivo com esta medida. Para a população com certeza [será economicamente vantajoso], mas para o governo, de forma alguma. Essa está parecendo ser uma atitude populista, visto que os cortes de gastos serão grandes e mexerão com diversos itens.”
Taxação de super-ricos
Em outubro, Haddad afirmou que o governo considerava a tributação de milionários como alternativa para compensar a isenção do Imposto de Renda a quem ganha até R$ 5.000 por mês. A medida que foi anunciada não é uma taxação sobre fortunas, projeto rejeitado na Reforma Tributária, e sim sobre renda. Hoje, todos os brasileiros que recebem acima de R$ 4.664,68 pagam 27,5% de imposto de renda.
Para o economista Igor Lucena, a taxação das grandes fortunas como alternativa de compensação pode travar impasses na prática, como evasão fiscal e fuga de capitais. “As pessoas, os ultra-ricos, podem simplesmente não distribuir dividendos e deixar todos os seus recursos em empresas holding. Muitos deles podem ter dupla nacionalidade e fechar os seus CPFs, deixando apenas o CPF estrangeiro”, diz.
Atualmente, a faixa de isenção do Imposto de Renda está fixada em R$ 2.259,20. Na teoria, contribuintes que ganham acima do limite da isenção (R$ 2.259,20) e até dois salários mínimos, o equivalente a R$ 2.824, devem optar pelo desconto simplificado de R$ 564,80 para terem o benefício.
Tributação das grandes fortunas
A taxação das grandes fortunas foi um dos temas centrais em discussão na Cúpula do G20 (grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia e a União Africana) que ocorreu nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro. Na carta final do encontro, os líderes do grupo disseram ser a favor de uma proposta apresentada pelo Brasil para a tributação progressiva dos super-ricos.
Apesar do consenso, o número de países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que impõem a taxação caiu de 12 para quatro em 28 anos, segundo dados da própria organização que consideram o período entre 1990 e 2017.
A OCDE é uma organização voltada à promoção de padrões internacionais em questões econômicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais. Fazem parte dela 38 países. O Brasil não está na OCDE.
Apesar de a pesquisa considerar o período até 2017, o número de países que determinam a taxação continua o mesmo, entre eles Colômbia, Espanha, Noruega e Suíça. Na Europa, também existem nações que taxam apenas ativos selecionados de riquezas, como Bélgica, França e Itália.
Brasil
Em dezembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o projeto que cria a taxação de investimentos de pessoas físicas no exterior por meio dos fundos offshore e de investimento exclusivos.
O imposto, que vale sobre os que investem fora do país e em paraísos fiscais, inclui também fundos exclusivos, usados por pessoas com rendas muito altas.
A tributação prevê que os super-ricos paguem o chamado “come-cotas”, ou seja, um recolhimento periódico do Imposto de Renda de 15% sobre o rendimento para fundos de longo prazo, sendo 20% no caso dos investimentos de até 1 ano.
É estimado que quase 3.000 brasileiros invistam em fundos exclusivos, somando R$ 756 bilhões em patrimônio. Eles respondem, sozinhos, por 12,3% da indústria de fundos do país.