Os desafios da transição energética no Brasil
Especialistas advertem que o país está atrasado na transição de energia apesar dos recursos naturais disponíveis
Brasília|Mara Mendes, da Record
Mal o evento começou e já há muita pressão para que apareçam resultados pragmáticos das discussões na Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP 28). E, não à toa, o encontro, que segue até 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, precisa apresentar mais ações concretas, já que na COP 27 muitas negociações nunca saíram do papel.
Desde que a COP 28 começou, na semana passada, um dos principais focos tem sido a saúde do planeta terra e de seus habitantes por causa das mudanças pelas quais o mundo vem passando, com o aquecimento global e a necessidade de buscar fontes renováveis de energia.
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A conferência deste ano tem como ponto chave o resultado de como as nações colocaram em prática as ações previstas no Acordo de Paris de 2015, que tem como finalidade limitar a elevação da temperatura do planeta a 1,5°C, até 2050. Uma vez que o mundo já começou a sofrer com esse fenômeno climático.
Em alguns meses deste ano a temperatura média do planeta chegou a passar desse grau considerado limite para se evitar o aquecimento global.
Para o presidente do Instituto Socioambiental e ex-presidente da Funai, Márcio Santilli, as mudanças climáticas devem ser uma preocupação coletiva. ”Todos os setores econômicos fundamentais precisam se adaptar as novas condições do clima e do comércio mundial, inclusive o setor mineral”, disse Santilli.
O governo brasileiro apresentou, no segundo dia da COP 28, o Plano de Transformação Ecológica do Brasil como uma proposta do sul global, países em desenvolvimento do hemisfério sul.
Segundo o ministro da fazenda , Fernando Haddad, que apresentou o plano na conferência de ser uma plataforma para investimentos sustentáveis no Brasil. Os Estados Unidos, de acordo com o governo brasileiro já trabalham em um apoio para o país no setor tecnológico para dar mais sustentabilidade à indústria brasileira.
Organizações não governamentais criticam o plano por falta de clareza. Para o presidente do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, o plano de transformação ecológica tem objetivos claros como a consolidação do mercado de créditos de carbono e a emissão de bônus verdes. Por outro lado, não tem clareza sobre valores que serão investidos, assim como metas para a mudança de padrões de consumo e o apoio governamental aos setores que vão liderar as mudanças. “Há ausência de cronograma e estratégia para acabar com nossa dependência de combustíveis fósseis” , afirmou Leitão.
Levantamento feito pelo instituto Igarapé mostra que o Brasil tem potencial para se posicionar no mercado da transição energética. O levantamento aponta que o país é dono de uma diversificada oferta de minerais estratégicos, matéria-prima disputada na transição para uma energia verde.
Os dados apontam que o país tem 94% das reservas mundiais de nióbio, 22% de grafite e 16% de níquel, além de representar 17% de terras raras, o terceiro maior depósito do planeta. Segundo o levantamento, 30% das reservas desses minerais estão localizadas na Amazônia Legal.
Para Rinaldo Mancin, diretor de relações Institucionais do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), essa é uma oportunidade que pode reposicionar o Brasil na geopolítica mundial da energia limpa. “O Brasil tem uma matriz energética muito privilegiada, sendo composta na sua maioria por fontes renováveis. O Brasil é uma potência mineral e tem um imenso potencial geológico ainda muito desconhecido, com a possibilidade de atrair investimentos bilionários para a produção de minerais”, afirmou Mancin.
No entanto, embora o Brasil tenha uma grande reserva de energia verde comparado ao resto do mundo, a maior parte dos investimentos do país está concentrada ainda na energia advinda dos fósseis.
O planejamento decenal apresentado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aponta que 70% dos investimentos do país em energia são para combustível fóssil. "A gente não tem uma situação tranquila. O país está atrasado na corrida tecnológica pela transformação ecológica, e não há investimentos para uma energia verde."
O atraso tecnológico e a falta de recursos mais robustos para a transição de energia no Brasil faz essa mudança para energia verde ser desafiadora. Segundo a EPE, no setor de transporte, apenas 48% vem de energia renovável, ou outros 52% ainda é combustível fóssil.
Para o presidente do Instituto Socioambiental, o custo da transição energética é gigante e o de não fazê-la é muito maior. “As grandes petroleiras estão cientes de que as energias fósseis terão que ser substituídas e que elas próprias precisam se adaptar, transformando-se em produtoras de energias limpas. “ disse Santilli.
Especialistas defendem que a Petrobras deve liderar o mercado de transição energética. No entanto, os recursos para investir em novas energias deve vir da exploração do petróleo , que empresa pretende ampliar na região Norte do país.
Sérgio Leitão salienta que, enquanto o Brasil não tomar uma postura clara de transição, a Petrobras ficará igual.
"Enquanto a Petrobras não tiver um plano estratégico que reflita nos investimentos da companhia e esforços para fazer uma transição no seu modelo de verticalização, a situação ficará como está, onde a energia de baixo carbono mesmo estando misturada ao gás (fóssil) tem apenas 9% que serão investidos nos próximos anos. São R$ 102 bilhões de investimentos. Desse total, apenas R$ 11 bilhões são para investimentos para energia de baixo carbono”, afirmou Leitão.
Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental, acredita que a transição energética ainda está no mundo das ideias. “A Petrobrás, assim como outras grandes petroleiras, incorporou a ideia da transição, mas não define metas e horizontes cronológicos claros com começo, meio e fim.
Para Rinaldo Mancin, diretor do Ibram, a Petrobras deveria seguir o exemplo de outras Petrolíferas no mundo na busca de energia descarbonizada .”Uma empresa desse tamanho e com essa capacidade liderando a busca por energia renovável é de extrema a importância para o país e sem contar que é um atrativo para o mercado financeiro”, enfatizou Mancin.
Carros elétricos
Nesta fase de transição energética vivida pelo mundo, o automóvel elétrico tem sido cada vez mais um dos protagonistas do uso de energia limpa quando se fala em mobilidade.
O carro elétrico não emite ruídos nem gera poluentes. O mecanismo do motor sofre menos atritos, uma vez que, a eletricidade permite o melhor aproveitamento da energia do sistema.
Os motores a combustão se transformaram em vilões da transmissão do carbono. Tanto que diversos países europeus vão restringir esse tipo de veículo, até a total proibição, a partir de 2030. Mas no Brasil, ainda deve demorar a troca total do motor a combustão pelo elétrico.
Para o diretor do Ibram, a transição de combustíveis fósseis para energia limpa não será rápida. “Para obter a mesma quantidade de energia que hoje é produzida por combustíveis fósseis vamos ter que aumentar massivamente a mineração: mais de 1000%. Este nº não é especulação, é física”, afirmou Mancin
A transformação dos minerais críticos em baterias, painéis solares, super imãs, pás de turbinas, motores, etc., consome muita energia. Um carro elétrico, por exemplo, requer seis vezes mais recursos minerais do que um carro convencional.
Além disso, o consenso entre as autoridades ambientais no país é de que a questão da falta de planejamento claro para a transição energética no Brasil pode atrasar ainda mais o crescimento do consumo de carros elétricos no país. O estudo “Acelerando a Mudança Rumo à Mobilidade Sustentável no Brasil" feito pela McKinsey & Company revela que os carros elétricos só serão maioria no Brasil daqui 20 anos.
A pesquisa mostra ainda que 44% dos brasileiros procuram mais por mobilidade sustentável do que a média global, 33%. Entretanto, o acesso da população a esses modelos ainda é escasso no Brasil por causa do alto custo.
Para o diretor do Ibram “a massiva adoção de carros elétricos está condicionada a alguns fatores críticos como: políticas de incentivo para a troca de carros e, principalmente, ampliação da infraestrutura de abastecimento”, disse Mancin.
A adoção de políticas de incentivos tributários e de infraestrutura estão entre as apostas das montadoras para massificar os automóveis elétricos. No entanto, o carro elétrico popular deve demorar mais de dez anos para se tornar comum no país. Hoje, nenhuma montadora instalada no Brasil produz veículos elétricos.
Por causa disso, o Ministério do Desenvolvimento e Comércio voltou a tributar a importação de carros híbridos e elétricos a partir de janeiro do ano que vem. Segundo o ministério, "a medida é para desenvolver a cadeia automotiva nacional e acelerar o processo de descarbonização da frota brasileira".