Ex-diretor-geral da Polícia Federal diz que Torres não tentou interferir na PRF
Márcio Nunes afirmou que ex-ministro pediu ação conjunta entre as corporações, mas para evitar fraudes eleitorais
Brasília|Natália Martins, da Record TV
Dois depoimentos de ex-membros da cúpula da Polícia Federal confirmam a versão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, de que ele não interferiu na Polícia Rodoviária Federal (PRF), no segundo turno das eleições de 2022. As oitivas ocorreram em maio, e a Record TV teve acesso às transcrições.
Os depoimentos são do ex-diretor-geral da PF, Márcio Nunes, e do ex-superintendente da corporação na Bahia, Leandro Almada. Os dois confirmaram que houve pedido do ex-ministro para atuação conjunta com a PRF, mas que o motivo alegado seria o combate a fraudes eleitorais.
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Nunes disse que viajou até a Bahia, com Torres, cinco dias antes do segundo turno das eleições. Afirmou que foi ele quem convidou Torres para visitar as obras da Superintendência da PF no estado. Segundo o ex-diretor-geral, o motivo do convite seria por ele não ter comparecido à cerimônia de posse do superintendente na Bahia, por isso teria sugerido que o ministro Anderson Torres estaria em dívida, pois "havia uma reclamação porque o MJSP [ministro da Justiça e Segurança Pública] estava indo mais a eventos da PRF do que da própria PF". Torres é delegado de carreira da Polícia Federal.
O ex-diretor-geral da PF afirmou que, durante uma reunião com o então superintendente da corporação na Bahia, que aconteceu em Salvador, Torres e outras quatro pessoas teriam conversado informalmente com ele sobre eleições, já que se aproximava a data do segundo turno. Nunes disse que pediu ao chefe da PF na Bahia reforço máximo no policiamento ostensivo da PF e que apenas teria sugerido o uso de efetivo da PRF para auxiliar no combate a crimes eleitorais no estado.
O delegado Leandro Almada, ex-superintendente da PF na Bahia, confirmou que foi o ex-diretor-geral quem pediu o reforço no trabalho ostensivo da corporação. Ele citou a suposta preocupação de Nunes e do ministro Torres. "Eles ouviram relatos de uma compra de votos grande na Bahia, vários crimes eleitorais, tanto em relação à compra de voto... E que facções criminosas em Salvador estariam nitidamente apoiando o candidato do PT. Que estariam constrangendo eleitores em seções com armas de fogo", disse.
Almada contou que informou aos dois que "havia realmente um buchicho na cidade", mas que, "em relação à questão de facções criminosas apoiando o candidato citado, já tinha visto que era fake news".
Quanto à orientação de trabalhar em integração com a PRF, ele disse que já tinha posto 70% do efetivo da Polícia Federal para o segundo turno das eleições, mas que "eles falaram coloque ainda mais, para não ficar ninguém parado" e que, se fosse preciso, eles poderiam contar com o reforço de "30, 40 da PRF à disposição para integrar a equipe".
O delegado disse ao então diretor-geral e ao então ministro que usaria todo apoio necessário, mas, quando eles foram embora, alinhou outra estratégia. "Entendo inadequada essa ação conjunta, a gente atuaria sozinho, dentro do nosso planejamento da PF, no padrão da PF, sem necessidade de equipes integradas. E foi isso que ocorreu", afirmou no depoimento.
Investigação sob sigilo
A Record TV teve acesso, com exclusividade, a outros três depoimentos do inquérito que corre sob segredo e investiga os bloqueios da PRF em locais onde o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia tido vantagem no primeiro turno.
A alegação de um servidor mobilizado no Ministério da Justiça e Segurança Pública é que ele achou estranho o pedido da ex-diretora de Inteligência, Marília Alencar, para que fosse feito um relatório que apontasse os locais onde o candidato de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PL) tinha recebido mais votos.
Marília já depôs nesse inquérito. Ela confirma a produção do boletim de inteligência e alega que é rotina da diretoria fazer esses levantamentos. Esse teria sido feito para mapeamento de possíveis fraudes eleitorais.
O boletim teria a intenção de mapear, na verdade, locais onde cada um dos candidatos à Presidência teve mais de 75% dos votos no primeiro turno. A suspeita levantada pelo servidor é de que o boletim possa ter sido utilizado pelo então diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, para direcionar os bloqueios montados no segundo turno, especialmente em municípios do Nordeste.
Além do funcionário, a delegada Marília Alencar e o delegado e ex-secretário de Operações Integradas do Ministério da Justiça, Alfredo Carrijo, já prestaram esclarecimentos no inquérito.
Torres negou ter solicitado a produção do boletim de inteligência e também que tenha utilizado o documento como orientação à PRF. O ex-ministro disse que nunca pediu ao ex-superintendente da PF na Bahia que ajudasse nos bloqueios da PRF.
O principal suspeito de tentar interferir no pleito é Silvinei Vasques, que ainda não foi chamado para depor. Ele deve ser ouvido no começo de junho.
A PF ainda quer ouvir as outras quatro testemunhas da reunião em Salvador: o ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, brigadeiro Antônio Lorenzo, e três delegados lotados na Superintendência da Polícia Federal da Bahia — Flávio Albergaria, atual superintendente no estado, Marcelo Werner e Rodrigo Carvalho.