Lula diz que é insanidade punir mulher que faz aborto com pena maior que a do estuprador
Segundo o presidente, proposta ‘não é séria’ ao prever punição maior às vítimas de estupro: ‘É, no mínimo, uma aberração’
Brasília|Victoria Lacerda, do R7, em Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou de “insanidade” o projeto de lei da Câmara dos Deputados que equipara o aborto ao crime de homicídio. Segundo ele, querer punir uma mulher com uma pena maior do que o criminoso que cometeu o estupro “é, no mínimo, uma aberração”. A fala de Lula aconteceu neste sábado (15), depois de agenda em Puglia, na Itália, com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, e com o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz.
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“Eu acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher com uma pena maior do que o criminoso que cometeu o estupro. Eu, sinceramente, à distância, não acompanhei o debate, muito intenso no Brasil. Quando eu voltar, tomarei ciência disso. Tenho certeza que o que a gente tem na lei já garante que a gente aja de forma civilizada [nesses casos], para tratar com rigor o estuprador e para tratar com respeito à vítima. É isso que precisa ser feito”, afirmou.
Lula disse, ainda, que é contra o aborto, mas comentou que o tema precisa ser tratado como questão de saúde pública. “Tive cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Eu sou contra o aborto. Entretanto, como o aborto é uma realidade, a gente já deve tratar o aborto como uma questão de saúde pública”, observou.
“Quando alguém apresenta uma proposta que a vítima tem que ser punida com mais rigor do que estuprador, ela não é séria. Sinceramente, não é séria”, completou Lula.
O presidente está na Europa desde quinta-feira (13). No continente, Lula participou de fórum da ONU e discursou na cúpula do G7, que reúne as sete maiores economias globais. Os encontros com os líderes europeus foram à parte das agendas do grupo. Lula e Janja embarcam para o Brasil no início da tarde deste sábado. A previsão de chegada em Brasília é para madrugada de sábado para domingo (14).
Projeto sobre o aborto
Em uma votação relâmpago e sem debate, a Câmara aprovou na última quarta-feira (12) a urgência do projeto que torna a punição para algumas situações de aborto similar à pena de homicídios. O projeto ainda não tem data para ser votado no plenário.
Nenhum deputado contestou a condução incomum por parte do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), durante a votação. Ele mencionou um acordo feito com as bancadas, sem detalhar do que se tratava, e declarou a matéria aprovada em apenas 23 segundos de maneira simbólica.
O requerimento aprovado acelera a tramitação da iniciativa e faz com que ela possa ser pautada diretamente em plenário, sem precisar passar por comissões.
O novo texto proposto sugere que o aborto legal seja criminalizado acima de 22 semanas em todos os casos previstos, com pena equivalente à de homicídio simples, de seis a 20 anos de reclusão, inclusive nos casos de estupro. Atualmente, a pena média para estupradores é de seis a 10 anos.
Agenda na Europa
Na Europa, o presidente brasileiro se reuniu com políticos de diferentes correntes ideológicas. Meloni é um dos expoentes da direita na Europa e, apesar das diferenças de posicionamento, o convite a Lula para o G7 partiu dela. Scholz é mais alinhado ao centro, e a coalizão partidária da qual ele faz parte enfrentou recentes derrotas nas eleições para o Parlamento Europeu.
Nessa sexta-feira (15), Lula teve encontros com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e com os presidentes da França, Emmanuel Macron, e da Turquia, Recep Erdogan, e com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
Erdogan, político de direita, pediu o apoio de Lula para a adesão da Turquia ao Brics — bloco que reunia, originalmente, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que recepcionou Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã no ano passado. O presidente brasileiro confirmou apoio ao pedido.
Com Macron, líder alinhado à centro-esquerda, Lula discutiu parcerias, meio ambiente e combate ao garimpo ilegal. O presidente francês esteve no Brasil em março, quando visitou Belém (PA), Itaguaí (RJ), Brasília (DF) e São Paulo (SP). Durante a viagem, Lula e Macron assinaram 23 acordos Brasil-França.
Ao presidente brasileiro, Modi, posicionado mais à direita, confirmou que vem ao Brasil em novembro, para a cúpula do G20, em novembro, no Rio de Janeiro. Lula demonstrou ao líder indiano a intenção de visitar a Índia, sem informar datas.
Ursula e o petista discutiram o acordo entre Mercosul e União Europeia, negociado há 20 anos. As tratativas avançaram em 2023, mas a parceria está travada e não foi concluída. Entre outros impasses, a França é uma das principais opositoras ao acordo pelo aumento do fluxo de produtos latinos no país, o que competiria com os agricultores franceses.