O senador Efraim Filho (União-PB), autor da lei que renovou a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores que mais empregam na economia brasileira, diz que as medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quinta-feira (28), contrariam uma decisão do Congresso Nacional e devem enfrentar resistência no Parlamento. Para Efraim, a situação gera insegurança jurídica para as empresas. "Como que o empreendedor brasileiro irá se portar? [...] Ele vai seguir a regra da medida provisória ou da lei, aprovada pelo Congresso e recentemente publicada no Diário Oficial da União?", indagou o parlamentar.
O senador paraibano também explicou que parlamentares estão em contato com a equipe econômica para acordar que matérias como essa sejam enviadas ao Congresso na forma de projeto de lei. "Já encaminhamos ao gabinete do ministro da Fazenda o sentimento que o ideal é que esse tipo de proposta seja enviada como projeto de lei, mesmo que com urgência constitucional. Assim, temos mais tempo para que o diálogo possa acontecer", afirmou.
Por meio de projeto de lei, o texto passa por todo o trâmite de análise na Câmara dos Deputados e no Senado. Já a medida provisória tem força de lei e começa a vigorar assim que for publicada. A partir dessa data, os parlamentares devem analisar o texto em até 60 dias para que ele não perca a validade. Outro ponto é que as MPs trancam a pauta legislativa.
A lei que renova a desoneração da folha de pagamento de setores responsáveis por cerca de 9 milhões de vagas de emprego foi publicada no Diário Oficial da União nesta quinta, após os parlamentares derrubarem o veto integral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Repercussões
O advogado tributarista Igor Mauler Santiago afirma que as medidas anunciadas parecem contraditórias à tendência que tem sido adotada pelos congressistas. "A medida me parece um pouco contraditória com a tendência do Supremo de validar a terceirização — troca de empregos formais por PJs [pessoas jurídicas]. Talvez no médio prazo a tributação da receita, em vez da folha, gere mais, e não menos, arrecadação", analisou.
Vivien Suruagy, presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e Informática (Feninfra) e da Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (ConTIC), diz que a discussão ocorrida no Congresso foi democrática.
"Houve muito debate, análise e um direcionamento claro do que a sociedade brasileira deseja nesse quesito. Enquanto isso, essa eventual medida provisória do governo não foi debatida com os setores", afirmou.
Vivien também explicou que o pronunciamento da equipe econômica não trouxe muitos esclarecimentos sobre o novo modelo que o governo quer adotar em pontos como a tributação da folha. Para ela, faltam aspectos importantes, como as datas de vigor das novas regras.
Procurada pela reportagem, a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), que conta com mais de 80 empresas associadas, informou que vai comentar a proposta da Fazenda após a divulgação da medida provisória.
Para o tributarista Carlos Daniel Neto, a desoneração da folha com a cobrança sobre a receita bruta era uma medida com a finalidade de gerar mais empregos.
"Infelizmente, os estudos estatísticos sobre os setores beneficiados apontam que, enquanto política fiscal, ela não foi bem sucedida, o que justificaria a sua revogação. Entretanto, em um contexto de aumento do número de vínculos de trabalho envolvendo pessoas jurídicas (pejotização), talvez seja o momento de se pensar em uma alternativa à tributação da folha", explicou
A tributarista Maria Andréia dos Santos explicou que pela fala do ministro Fernando Haddad, o Poder Executivo irá alterar a regra da compensação tributária para impedir que contribuintes detentores de créditos em valores acima de R$ 10 milhões compensem seus créditos de acordo com a sua apuração de tributos federais.
"Na prática, o governo quer limitar a compensação tributária para buscar elevar a receita de arrecadação no decorrer do próximo ano. Haverá, inegavelmente, violação ao direito do contribuinte de exercer plenamente o direito que lhe foi assegurado por decisão judicial transitada em julgado. Claramente, por conta dessa iniciativa, haverá uma nova onda de judicializações sobre o tema e tudo para garantir o exercício do direito assegurado por decisão judicial transitada em julgado. É uma regra que claramente tem por finalidade limitar a compensação dos créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins", disse
Com essa medida, segundo a tributarista, o governo busca limitar os efeitos das decisões judiciais e restringir o direito dos contribuintes, "não permitindo que esta discussão se encerre, instituindo um verdadeiro 'calote' como em passado recente foi feito pelo Governo com relação aos precatórios, postergando no tempo o direito do contribuinte de compensar o crédito também decorrente de decisão transitada em julgado”.
Entenda
Em uma coletiva de imprensa, Haddad anunciou que o governo deve encaminhar ao Congresso três medidas provisórias que visam substituir a perda de arrecadação federal. São elas: limite para compensações judiciais, programa voltado para a retomada do setor de eventos e reoneração parcial das empresas. Não há um valor bruto do impacto de todas, mas o titular garantiu que as duas últimas são na ordem de R$ 6 bilhões.
Leia mais: Haddad anuncia reoneração gradual da folha e teto para compensação de tributos
Haddad vai propor uma medida para regular as compensações judiciais acima de R$ 10 milhões. Durante coletiva de imprensa, o ministro informou que foram devolvidos cerca de R$ 500 bilhões às empresas. “A União foi condenada a devolver, não para o consumidor, mas para a empresa que recolheu o imposto que cobrou do trabalhador”, disse.
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O assunto deve enfrentar resistência, já que a prorrogação da desoneração foi aprovada por 84% dos deputados e por aclamação no Senado.
O que é a desoneração?
O objetivo da desoneração é aliviar parcialmente a carga tributária. Pela medida, em vez de o empresário pagar 20% sobre a folha do funcionário, o tributo pode ser calculado com a aplicação de um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia de 1% a 4,5%, conforme o setor.
A contribuição é feita, mas passa a se adequar ao nível real da atividade produtiva do empreendimento. Em outras palavras, as empresas que faturam mais contribuem mais. Com isso, é possível contratar mais empregados sem gerar aumento de impostos.
A medida está em vigor desde 2011, no governo de Dilma Rousseff (PT). Quando a concessão foi implementada, 56 setores eram contemplados, mas o ex-presidente Michel Temer (MDB) sancionou, em 2018, uma lei que removeu 39 segmentos do regime. A medida valeria até 2021, mas foi prorrogada pelo então presidente, Jair Bolsonaro (PL), até 2023.