Novos prefeitos terão como desafio garantir creche para 600 mil crianças que aguardam vaga
Novo PNE em discussão na Câmara volta a colocar como meta acesso a pelo menos 50% das crianças de zero a três anos a creche
Brasília|Thays Martins, do R7, em Brasília
Este ano é a segunda vez que Andresa Alves tenta uma vaga de creche para o filho João, de 3 anos. O menino estudava em uma instituição particular em Valparaíso (GO), mas o custo ficou pesado e ele precisou sair. A necessidade de ter um local para deixar o pequeno é clara.
“Ajudar no desenvolvimento do meu filho e ter uma segurança para trabalhar, não precisando colocar um estranho na minha casa ou mandar ele para casa de estranhos”, explica Andresa.
Assim como João, mais de 600 mil crianças esperam por uma vaga em creche no Brasil. A educação infantil é uma das responsabilidades que os 5.569 prefeitos eleitos que assumem os postos no início do ano têm pela frente.
Durante a campanha, o tema estava em alta. Levantando feito pelo R7, mostra que 81% dos candidatos às Prefeituras das capitais têm alguma proposta relacionada às creches.
Segundo Karina Fasson, gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, no entanto, o tema ainda não está ocupando o espaço que deveria, e mais, é preciso avançar no debate em relação apenas ao acesso para a qualidade dessa educação infantil.
“Esse tema ainda é pouco discutido e é uma discussão sobre zerar a fila da creche. Mas, por exemplo, a discussão não avança no sentido da qualidade. A gente defende aqui na Fundação que não basta você oferecer uma vaga. Tem que ser um acesso com qualidade, que promova o desenvolvimento e as condições para aprendizagem das crianças”, afirma.
Prioridades nas creches
Pesquisa feita pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal indicou que 45% de todas as crianças de 0 a 3 anos do país são prioritárias para o acesso às creches. Isso porque elas se encaixam em algum fator como vulnerabilidade, família monoparental, com cuidador economicamente ativo e crianças com deficiência.
Karina chama atenção também para as diferenças regionais. Enquanto em Salvador 61% das crianças são prioritárias para as creches, em Porto Velho são só 32%.
“Os municípios precisam levantar essa demanda e não só a demanda manifestada, mas também que o município entenda quais são as famílias, inclusive vulnerabilizadas, que desconhecem o direito e que não buscam esse direito”, destaca.
As dificuldades de acesso são ampliadas ainda mais quando se fala de classe social. Dentre as famílias mais pobres, 28% das crianças não estão nas creches por dificuldade de acesso. Já entre as mais ricas, esse número cai para 7%, segundo levantamento do Todos pela Educação.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou ainda a desigualdade no acesso no caso da pré-escola, fase obrigatória para crianças de quatro a cinco anos, entre as 20% mais ricas, 98% frequentam a escolinha, quando se trata das 20% mais pobres, o número cai para 89,7%. Ao todo, são 209 mil crianças do país nessa idade fora da escola.
Para se ter uma ideia do problema, hoje são mais de 21 mil processos correndo na Justiça de famílias requerendo o direito à educação infantil, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Em setembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) fixou o entendimento de que a educação básica é um direito fundamental e que o Estado tem o dever de assegurar vagas em creches e pré-escolas às crianças de até 5 anos.
Educação infantil universal
A meta do PNE (Plano Nacional de Educação) era universalizar a educação infantil até 2016 entre as crianças de 4 e 5 anos e ampliar a oferta de creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos até o fim de 2024.
No entanto, segundo balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, até o momento só 40% das crianças de até três anos estão na creche e 93% das que têm entre quatro e cinco anos na educação infantil. A validade do PNE terminaria em 2024, mas foi prorrogado até o fim de 2025.
O novo PNE, enviado ao Congresso pelo presidente Lula, volta a colocar como a primeira meta a ampliação da oferta de matrículas em creche e universalização da pré-escola. O texto, que valerá por 10 anos, está em discussão na Comissão de Educação.
Para Ana Cláudia Medeiros, líder das iniciativas de educação infantil da Fundação Abrinq, para garantir o alcance da meta é preciso a expansão de vagas: ampliar parcerias com o setor privado e com organizações da sociedade civil para aumentar a capacidade de atendimento e o mapeamento setorial para identificar o número de crianças fora da creche.
“Para que as crianças tenham oportunidades de desenvolver todo o seu potencial durante a primeira infância, é necessário que o acesso às vagas caminhe lado a lado com a qualidade do ensino, conduzido por profissionais capacitados. Também é essencial oferecer atendimento em espaços físicos que sejam seguros, estimulantes e acolhedores, promovendo o desenvolvimento saudável e integral das crianças”, detalha.
Por isso, segundo ela, é preciso ainda investir em infraestrutura para que os espaços de atendimento às crianças sejam adequados, valorizar os profissionais da educação por meio de formação continuada, suporte pedagógico e trabalho em rede com equipes multidisciplinares e implementar políticas de inclusão.
Impacto da educação infantil
Assim como Andresa, do início dessa reportagem, muitas mães colocam seus filhos nas creches para poderem trabalhar. E o impacto para as mães é claro. Uma pesquisa desenvolvida no Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) mostrou que a maior parcela das mães fora da força de trabalho tem seus filhos de 0 a 5 anos de idade fora da escola.
“Quando a gente olha para o campo da economia, a gente percebe que a creche pode ser muito mais benéfica para a sociedade, porque afeta todo o entorno da criança. A maternidade impõe um desafio muito alto para a mulher, ela acaba tendo que sair do mercado de trabalho e muitas não consegue voltar”, destaca Janaína Feijó, pesquisadora do Ibre FGV responsável pelo estudo.
Karina Fasson, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, ressalta ainda que as creches surgem a partir de uma luta das mulheres. “Então ela tem esse papel também de apoiar as famílias, sobretudo famílias mais vulneráveis, para que possa haver essa inserção ou reinserção da cuidadora principal”, lembra.
Janaína ainda chama atenção para dois pontos. Segundo ela, mais do que construir creches é preciso manter elas e isso tem um custo. Além disso, em prefeituras pequenas, onde há poucos recursos, ela ressalta que é preciso fazer um planejamento para priorizar as famílias que mais precisam.
“A gente vê que várias creches começaram a ser construídas e foram paradas. Os recursos foram alocados e foram perdidos, muitas vezes foi feito de maneira desordenada. Tem que entender quem está demandando. Às vezes a creche é construída longe de quem precisa acessar. A política pública eficiente tem que ser coordenada com a demanda da sociedade”, explica.
Creche é mais do que cuidado
Para além de ser um apoio para os pais que precisam trabalhar, as creches também trazem inúmeros benefícios para a primeira infância, que é a fase entre zero e seis anos.
Segundo relatório global do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), as crianças matriculadas na educação infantil têm duas vezes mais probabilidade de adquirirem habilidades básicas de alfabetização e matemática, em comparação às que não participaram dessa etapa. Além disso, elas são menos propensas à repetência ou ao abandono escolar.
“A creche também cumpre um papel, por exemplo, de alimentação saudável, tem um papel importante também de proteção, quando a gente pensa que as crianças nessa faixa etária, a maior parte da violência que sofre tem a ver com o ambiente doméstico”, completa Karina Fasson.