Após incêndio na Kiss, casas de shows buscaram regularização
Segundo produtor, outros estabelecimentos não tinham alvará do Corpo de Bombeiros. Na tragédia, 242 pessoas morreram
Cidades|Fabíola Perez, do R7, em Porto Alegre (RS)
O quarto dia do julgamento dos quatro réus acusados de serem responsáveis pelo incêndio na boate Kiss começou, neste sábado (4), com o depoimento do empresário Alexandre Marques, indicado pela defesa do réu Elissandro Spohr. O produtor de eventos disse que antes da tragédia em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos, não havia um controle de pessoas em estabelecimentos.
“Na verdade, todas as casas correram solicitando a visitação dos Bombeiros. É que nem hoje na pandemia, tu chega e tem uma plaquinha da máscara. Tu chegava tinha o limite de limite X e tal”, revela.
O produtor reforçou durante todos os depoimentos que é comum o uso de objetos como chuva de prata, Sputniks e “tudo que deixasse o show mais bonito”.
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Marques trabalhava com a produção de eventos e a comercialização de shows em casas noturnas. O depoimento é o primeiro deste sábado no Foro Central de Porto Alegre. Além dele, a previsão é que seja ouvida também a vítima arrolada pela Assistência de Acusação, Maike Ariel dos Santos.
Uso de artefatos pirotécnicos
Além de empresário e organizador de eventos, Marques era também produtor da banda Multiplay, que fazia shows na boate Kiss. Durante o depoimento, ele explica como era sua atuação em estabelecimentos noturnos. “Tudo que é externo na banda era eu que fazia na época”, explica. “Por estar acostumado a utilizar [artefatos pirotécnicos] olho para ver se é uma altura segura para poder funcionar. O ideal de um pé direito bom para ser usado um Sputnik é de 3,5 a 4 metros. O artefato tem de estar no chão”, completa. “O cantor chega para tocar, ele não tem essa informação”, diz ele à advogada de Marcelo, vocalista da banda.
O produtor contou que, embora tenha parado de frequentar casas noturnas, de forma geral, elas continuam a funcionar sem segurança. Momentos depois, a bancada de Jean Severo, advogado de Luciano Bonilha, auxiliar da banda que segurou o artefato, interrogou Marques sobre os produtos Sputnik e velas colocadas em bebidas.
“Uma pessoa sem conhecimento e sem experiência leva o que tem na loja”, diz o produtor sobre os artefatos pirotécnicos. Severo questionou se a testemunha considerava seguro adquirir o produto em uma casa sem a embalagem. Marques, por sua vez, insistiu que não compraria sem as instruções para uso. A testemunha acrescentou ainda que é comum tais objetos em festas de casamento e celebrações de aniversário.
Marques começou o depoimento afirmando que a Kiss era uma boate com espaços “refrigerados” e que ficou com “um glamour maior” após a reforma realizada por Elissandro Spohr.
Questionado sobre se o sócio da casa era “ganancioso”, Marques disse que “não teve problemas com isso”. “Eu dava o meu preço e ele pagava”, disse o empresário. Em relação à lotação da casa, a testemunha relatou que “se a casa está muito lotada” as pessoas têm dificuldade para chegar ao bar. “Você não consegue chegar, acaba ficando claustrofóbico. Mas quando eu contrato um lugar, a gente ganha com a entrada.”
Pausa
Com pouco mais de uma hora de depoimento, o juiz Orlando Faccini Neto pediu um intervalo. Naquele momento, a promotora do Ministério Público, Lúcia Helena Callegari conversou com familiares de vítimas. “Contem comigo”, disse ela aos cerca de 25 parentes de vítimas que estavam na plateia.
“Já estava esperando o depoimento dele [Alexandre Marques]. Ele vai dizer que o Kiko impediu ele de colocar fogo, que isso era perigoso. Mas a gente tem imagens e depoimentos dizendo que isso acontecia. É uma testemunha trazida pelo Kiko”, disse a promotora.
Lúcia Helena criticou ainda a forma como as vítimas estão sendo tratadas ao depor: “Está se tentando contradizer, são pessoas que estão fragilizadas. Está se tentando massacrá-las. Não são todas as defesas, mas parte delas está fazendo isso. Os jurados não são bobos, eles são muito inteligentes e tenho certeza que, na decisão final, a sociedade vai mostrar aquilo que viu.”
No intervalo do depoimento de Marques, Aderbal Ferreira, pai de Jeniffer Ferreira, vítima da tragédia, disse o julgamento é um momento para as vítimas unirem forças. “Batalhei desde o início para isso. Não queríamos estar juntos para essa finalidade. Se não tem outras pessoas sentadas no banco dos réus, daqui temos que tirar nossas respostas para nossas famílias e para a sociedade – que acha que eles são ‘coitadinhos’. Mas eles estão sendo julgados pelo que aconteceu no passado e não por hoje.”
Júri
O julgamento começou na quarta-feira (1º) e não têm uma data definida para terminar. Os depoimentos têm durado entre duas e cinco horas. Em função disso, o Ministério Público propôs que que cada parte reduzisse o número de testemunhas e vítimas. A proposta foi apresentada no plenário e aceita pelo juiz Orlando Faccini Neto.
O julgamento é considerado o maior tribunal do júri da história do Rio Grande do Sul e um dos mais importantes do país. “No Brasil, tivemos poucos casos dessa magnitude, com essa gravidade e impacto social”, disse o desembargador Antônio Vinícius Amaro da Silveira, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Quatro réus são julgados pela morte de 242 pessoas e pela tentativa de homicídio de outras 636 que ficaram feridas no incêndio ocorrido em Santa Maria (RS). Dois deles são ex-sócios da boate, e os outros dois, músicos da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local e pôs fogo no teto.
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