Caso Kiss: advogado de defesa e juiz travam embate em julgamento
Magistrado Orlando Faccini Neto apontou postura "apelativa" de advogado e ouviu que estaria provocando a plateia contra a defesa
Cidades|Fabíola Perez, do R7, em Porto Alegre (RS)
O segundo dia do julgamento dos quatro réus acusados de serem os responsáveis pelo incêndio na boate Kiss, que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos em 2013, teve nesta quinta-feira (2) momentos de comoção, debates técnicos sobre a espuma inflamável presente no isolamento acústico da boate Kiss e discussões acaloradas entre o juiz Orlando Faccini Neto e o advogado de defesa Jader Marques, que representa um dos ex-sócios da boate.
A primeira discussão entre ambos se deu durante o depoimento de Jéssica Rosado, que perdeu o irmão Vinícius na tragédia. Em determinado momento, a advogado aproximou dela seu cliente, Elissandro Spohr, um dos antigos donos da Kiss, e perguntou se a testemunha o odiava. Ela respondeu que não, mas o diálogo foi interrompido pelo juiz, que afirmou que julgava a ação "apelativa". Marques rebateu afirmando que discordava e que o juiz estava realizando "cerceamento de defesa".
O juiz voltaria a promover uma nova discussão com Jader Marques no início da noite. Na ocasião, Neto comentava sobre a possibilidade da realização de uma pausa de 40 minutos para o jantar e ouviu do defensor que esse intervalo era apenas o tempo necessário para o deslocamento até um shopping onde ele e sua equipe fariam a alimentação.
O magistrado rebateu afirmando que o julgamento precisa ter continuidade. "A minha janta tá num 'tupperware' gelada e eu vou comer ela ali na sala. Então faça a sua comida e traga de casa, ou então vá comer e depois a pessoa volta", disse, propondo alternância entre o advogado e seus assistentes. "Posso lher a minha comida se o senhor quiser", afirmou, arrancando aplausos da plateia formada majoritariamente por parentes de vítimas da tragédia.
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Novamente, Jader Marques rebateu a fala do juiz, e falou que ele estaria fazendo proselitismo e provocando a plateia contra a defesa.
Depoimentos
O julgamento foi retomado pela manhã. Parentes chegaram cedo em silêncio ao Foro Central I de Porto Alegre. A primeira testemunha do dia foi Emanuel de Almeida, sobrevivente do incêndio. Ele começou a depor por volta das 9h30 e disse que teve dificuldades para encontrar a rota de saída e era possível ver sinalização.
Hoje com 27 anos, Emanuel de Almeida contou que não costumava frequentar a boate e que, no dia 27 de janeiro de 2013, havia combinado com o irmão gêmeo de comemorarem o aniversário na casa noturna. Acompanhado de mais algumas pessoas, ele diz que o grupo estava no bar na parte superior. “Não tinha visão do palco. No começo surgiu um boato de que era briga. As pessoas começaram a passar, as pessoas entraram em estado de pânico”, afirmou.
Segundo ele, em questão de minutos, o incêndio se agravou. “Foi tudo muito rápido. Me lembro de procurar as placas e não visualizei nenhuma, não conhecia a casa. Peguei o celular para iluminar o chão, nesse momento, bateram em mim, abaixei para pegar o celular e bateram em mim novamente. Minha estimativa é que demorei de 3 a 4 minutos para sair.” Depois de ter caído, Emanuel disse que sentia substâncias pingando sobre seu corpo. Precisou ser internado até se reabilitar.
Medicada
Após mais de uma hora de interrogatório do Ministério Público, a advogada Jéssica Montardo Rosado passou mal e teve de ser levada para uma sala restrita do Foro Central I de Porto Alegre, Jéssica chorou e se mostrou abalada em diversos momentos do depoimento à promotora Lúcia Helena e ao juiz Orlando Faccini Neto.
O MP-RS exibiu à depoente um vídeo que mostrava imagens da banda Gurizada Fandangueira minutos antes de o incêndio se iniciar. Quando o magistrado interrompeu a sessão para o intervalo, a irmã de Vinícius, que morreu ao tentar salvar outros jovens na tragédia, deixou o plenário chorando e com as mãos no rosto.
Após um intervalo para o almoço, o destaque ficou por conta do depoimento do engenheiro civil Miguel Ângelo Teixeira Pedroso, de 72 anos. Ele afirmou que desaconselhou o proprietário Elissandro Spohr a fazer a reforma do estabelecimento com espuma para o isolamento acústico ao realizar um projeto para o espaço em 2011, dois anos antes da tragédia. “Só um leigo ou ignorante na área poderia achar que espuma seja conveniente dentro de uma boate”, disse ele ao juiz Orlando Faccini Neto. O depoimento durou cerca de 5 horas.
Primeiro dia
O primeiro dia do julgamento foi marcado por momentos de tensão e choro. Um desses momentos ocorreu na chegada do produtor musical Luciano Bonilha, de 43 anos, por volta das 9h. Abalado ao subir as escadas do prédio do Foro Central I de Porto Alegre, o músico disse à imprensa, aos gritos: “Eu não sou assassino.”
O julgamento acontece quase nove anos após a tragédia de Santa Maria.