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Com revista eletrônica, famílias de presos relatam humilhação menor

Equipamento eletrônico instalado nas unidades socioeducativas do Distrito Federal põe fim às revistas vexatórias e quer estimular visitas de familiares

Cidades|Fabíola Perez, do R7

Projeto teve custo de mais de R$ 8 milhões, obtidos com recursos do CDCA/DF
Projeto teve custo de mais de R$ 8 milhões, obtidos com recursos do CDCA/DF

Todos os sábados, a auxiliar de serviços Maria da Luz da Silva Lopes acorda, arruma a casa, prepara o almoço, separa frutas e produtos de higiene e caminha em direção a Unidade de Internação Recanto das Emas, no Distrito Federal, onde seu filho mais velho, de 18 anos, cumpre medida de ressocialização em privação de liberdade por furto. A vontade de visitá-lo, porém, esbarra em um procedimento considerado humilhante e, em muitos casos, torturante pela ONU (Organização das Nações unidas).

No último sábado (14), Maria da Luz pegou laranjas e bananas para levar ao filho que está internado há um ano e oito meses. Ao chegar à unidade, às 13h, aguardou uma hora até começar o procedimento de revista íntima ao qual se submete desde quando o garoto começou a cumprir a medida. Todos os finais de semana, Maria da Luz entra em uma sala pequena com duas agentes da unidade para ter os órgãos genitais revistados.

A ela é dada a ordem para tirar toda a roupa e se abaixar três vezes sobre um espelho. Ao seu lado, duas agentes verificam se a revista é cumprida com rigor. "Sentia muita vergonha, elas ficam olhando a gente por baixo", diz. "Cheguei a pensar em não visitar mais meu filho para não precisar passar por isso". A revista chega a ser ainda pior quando ocorre na presença de crianças que normalmente acompanham os familiares por não ter com quem ficar. Com isso, acabam também submetidas às revistas vexatórias.

No entanto, na tarde deste sábado, Maria da Luz foi informada que o procedimento havia chegado ao fim na Unidade Recanto das Emas. A casa de internação é uma das oito unidades do Distrito Federal nas quais está instalado um scanner corporal capaz de radiografar o corpo dos familiares que chegam para a visita. "Não demorou nada. Queria que todas as unidades tivessem esse sistema para não passarmos tanta vergonha".


Além de não ter os órgãos genitais vistoriados por agentes, outra vantagem do novo sistema, segundo a mãe do adolescente, é que os alimentos levados à unidade de internação não são danificados e cortados antes de serem entregues aos jovens. “Antes, era muito ruim porque a banana ficava preta”, diz. “A gente não sabia se eles lavavam as facas antes de cortar as comidas”, afirma ao se referir à forma de revistar alimentos e produtos levados aos adolescentes.

Scanner corporal usado na revista
Scanner corporal usado na revista

Como funciona o sistema


O chamado scanner corporal é um equipamento tecnológico utilizado para substituir as formas de revista manual que, em muitas unidades de internação de adolescentes e presídios do País, são consideradas constrangedoras. “A preocupação é com a entrada de drogas, metais e celulares nas unidades”, afirma Demoniê Alves Batista Filho, subsecretário do Sistema Socieducativo, vinculado à Secretaria da Criança do governo do Distrito Federal. “Mas, na prática, ela acabava sendo vexatória".

O sistema socioeducativo do Estado possui atualmente 788 adolescentes em internação. A tecnologia do scanner corporal está instalada em sete unidades e no núcleo de atendimento inicial aos jovens. O projeto teve um custo de mais de R$ 8 milhões, obtidos por meio de recursos do CDCA/DF (Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente).


Além da instalação das cabines onde funciona o raio X por onde passam os familiares dos jovens internados, existe também outro equipamento para radiografar os alimentos levados às unidades. De acordo com o subsecretário, o procedimento antigo levava em média 10 minutos, enquanto o novo dura cerca de dois minutos. Os testes começaram a ser realizados no sábado (14) e no domingo (15) na unidade de internação do Recanto das Emas, onde estão 250 adolescentes.

Os familiares dos jovens têm de fazer um cadastro biométrico e, na sequência, entram nas unidades passando pelas cabines. “Diminui também o constrangimento para o servidor, que passará a ser somente um operador da tecnologia”, afirma Batista Filho. “Agora, o pai que não visitava o filho poderá vê-lo sem constrangimento.”

“Só vou porque penso no meu filho”

Todos os domingos do mês, Elizeu Vieira de Souza, de 54 anos, visita seu filho de 19, que cumpre medida socioeducativa na unidade Recanto das Emas por tentativa de homicídio. “Levanto, preparo o café, faço uma caminhada e já vou para a unidade”, diz. Elizeu costuma chegar aos portões da unidade às 11h. “Gosto de ser o primeiro.”

Ele foi o primeiro a receber a senha para passar pelo scanner corporal. “Agora, está tranquilo”, diz. No entanto, ele se lembra bem dos dias constrangedores da revista íntima. A maior parte dos familiares que enfrenta a revista íntima é formada por mulheres que visitam assiduamente os filhos nas unidades. No caso de Elizeu, é ele quem vai todos os finais de semana e se submete ao procedimento. “A mãe dele vai só uma vez ao mês, ela não gosta de passar pela revista”, diz.

Elizeu afirma que a revista também é vexatória para os homens. “Temos que tirar toda a roupa na frente de um agente e abaixar três vezes sobre um espelho”, diz. “Eles olham toda a roupa, pedem para tirar cinto, boné e qualquer acessório. Só vou porque penso no meu filho.” Elizeu conta que, certa vez, seu filho pediu que ele o visitasse apenas com um intervalo de 15 dias, para não enfrentar a revista.

Ao receber a notícia de que passaria somente por um equipamento eletrônico, Elizeu afirma ter sentido alívio. “Só de saber que não vou mais precisar tirar a roupa fiquei muito mais tranquilo”, afirma. As frutas e a goiabada que ele costuma levar para comer na companhia do filho também chegarão às mãos do jovem sem prejuízo.

Agora, ele terá alguns minutos a mais para ficar com o filho e fazer o que mais gosta. “Aconselho a se comportar bem para sair de lá, dou umas broncas também”, diz. “Incentivo ele a fazer o que ele gostaria, uma faculdade de educação física".

O que é revista vexatória?

Diariamente mulheres e homens são obrigados a se despir em frente a agentes de unidades socioeducativas e presídios de todo o País, se agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos o ânus e a vagina para que funcionários do Estado possam vasculhar os orifícios genitais de mães, irmãs, esposas, filhas e até bebês de colo. O mesmo procedimento ocorre, em menor número, com homens.

Apesar de ter sido considerada como “mau trato” pela ONU (Organização das Nações Unidas) e, em alguns casos, até mesmo tortura, segundo levantamentos da ONG Conectas, a revista vexatória continua sendo aplicada em diversos presídios do País. Documentos oficiais da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo obtidos pela ONG via Lei de Acesso à Informação mostram que apenas 0,03% dos visitantes carregavam itens considerados proibidos, ou seja, 3 visitantes de cada 10 mil.

De acordo com a organização, em nenhum dos casos foi registrada a tentativa de entrar com armas nas unidades. A pesquisa levou em conta dados coletados pelo Governo nos meses de fevereiro, março e abril dos anos 2010, 2011, 2012 e 2013. “Enquanto isso, a apreensão de objetos ilegais dentro das celas foi quatro vezes superior à quantidade apreendida com parentes, o que prova que os objetos entram por outros meios, que não os familiares”, informou a ONG.

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