Conheça os "golpes da Nigéria" e saiba se proteger
Com estratégia dos pequenos passos, criminosos têm sucesso nas fraudes há mais de 30 anos
Cidades|Ana Cláudia Barros, do R7
O scam romance ou golpe do namoro é uma modalidade das fraudes de antecipação de recursos (advance fee fraud), aquelas em que um golpista induz a vítima a passar informações pessoais ou a fornecer dinheiro com a promessa de que ela receberá benefício futuro.
Conforme o CERT.br (Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança), a abordagem dos criminosos acontece por meio do recebimento de mensagens eletrônicas ou do acesso a sites fraudulentos. A pessoa é envolvida em alguma situação mirabolante e, após oferecer o dinheiro solicitado, percebe que o benefício não existe.
O scam romance está no rol dos “golpes da Nigéria” ou Nigerian 4-1-9 Scam — o número 419 é uma referência à seção do Código Penal daquele País equivalente ao artigo 171 (estelionato) do Código Penal Brasileiro —, uma das variantes mais conhecidas do advance fee. A origem dele é remota, segundo o especialista em combate a fraudes e autor do livro Manual das Fraudes, Lorenzo Parodi. O golpe pode ser considerado uma versão repaginada da tradicional “carta da Nigéria”.
— Os nigerianos são mais conhecidos porque inventaram o esquema, que existe há mais de 30 anos. Há registro desses golpes aqui quando não tinha internet, e eles mandavam por carta. Há uma infinidade de variações. Todas visam a convencer a vítima de que ela está prestes a receber um grande benefício [financeiro, emocional] e que, para conseguir isso, só falta realizar alguns pagamentos. Atualmente, esses golpes são aplicados [a partir] de países africanos, asiáticos, Rússia, entre outros.
"Pequenos passos"
Segundo Parodi, na maioria das abordagens, os estelionatários usam a lógica dos pequenos passos. Em vez de pedirem uma grande quantia, optam por um valor modesto, crível. A tática, diz, é usada em qualquer golpe africano, incluindo o do namoro.
— Se eu digo: “Sou um galã maravilhoso, me apaixonei por você. Mande US$ 20 mil que tenho que comprar uma passagem”, a vítima vai me xingar. Já se eu conto a mesma história, mas falo: “Estou com um problema, porque não consegui liberar meu passaporte e preciso pagar uma taxa de US$ 847. Eu tenho dinheiro, mas está bloqueado” por qualquer motivo. Se a pessoa estiver empolgada, vai acreditar.
Segundo o especialista, a vítima se sente mais envolvida após ajudar o golpista financeiramente.
— O que passa pela cabeça da vítima no momento em que mandou US$ 847? Que ela se envolveu não só emocionalmente, mas também financeiramente. Ela fez um investimento.
Hierarquia
Parodi explica que as fraudes de antecipação de recursos são aplicadas por quadrilhas organizadas.
— Os golpistas são muito bons [em convencer] até por uma questão de prática. O trabalho deles é baseado em números. Eles fazem contatos através de internet. Antigamente, era carta. Mandar 1 milhão de e-mails mundo afora não custa praticamente nada. Se eles tiverem 0,1% de retorno de 1 milhão, estão feitos.
De acordo com a funcionária pública Meggie*, 52 anos, que tem um blog especializado nesse tipo de fraude, há uma hierarquia bem definida entre os scammers (golpistas virtuais).
— Os que ficam diante do computador são os peons (peões). Normalmente têm entre 13 e 17 anos. Seguem um script, como se fosse telemarketing. São eles que escolhem as vítimas, que nem sempre conversam com o mesmo scammer. Eles se revezam em plantões de 24h. Depois, vêm os managers (gerentes). São maiores e orientam os garotos o tempo todo. Levam uma porcentagem do lucro. Na sequência, tem o boss, que é o chefe de equipe. O maioral é o pimp daddy. Esse, com certeza, já está milionário.
Dólares negros
Lorenzo Parodi explica que há quadrilhas estrangeiras atuando de dentro do Brasil.
— Uma das fraudes mais praticadas por nigerianos pegos no País é a dos dólares negros. Esses golpes são de valor muito elevado e requerem um contato pessoal. Eles contam que fugiram de algum lugar ou que eram assistentes de um ditador e, para esconder e transportar o dinheiro, pintaram as cédulas de preto com a finalidade de entrar no Brasil. Depois, dão uma desculpa qualquer e dizem que perderam o solvente para remover a tinta.
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Para imprimir veracidade à história, eles fazem uma demonstração. Dizem que ainda possuem uma pequena quantidade do solvente e limpam algumas cédulas reais diante da vítima. O objetivo é convencê-la a comprar o produto, que seria vendido apenas no exterior e que teria valor elevado. Como recompensa, é prometido a ela uma porcentagem generosa do dinheiro.
— Só que a maioria das notas não passa de papel preto. Se a pessoa denunciar, o delegado vai rolar de rir.
A funcionária pública Crystal*, 54 anos, que ajuda a desmascarar scammers na internet, revela que a história dos “dólares negros” também tem sido usada no golpe do namoro.
— Geralmente, o golpista se apresenta como militar e, na missão de paz dele, encontra uma mala de dólares, por exemplo, de terroristas. Diz que está vindo para casar com a vítima no Brasil e pede para que ela cuide do dinheiro até ele chegar. Diz que ela pode usar uma parte da quantia para comprar casa, pagar os preparativos do casamento. Ele vai despachar os dólares e ela vai pagar taxas, porque a mala vai ser presa em várias alfândegas. Tem taxa para liberar, taxa para subornar. Ele vai envolvendo a vítima numa questão de ilegalidade. Depois, tenta fazer com que ela dê dinheiro para comprar o químico e limpar as notas manchadas.
*Nomes fictícios para proteger as identidades das funcionárias públicas
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