"É o mesmo que ganhar na loteria”, diz sobrevivente da Boate Kiss
Tragédia, que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos, aconteceu há cinco anos na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul
Cidades|Plínio Aguiar, do R7
“É o mesmo que ganhar em uma loteria”, diz o pós-doutorado em medicina veterinária Gustavo Cadore, de 36 anos. O gaúcho é um dos sobreviventes da tragédia de Santa Maria. Cinco anos depois, ele conta ao R7 como foi o dia 27. Confira a seguir o relato de Cadore:
“Eu estava com um amigo andando pela cidade. Tínhamos marcado de ir em uma balada, mas quando passamos na frente estava muito cheio, com uma fila enorme. Resolvemos, então, dar uma volta para ver se dispersava um pouco. Nesse momento, passamos na Kiss e também tinha fila, mas meu amigo tinha dois ingressos para aquela noite, então era de boa entrar.
Quando eu entrei, me deparei com muita gente, com certeza tinha superlotação. Eu nunca tinha entrado em um lugar tão cheio como aquele. Na época, eu lecionava e encontrei alguns alunos por lá, os cumprimentei e fiquei com eles um pouco. Mas logo quis ir embora, porque estava muito cheio e eu não estava gostando.
No entanto, meu amigo me convenceu a ficar mais um pouco. Disse para irmos para a área VIP do estabelecimento, que estava melhor que a área comum. Subimos então e, em questão de 30 minutos, a tragédia começou. Eu lembro de ter visto um dos músicos da banda acender um fogo pirotécnico, mas, logo em seguida, ele perdeu o controle. Nesse momento, meu amigo tinha ido ao banheiro e eu estava esperando ele. Quando ele chegou, o fogo já estava maior e a temperatura estava bastante quente.
Não deu 10 segundos e a luz do estabelecimento acabou. Todo mundo começou a enlouquecer, porque estava absurdamente quente, pegando fogo e sem visão clara do que estava acontecendo.
Começamos a tentar sair do espaço, mas eu caí e fui pisoteado durante uns dois minutos. Acabei perdendo o meu amigo de vista também. Tentava me levantar, mas não conseguia. As pessoas pisavam em minhas pernas, em minhas mãos. Eu sentia dor. Eu sentia calor.
Até que enfim eu consegui levantar e fiquei perto de um corrimão. Fui tentando me guiar no escuro pelas paredes do local. Em cerca de oito minutos, eu estava fora da boate, mas para quem estava lá dentro demorou uma eternidade.
Tinha muita gente, tinha muita fumaça, tinha muito grito, tinha muito desespero, além de a temperatura estar absurdamente alta. Foi horrível. Eu estava respirando fogo.
Saí com queimaduras no meu corpo, principalmente nos braços e nas mãos – eu tive 40% do corpo queimado. Fiz sete cirurgias, inclusive em Porto Alegre, para melhorar porque fiquei com restrição na mão direita. Hoje está melhor, mas até a última cirurgia (feita em 2015) eu não conseguia fechar a mão. Além disso, eu perdi o movimento de um dedo da mão esquerda.
E isso tudo ainda é bem recente na minha cabeça, porque foi horrível. Eu hoje estou bem, eu sei que o que aconteceu lá não foi intencional. Foi simplesmente uma tragédia. Mas é complicado porque teve famílias que foram bem mais afetadas que a minha. E isso nos leva a questão judicial, a qual eu não acompanho por motivos pessoais.
Acredito que os quatro réus acusados possuem a parcela de culpa na tragédia, mas com certeza tem mais pessoas envolvidas no acidente - disso eu tenho certeza. Eu, como boa parte dos afetados, vejo que o júri popular seria a melhor solução para o caso.
Por fim, eu quero é mais um mundo melhor. Eu nunca tive problema em contar a minha história, pelo contrário. Eu vejo, claramente, que foi um milagre porque eu estava muito longe da saída do estabelecimento e consegui sobreviver daquela tragédia.
É o mesmo que ganhar em uma loteria”.
Veja fotos da tragédia: