Envio de Força Nacional dá sensação de alívio, mas não barra facções
Especialistas apontam baixa efetividade quanto a desarticular facções criminosas que comandam o tráfico no terceiro estado mais rico do Nordeste
Cidades|Plínio Aguiar, do R7
O envio de homens da Força Nacional para conter a onda de ataques que atingem diversas cidades do Ceará na última semana expõe o gargalo na segurança pública no terceiro estado mais rico do Nordeste, além de ter baixa efetividade no combate ao crime organizado. Especialistas ouvidos pela reportagem do R7 apontam que a distribuição dos 330 homens em municípios da Grande Fortaleza pode aumentar a sensação de segurança para a população, mas não irá combater as facções que atuam não somente no Ceará, mas em todo o território brasileiro.
Mais de 30 cidades cearenses foram alvos de ataques criminosos desde a última quarta-feira (2), data da primeira ocorrência. O número de ações chegou a 148, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em média, mais de um ataque por hora no estado. Para amenizar a crise emergencial, o ministro Sérgio Moro enviou militares no sábado (5) e disse que o número será ampliado para 406 — o Ceará dispõe, sem a Força Nacional, de 29 mil agentes, entre policiais militares, civis, bombeiros, peritos e agentes penitenciários. A pasta informa que o número de ataques caiu desde a chegada. Foram 45 ações criminosas na quinta-feira, uma na sexta-feria, 38 no sábado e, no dia seguinte, quando os agentes estavam nas ruas, registrou-se 23.
Quatro grupos criminosos controlam o tráfico de drogas no Ceará, importante região de exportação de entorpecentes: FDN (Família do Norte), CV (Comando Vermelho), PCC (Primeiro Comando da Capital) e GDE (Guardiões do Estado). Como medida para combater o contato de membros das facções que estão dentro e fora dos presídios, o secretário de Administração Penitenciária, Luís Albuquerque, determinou a apreensão de 400 telefones celulares e a não distribuição de presos ordenados por facções criminosas. Em retaliação, ocorreram os ataques que o governador petista, Camilo Santana, não conseguiu deter.
“O crime no Brasil é organizado. Precisamos de um Estado mais inteligente que as facções”, disse o coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, César Barreira. “Com os ataques, percebemos que há uma estrutura e uma organização. Aqui no Ceará, os ataques começaram em Fortaleza e foram para o interior”, contou. “É preciso enfraquecer as facções antes de tomar tais medidas.”
O socorro emergencial dado pela Força Nacional apontou o obstáculo que as Secretarias Estaduais de Segurança Pública enfrentam. No entanto, as tropas têm baixa efetividade, a depender do ponto de vista. Segundo a cientista social e coordenadora do Observatório da Intervenção no Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes, Silvia Ramos, “há uma figuração, uma teatralização das fardas e jipes, enquanto que a efetividade policial é baixa”, disse. “O que precisa ser feito é um trabalho investigativo que desarticule essas quadrilhas”.
Ramos explica que os agentes de segurança estão em trabalho ostensivo, ou seja, em patrulhamento nos principais pontos da cidade, onde há maior circulação de civis. “Muitos deles, no entanto, não conhecem a área, e isso faz com que se perca a eficácia policial”, pontua. “No Rio, agentes da Força Nacional entraram na Comunidade da Maré em 2016 por erro de localização e foram alvejados por criminosos”, relembra. “E isso pode ocorrer não só lá, mas em outros lugares que os policiais não conheçam.”
O coordenador do Laboratório de Estudos da Violência concorda com a cientista social. “Um dos perigos é com a não preparação desses policiais para conter manifestações urbanas.” Barros acrescenta que o não conhecimento da área pode prejudicar o trabalho.
Para David Marques, cientista político e coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a eficiência da Força Nacional se faz presente no tocante a sensação de segurança vista pela sociedade. “Não vai resolver o problema das facções, mas vai conter a crise por um momento. Mais policiais nas ruas gera a sensação de que está amenizando. O problema, assim como o resto do País, depende de uma estrutura mais organizada entre as polícias”, defende.
Pacto federativo
Os especialistas ouvidos pela reportagem apontam o pacto federativo como uma possível solução para conter o crime organizado. O SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) é uma lei, criada em 2018, que prevê um conjunto de ações que serão integradas, visando uma atuação cooperativa, harmônica e sistêmica. No entanto, o atual andamento é que os Estados têm até dois anos para apresentarem os planos de segurança e, só depois, começarem a atuar.
“A mudança do poder e da influência negativa que os grupos criminosos exercem é um trabalho a ser combatido a longo prazo”, defende o cientista social Marques. “O envio da Força Nacional é um socorro, mas não irá conseguir oferecer respostas amplas em relação a força das facções”, diz.
O coordenador Barreira concorda com Marques. “Para se combater facção, é preciso utilizar serviços de inteligência. A transferência de presos para presídios federais pode até surtir efeito, mas é preciso mais, como um mapeamento da atuação desses grupos dentro das cadeias, fora delas e de que forma ela age”, avalia Barreira.