Estados gastam quase 3.000 vezes mais com polícias do que com políticas para egressos
Pesquisa avaliou discrepância entre investimentos no sistema de Justiça nas oito federações com maior orçamento no país
Cidades|Guilherme Padin, do R7
Nos oitos estados com maior orçamento do país, o gasto com policiamento é quase 3.000 vezes mais alto do que com políticas para egressos de prisões. É o que revela o estudo realizado pela Justa, organização dedicada a analisar a gestão e dados de financiamento do sistema de Justiça brasileiro.
Os estados avaliados — Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, São Paulo e Tocantins — movimentam 60% do orçamento nacional, um montante que representa R$ 593,1 bilhões. Os números se referem ao ano de 2021.
A pesquisa mostra que, para cada R$ 1 destinado à política que garanta direitos de egressos do sistema prisional, R$ 2.758 são gastos com policiamento e R$ 678 com o sistema penitenciário.
“Os dados evidenciam que o encarceramento em massa é fruto de uma política orçamentária que prioriza o investimento nas portas de entrada no sistema prisional, sem zelar pela porta de saída, o que faz com que cada vez mais gente entre [nas prisões] e que não se garantam os direitos básicos para quem sai”, afirma ao R7 Luciana Zaffalon, pesquisadora e diretora-executiva do Justa.
Os estados onde mais se gastou proporcionalmente em policiamento foram Tocantins (8,5% do total do orçamento), Goiás (8%) e Ceará (8%).
O estudo também destaca que a maioria das federações avaliadas — com exceção de São Paulo e Pará — não tem verba destinada exclusivamente a egressos do sistema penitenciário. No caso das outras seis, os recursos que atendem esse público vêm de ações mistas dos governos.
“Isso mostra que as políticas para egressos estão em segundo, terceiro, quarto plano. A política para egressos é inexistente ou absolutamente residual. Não existe uma preocupação com política pública, você vê elementos que compõem essas políticas, mas não de forma exclusiva”, aponta a pesquisadora. Devido às ações mistas, lembra ela, não se sabe sequer a porcentagem destinada a uma população ou outra.
Zaffalon pondera que, nesse cenário, a ideia de que o cárcere caminha para a ressocialização de quem estava preso precisa ser questionada.
“O próprio STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece o estado de violação de direitos no nosso sistema prisional. Os recursos não são suficientes sequer para garantir documentação para quem deixa o cárcere, um total desamparo. Quem deixa o cárcere é um sobrevivente do cárcere”, completa.
População negra e periférica é a mais atingida por essa política
Em um país onde os negros representam pouco mais da metade da população, a desproporção no fato de haver quase sete negros em cada dez (67,5%) encarcerados no Brasil revela como a política de encarceramento brasileira é também uma política racial, que termina por privilegiar os brancos, aponta o estudo.
Assim como a raça, o local dos crimes pode ter impacto maior ou menor no conceito de encarceramento.
Há uma política de segurança pública baseada em raça e territórios específicos, como as regiões de periferia, considera Luciana Zaffalon, que critica a ineficiência da Lei de Drogas, responsável pelo aumento exponencial das prisões:
“Se observarmos como as forças de segurança agem no Brasil, temos duas polícias, uma ostensiva e uma de investigação. E nós naturalizamos o fato de que a PM realiza a maioria das prisões em territórios bem demarcados.”
Em SP, menos de 40 egressos foram inseridos no mercado de trabalho
Dos estados avaliados, SP é um dos dois — ao lado do Pará — que oferecem políticas públicas voltadas exclusivamente para egressos do sistema prisional.
Dona do maior orçamento do país, a gestão paulista investe em menor proporção no policiamento que outros estados.
Isso não quer dizer, entretanto, que as pessoas que deixam o cárcere em São Paulo encontram um ambiente de ressocialização: em todo o ano de 2021, somente 37 egressos foram inseridos no mercado de trabalho.
“Não falamos nem de 40 pessoas por ano. Quando vamos de fato minimamente considerar esse tema como relevante?”, questiona a pesquisadora.
Outro lado
A reportagem do R7 solicitou posicionamentos dos governos dos oito estados citados no estudo. Somente o paulista e o goiano responderam.
Por meio da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), o governo de São Paulo disse que a pasta possui 56 Caefs (Centrais de Atenção ao Egresso e Família).
A secretaria relata que os equipamentos realizam ações voltadas à educação e capacitação profissional, saúde, geração de trabalho e renda, aquisição ou regulamentação de documentos, apoio psicossocial e auxílio jurídico. Ainda de acordo com a pasta, 73.450 egressos foram atendidos por esses centros no ano passado.
”As Caefs, em 2021, realizaram a distribuição de 1.866 cestas básicas, qualificaram profissionalmente 1.785 pessoas e encaminharam ao mercado de trabalho 3.523. Além disso, 49.366 pessoas receberam auxílio em relação a processos judiciais, 1.077 tiveram documentos regularizados e 3.141 receberam encaminhamento para rede assistencial”, conclui a SAP.
Em nota, o governo de Goiás afirma que o sistema penitenciário do estado recebeu investimentos massivos nos últimos três anos, empregados em equipamentos, formação, qualificação e valorização do servidor público. A gestão considera que, com a estruturação dos presídios goianos, foi possível caminhar com outras políticas aos egressos.
O foco da DGAP (Diretoria-Geral de Administração Penitenciária) no ano que vem será, segundo a nota, aumentar os investimentos na área social. “Vamos oportunizar cursos profissionalizantes aos presos egressos e a criação de Escritórios Sociais, para atendimento exclusivo aos egressos”, escreve o governo.
O texto ainda informa que o programa Mais Empregos – Inclusão, cujo objetivo é a formação de um banco de vagas para egressos do sistema prisional, está em fase de implementação.
A medida prevê acompanhamento psicológico, assistências social e jurídica aos egressos e suas famílias.