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Falhas em armas deixam dezenas de policiais feridos 

Policiais afirmam que as armas da marca Taurus não têm qualidade e são uma ameaça 

Cidades|Caroline Apple, do R7

Policiais alegam que armas da Taurus disparam sozinhas; o grupo Vítimas da Taurus reúne mais de 40 pessoas feridas
Policiais alegam que armas da Taurus disparam sozinhas; o grupo Vítimas da Taurus reúne mais de 40 pessoas feridas Policiais alegam que armas da Taurus disparam sozinhas; o grupo Vítimas da Taurus reúne mais de 40 pessoas feridas

Um marido sem autoestima e doente, uma mãe que não acompanhou os primeiros passos do filho, um jovem que achou que ia morrer e um homem que patinou em seu próprio sangue e não sabe como está vivo. O que essas pessoas têm em comum é o fato de serem policiais e alegarem terem sofrido ferimentos graves com sequelas permanentes causados por falhas em armas de fogo da marca Taurus, que são entregues aos agentes pelos estados brasileiros para fazer a segurança da sociedade.

O caso é um imbróglio. De um lado, uma empresa estratégica de defesa que detém, pela lei nº 12.598/2012, o direito, quase que exclusivo, de fomentar o mercado de armas das polícias brasileiras. Do outro, policiais que reclamam da qualidade desse armamento e afirmam que as armas disparam sozinhas e deputados federais lutando pela abertura de mercado, para que os governadores tenham o direito de importar armas de outras marcas, vistas pelos agentes de segurança como mais seguras e baratas.

O grupo Vítimas da Taurus reúne 40 histórias de policiais que buscam reparação judicial por terem suas vidas transformadas após serem alvejados por suas próprias armas. Na maioria dos casos, as vítimas relatam que o armamento dispara, mesmo sem o acionamento do gatilho, algumas vezes, numa pequena pressão ou até mesmo na frenagem da viatura. As consequências desses incidentes na vida dessas vítimas têm sido devastadoras e perenes.

Um dos idealizadores do grupo é o policial militar Alexandre Fernandes de Castro, de 33 anos, que, neste ano, fez a quinta cirurgia para melhorar a condição de sua perna direita que, após ser alvejada por um tiro, ficou torta e o tirou de uma vida ativa nas ruas para viver debilitado no serviço interno da PM de Goiás. Alexandre contou emocionado ao R7 como lida com as sequelas físicas e psicológicas do acidente.

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Alexandre ficou com a perna torta
Alexandre ficou com a perna torta Alexandre ficou com a perna torta

— Era um dia de trabalho comum. Estava de serviço quando fui pegar um colete no hotel em que eu morava. Ao abrir a porta, a pistola caiu e disparou. Minha perna foi atingida de baixo para cima, na junção do fêmur e da tíbia. Eu sangrei muito e eu gritava clamando pela minha vida. O acidente não me matou, mas me tornou um deficiente físico e convivo com doenças associadas. Fiquei obeso por um tempo. Tenho escoliose, bico de papagaio, hérnia de disco. Minha autoestima acabou. O professor deixa a caneta cair, o médico deixa estetoscópio cair e o policial tem a arma, que pode sim cair e ela não pode disparar sem o acionamento do gatilho.

Alexandre, junto com outras vítimas, faz, desde o acidente, uma via crucis no Ministério Público, em gabinetes de deputados, audiências públicas, órgãos de controle e fiscalização de armas e qualquer outro lugar onde eles possam ser ouvidos. E a briga é grande e longa.

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O deputado federal Major Olímpio não descarta interesses políticos nesse “monopólio”, uma vez que a importação de armas de outras marcas é possível, mas passa por um processo burocrático intenso. Para abrir a possibilidade de compra de outro armamento, o deputado quer expor em uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) os acidentes causados pelas armas Taurus, para pressionar o congresso, derrubar a lei e fazer com que os governadores apenas notifiquem o Exército que irão importar armas e não precisem de autorização.

— O Exército Brasileiro coloca empecilhos e você não consegue ter novas fábricas de arma e munição. A Polícia Federal conseguiu comprar armas Glock, mas percebemos um bloqueio por parte deles. Essa reserva de mercado e esse lobby não têm nada de estratégico. Dizem que sou da bancada da bala, mas não sou financiado pela bala. Muitos deputados se calam diante do problema. Quero arma e munição que funcionem.

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Processos

As vítimas da Taurus estão se organizando para entrar com uma ação coletiva contra a empresa, mas há outros processos em andamento. Um deles é de Luciano Gomes Vieira, de 42 anos, agente de Polícia Civil do DF.

Em 2011, Luciano voltava para casa depois de um dia de trabalho quando foi retirar a arma do coldre e ela escorregou, caiu no chão e disparou contra o peito do agente de segurança. A bala atravessou o corpo de Luciano, que só se deu conta do que aconteceu quando um calor invadiu o seu corpo e ele começou a escorregar na poça de sangue que se formava sob seus pés.

— Fui socorrido pelos vizinhos. Perdi mais de três litros de sangue. Passei por cirurgia, colocação de dreno, sete dias na UTI e seis meses para me recuperar. Tenho sequelas, como dores. Tomo remédios controlados para ansiedade e depressão, e meu casamento acabou. As consequências são incontáveis.

O processo de Luciano é o único de conhecimento do grupo Vítimas da Taurus que segue para um desfecho positivo. O juiz entendeu que a arma pode disparar numa queda e deu ganho de causa para o policial civil, mas não antes de uma epopeia atrás de laudos de perícia que comprovassem essa possibilidade. Agora, Luciano recorreu para aumentar o valor da indenização.

A Taurus também foi alvo de uma ação coletiva nos EUA, que apontava que determinadas pistolas sofriam defeitos de segurança e poderiam levar a disparos não intencionais. A empresa negou, porém, foi feito um acordo entre algumas das partes. As alegações contidas no documento são as mesmas narradas por vítimas brasileiras: pistolas que disparam ao caírem, mesmo, em alguns casos, com a trava de segurança acionada.

Apesar dos policiais terem críticas a todos os modelos, a pistola 24/7 é tema recorrente entre os grupos de vítimas.

Recall

A empresa não usa a palavra recall e fala em “manutenção preventivas de armas”. Entretanto, o deputado federal Cabo Sabino afirma que em 2015 e 2016, mais de 142 mil armas passaram por recall e atribui o caso à falta de qualidade do armamento. O deputado é responsável pelo PL (Projeto de Lei) nº 5.556/2016, que pretende permitir que as polícias e Corpos de Bombeiros da União, dos Estados e do Distrito Federal, adquiram suas armas, munições e equipamentos diretamente das indústrias nacionais e estrangeiras.

— As armas vendidas aqui não atendem à necessidade do mercado brasileiro. O número de armas que passaram por recall é quase todo o efetivo do Nordeste junto. Mesmo que a Taurus diga hoje que sanou todos os problemas, vou até o fim com o PL. Não temos mais confiança nessas armas.

Sargento Regina ficou com os movimentos do pé limitados
Sargento Regina ficou com os movimentos do pé limitados Sargento Regina ficou com os movimentos do pé limitados

Foi uma arma que havia passado pela manutenção preventiva há 20 minutos que tirou o direito da sargento Célia Regina da Cunha Rocha Batista de acompanhar os primeiros passos da filha de menos de um ano. Regina foi ferida com um tiro que a deixou com uma fratura exposta da fíbula e da tíbia e rachou até o joelho pelo impacto do projétil.

— Eu estava de licença-maternidade quando fui convocada pelo meu comandante para levar minha arma para recall. Entreguei para os responsáveis na academia de polícia e esperei para levar ela de volta. Quando me chamaram, eu peguei minha arma e coloquei no coldre e, depois, dentro da minha bolsa. Quando cheguei no carro notei que o coldre estava aberto. Por segurança, fui fechar o botão, como esses de calça. Só que quando pressionei a arma disparou. Só percebi que havia sido atingida quando tentei sair do carro e vi minha perna ensanguentada. Minha filha estava com sete meses. Perdi a amamentação me recuperando no hospital. No decorrer da recuperação, ela ficou ao meu lado, mas eu não podia pegá-la, não acompanhei seus primeiros passos e a vida ficou limitada.

Outro caso emblemático envolvendo armas Taurus foi o gasto do Governo do Estado de São Paulo, que comprou por R$ 21 milhões 5.931 submetralhadoras SMT-40, que nunca foram usadas e estão paradas desde 2011, por apresentarem problemas no funcionamento. As armas foram compradas para serem usadas pelos homens do COE (Comando e Operações Especiais) da Polícia Militar.

A CBC, que comprou a Taurus no ano passado, afirmou que propôs trocar as submetralhadoras que apresentaram defeito por modelos de arma 9 milímetros.

— A CBC ficou com a herança maldita da Taurus, que teve a chance de fomentar nosso mercado quase que exclusivamente, mas não soube aproveitar. É hora de dar lugar à concorrência.

Taurus nega defeitos

Em resposta aos questionamentos enviados pela reportagem, a Taurus confirma que há alegações de defeito feitas por policiais, mas que é necessário realizar perícias para verificar a verdadeira causa do incidente e, nos casos em que há perícia realizada dentro das normas, elas comprovam que não há falha ou defeito nas armas da Taurus.

A empresa nega que tenha feito recalls, mas afirma que tem realizado manutenções preventivas de armas, em comum acordo com as corporações e instituições.

A Taurus diz, ainda, que qualquer incidente com arma de fogo deve ser analisado cuidadosamente, dentro de normas específicas estipuladas pelo Exército Brasileiro, e reforça que todas as perícias realizadas dentro das normas internacionais adotadas pelo Exército em armas da Taurus comprovam não haver defeito ou falha em seus mecanismos de funcionamento e segurança.

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